Espaços urbanos

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Centro Histórico - foto Catiele Fortes

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Cachoeira ao tempo da proclamação da República

Com a notícia da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a Câmara Municipal reuniu-se no dia 18, contando com a presença de Crescencio da Silva Santos, presidente, de Antonio Nelson da Cunha, Joaquim Gomes Fialho, Cincinato de Sampaio Ribeiro, Josino Outubrino de Lima, João Jorge Krieger e João Thomaz de Menezes Júnior. 

Na reunião, inteirados da nova forma de governo, decidiram telegrafar ao Marechal Visconde de Pelotas, governador provisório do Rio Grande do Sul, dizendo que "A Câmara Municipal de Cachoeira, aplaudindo a atitude calma e digna do Povo Brasileiro, presta a sua adesão a V. Ex.ª, certa de que V. Ex.ª trabalhará pela prosperidade e integridade da grande Pátria Brasileira".

Capa do periódico O Mosquito - Brazil Imperial

Em 7 de janeiro de 1890, o governo provisório deu posse a uma junta governativa que responderia pela administração do município enquanto a república dava seus primeiros passos. Compunham a primeira junta os cidadãos João Ferreira Barbosa e Silva (presidente), Antonio Nelson da Cunha, que tinha sido vereador da última legislatura, e Isidoro Neves da Fontoura, tendo por secretário Manoel Teixeira Cavalleiro, que foi depois substituído pelo poeta Alarico Ribeiro. A determinação para a nomeação da junta tinha partido do Visconde de Pelotas, por ato de 2 de janeiro que dissolveu a Câmara Municipal da Cachoeira, dando aos cidadãos nomeados a incumbência de administrarem provisoriamente os negócios municipais. A presidência, segundo determinação do ato, caberia ao mais velho que, no caso, era o cidadão João Ferreira Barbosa e Silva.

Um relatório datado de 17 de setembro de 1891, emitido para responder a questionamentos do Diretor de Estatística do Rio Grande do Sul, revela como era Cachoeira logo depois da proclamação da República. O documento diz, além de informações históricas e geográficas, o que segue:

(...)

"A cidade está situada numa eminência plana com pequenos declives para as vertentes denominadas do Amorim, a Leste, a sanga da Inês, a Oeste, a sanga da Micaela, ao Norte, e o referido rio Jacuí, ao Sul, à margem esquerda.

Tem 550 prédios urbanos formando bem alinhadas ruas de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Os principais edifícios são: a Igreja, Casa da Intendência, Império, Teatro e Mercado.

A Igreja Matriz e o Império do Divino Espírito Santo - MMEL

O Mercado Público - MMEL

O Teatro Municipal e a casa da Intendência - MMEL

As ruas não são calçadas, têm, porém, sarjetas para dar escoamento às águas, e abauladas ao centro. A cidade é iluminada por 70 lampiões a querosene.

Um lampião na Rua Saldanha Marinho - Coleção Claiton Nazar

A área calculada por plantações, no município, é calculada em 10 léguas quadradas ou 435:600,000 metros quadrados. Os principais produtos da agricultura são: fumo preparado em folha e em corda, arroz, banha, feijão, milho, batatas, etc. A exportação do fumo em folha é calculada em 100.000 quilos, em corda 50.000 quilos, 5.000 de milho, 75.000 de banha, 1.000 sacas de batatas. A produção de cereais não se pode calcular.

Na cidade existem oito lojas de fazendas, 20 armazéns com fazendas, molhados, comestíveis, ferragens, etc., 20 tabernas, quatro açougues, quatro lojas de alfaiates, duas barbearias, duas casas com bilhares, duas funilarias, três fábricas de cerveja, duas hospedarias, quatro marcenarias, dois médicos, três fábricas a vapor de descascar arroz, três olarias, duas lojas de ourives, cinco padarias, três farmácias, duas relojoarias, uma fábrica de sabão, quatro lojas de sapateiros, duas lojas de celeiros, três tamancarias, duas tipografias. Há 57 casas de negócios espalhadas pelos distritos rurais.

À pouca distância desta cidade, no lugar denominado Paredão, há um estabelecimento onde se abatem 40.000 reses de corte, cuja carne é preparada seca e em conserva para exportação. 

O município está dividido em oito distritos policiais e administrativos. Não há divisão eclesiástica. Só há um vigário nesta cidade e outro padre católico na ex-colônia de Santo Ângelo, achando-se, também, neste lugar, um pastor evangélico.

A distância desta cidade à capital do estado é calculada em 260 quilômetros; à cidade de Rio Pardo, 66 km; à de Santa Maria da Boca do Monte, 120 km; à vila de Encruzilhada, 54 km; à de Caçapava, 106 km; à de São Sepé, 82 km; à de Santa Cruz, 70 km pelas estradas.

