Nestes tempos de escolha do novo Papa, momento de grande visibilidade para a Igreja Católica, vamos rememorar um embate que se verificou em Cachoeira, iniciado pelo Padre Luiz Scortegagna, pároco da Igreja Matriz, que provocou reação do Reverendo Eduardo Menna Barreto Jayme, pastor da Igreja Metodista.
O caso se deu em maio de 1918, exatamente no ano em que os metodistas estavam arregimentando forças para erguer seu templo em Cachoeira. Na edição do dia 22 de maio, O Commercio publicou, na Seção Livre, um comunicado do Padre Luiz Scortegagna que referia ter o Pastor E. Menna Barreto Jayme dirigido a muitos católicos cachoeirenses cartas circulares "pedindo óbolos para construção, nesta cidade, de um templo metodista." No mesmo comunicado, o Pe. Scortegagna prevenia aos fiéis que os metodistas faziam "parte de uma das trezentas e tantas seitas norte-americanas, diferentes umas das outras e todas inimigas da nossa santa religião católica, sempre imutável na substância, a quem o nosso querido Brasil deve o glorioso passado." E conclui o escrito acrescentando: "Disse Nosso Senhor Jesus Cristo (Mat. cap. 12, versículo 30): Quem não é comigo, é contra mim."
O Reverendo Eduardo Menna Barreto Jayme não deixou por menos e mandou publicar, no mesmo jornal, edição de 29 de maio, sua reação às palavras do Pe. Scortegagna, também na Seção Livre. Na sua mensagem, dirigiu-se ao "amável" Pe. Luiz Scortegagna e ao boletim que mandou distribuir na cidade sobre fazerem os metodistas "parte de uma das trezentas e tantas seitas norte-americanas", dizendo que era muito natural que as pessoas contribuíssem para a construção de uma igreja, independente do credo. E disse mais ao padre: que "milhões de dólares" estavam "enviando os norte-americanos para socorrer, generosamente, os católicos romanos da Bélgica e da Itália, com evangélica tolerância dos metodistas". Segue na sua defesa afirmando que o denominacionalismo* protestante não provava que os metodistas não eram bem intencionados e sinceros e que os povos protestantes se caracterizavam pela "liberdade de consciência" e que, naquela hora "de suprema dor na Europa", se irmanavam com os povos católicos.
A suprema dor referida pelo Pastor Eduardo M. B. Jayme representava o horror que a Europa estava vivendo com a Primeira Guerra Mundial. E para demonstrar mais seu incômodo com as palavras publicadas pelo padre católico, afirmou não ser a Igreja Metodista uma seita norte-americana e que a própria Igreja Católica tinha ordens que "nem em tudo estiveram acordes", como os dominicanos e franciscanos que se dividiram quase cinco séculos na discussão do dogma de Nossa Senhora. Para arrematar, invocando também as escrituras, disse: "Ide, pregai o Evangelho a toda criatura", dizendo ter o padre quebrado o mandamento "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo", do capítulo 20 do Êxodo. E, no fecho do seu escrito, deixou bem claro o porquê das publicações: "Sua Revma., o amável vigário desta paróquia, está despeitadíssimo!"
A julgar pelo cessar de notícias nas próximas edições do jornal O Commercio, parece que nenhum dos dois condutores locais da Igreja Católica e da Igreja Metodista quis jogar mais lenha na fogueira. O fato é que, lançada a pedra fundamental do templo metodista, em 6 de abril de 1919, foi o mesmo solenemente inaugurado em 31 de agosto daquele ano, com comparecimento numeroso.
Na notícia que circulou no O Commercio de 3 de setembro de 1919, a informação de que "foi construído com toda a solidez, de modo a constituir uma obra durável, tendo a nossa população contribuído com uma soma considerável para o custeio das despesas de edificação" pode sugerir que de fato os metodistas conquistaram muitos apoiadores ao seu intento. Por aqueles tempos, a comunidade metodista de Cachoeira era considerável, o que explica a rapidez com que a obra foi concluída.
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Comunidade metodista reunida à frente da igreja - MMEL |
Em tempos de ecumenismo, muito provavelmente a atitude dos dois condutores das comunidades católica e metodista não teria lugar nos dias de hoje.
*Denominacionalismo: reconhecimento da legitimidade de diferentes grupos cristãos, com as suas próprias crenças, práticas e tradições, como parte da mesma fé, segundo a Wikipédia.