Há neste município 24 estabelecimentos públicos de instrução primária; não há aulas de instrução secundária. Frequentam estas 24 aulas, 935 alunos de ambos os sexos, achando-se matriculados maior número.

Há uma estrada de ferro que atravessa este município, a de Porto Alegre a Uruguaiana e outras estradas de rodagem gerais e municipais.

Trem saindo da Estação Cachoeira - Coleção Claiton Nazar

A renda média do município, de 1879 a 1889, é de 16:000$000, do estado, 35:000$000 e, geral, 30:000$000*."

A república instalada em 15 de novembro de 1889 pode ser recuperada em sua gênese graças a documentos e registros preservados por gerações. Vivas a este importante legado!

*Contos de réis.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

O curioso Alimento Fabini

A Charqueada do Paredão sempre causa muita curiosidade, especialmente porque de sua história, apesar da relevância, pouco ainda se sabe. Dos seus arquivos praticamente nada restou por aqui, sabendo-se dela o que a imprensa da época noticiava ou poucas publicações referiam. Sua importância para a economia cachoeirense foi imensa, mais uma razão para se lamentar o descaso com que tem sido tratado o que sobrou de seu complexo industrial.

Complexo da Charqueada (2018) - Méia Albuquerque


Charqueada do Paredão - sala de fabricação do Alimento Fabini
- Benjamin Camozato (1922)


O que restou da sala de fabricação (2021) - SMIC


Seção de pesagem e embalagem do Alimento Fabini
- Benjamin Camozato (1922)

Há 100 anos, por ocasião das comemorações do centenário da independência do Brasil, foi realizada uma grande exposição nacional no Rio de Janeiro, então capital federal, em que o melhor do país foi exposto. Cachoeira se fez presente com um dos mais afamados produtos da Charqueada do Paredão: o Alimento Fabini. Mas que alimento era este? Por que se chamava Fabini? Para a primeira pergunta há resposta, mas para a segunda ainda não.

Em 1.º de novembro de 1922, o jornal O Commercio reproduziu matéria publicada em jornal do Rio em que era destacada a qualidade do produto. Dali se extrai a resposta para a primeira pergunta:

O Alimento Fabini tem a forma de um granulado e na sua preparação é utilizada apenas a polpa de carne muscular de bovino, enriquecida no seu valor alimentício pela substituição em peso de sua parte aquosa pelo glúten de cereais escolhidos. Por um processo especial foi desagregada a fibra muscular da carne, o que garante ao produto o seu alto grau de digestão, fato assinalado em todas as análises. Essa circunstância foi particularmente posta em evidência pelos dietistas europeus, pois irá facilitar o aproveitamento da riqueza nutritiva da carne às pessoas que por terem vias digestivas delicadas não se possam alimentar de carne em seu estado natural. Para esses o Alimento Fabini representa um precioso recurso, pois permite a assimilação ao mais alto grau de todos os princípios nutritivos da carne, sem nenhum dos seus inconvenientes. Por esta mesma razão os pediatras têm encontrado no Alimento Fabini um recurso precioso para alimentação reconstituinte das crianças.

O Alimento Fabini é fabricado em Cachoeira, no Rio Grande do Sul, sob a direção médica do Dr. Balthazar de Bem. A fábrica, onde trabalham duzentos operários, é constituída por seis pavilhões e está sujeita à fiscalização sanitária do governo federal.

A firma Aredio & Companhia, do Rio de Janeiro, São Paulo e Buenos Aires são os distribuidores gerais do Alimento Fabini.

O Alimento Fabini, pelas notícias disponíveis, começou a ser comercializado em 1922. Nessa época, depois de enfrentar dificuldades, a Charqueada do Paredão passou a ser conduzida por uma sociedade comanditária, tendo à frente o médico Balthazar de Bem. Por foto estampada no Grande Álbum de Cachoeira no Centenário da Independência do Brasil (1922), de Benjamin Camozato, a denominação da empresa passou a ser Alimento Fabini, então o carro-chefe da indústria.

Entrada da fábrica do Alimento Fabini - Benjamin Camozato (1922)

Outra curiosidade a respeito da fabricação do Fabini é o fato de que a seção correspondente era composta por operárias, notando-se o esmero com que aparecem nas fotos feitas por Benjamin Camozato, onde é possível verificar que usavam uniforme e protetores na cabeça.

É, pois, o Alimento Fabini, em momento quase final da história de sucesso da Charqueada do Paredão, mais uma página curiosa desse importante empreendimento local.