Espaços urbanos

Espaços urbanos
Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 25 de dezembro de 2016

Série Prédios com passado, presente e futuro: Museu Municipal

Um casarão escondido no fim de uma rua guarda preciosas provas materiais da nossa história. E mais do que provas materiais, guarda e difunde traços da nossa identidade cultural, apresentando-se como vitrine de personagens e feitos históricos.

Que casarão é este? A sede do Museu Municipal de Cachoeira do Sul – Patrono Edyr Lima, no coração do Parque Municipal da Cultura desde dezembro de 1986, onde conjuga natureza e história com vários verbos, especialmente preservar, registrar e expor.

Sede do Museu Municipal de Cachoeira do Sul - Parque Municipal da Cultura
- fototeca Museu Municipal

Da história da casa há alguns registros que dão como seu construtor o alemão Engelberth Gottwald, empreendedor, amante da fotografia e das flores, especialmente dálias, que colecionava nos jardins da casa, fabricante de sabão, bebidas e velas e que oferecia banhos públicos nos fundos da sua fábrica, na Travessa 24 de Maio, hoje Rua Dr. Sílvio Scopel.

Engelberth Gottwald e seu amigo José Zell
- fototeca Museu Municipal

A fábrica de sabão e de gasosa de Gottwald produzia gasosa, limonada, água mineral e uma bebida sem álcool, chamada Diana.  A fábrica de sabão, fundada pelo seu sogro, Otto Büchler, em 1887, foi adquirida por Gottwald em 1902, ano que também pode ter sido o da construção da casa. No estabelecimento, Gottwald mantinha depósito de variados tipos de sabão. A fábrica de sabão foi depois vendida para Frederico Richter, proprietário da casa que existe até hoje, próxima ao Parque Municipal da Cultura.

Casa de Frederico Richter - acervo COMPAHC

Para o fabrico de velas, Gottwald recebeu uma máquina vinda da Europa, aumentando as dependências de seu estabelecimento. O passeio de tijolos que dá acesso ao vagão de trem que há na lateral do Museu seria parte do piso das instalações fabris.

Por volta de 1940, Engelberth Gottwald vendeu a propriedade do final da Travessa 24 de Maio para Aracy Machado Alves. O novo proprietário fez algumas melhorias na casa e passou a denominar o lugar, quase uma chácara, como Vila Maria. As iniciais VM podem ser vistas até hoje no portão de ferro que dá acesso ao Parque Municipal da Cultura.

Aracy Machado Alves - fototeca Museu Municipal

Outra testemunha da rica história desta casa e seus arredores é uma grande araucária que cresce junto ao lado direito do portão de ingresso do Parque, e que foi plantada pela família Alves depois que cumpriu a sua missão de pinheiro de Natal.

Como se vê, a casa que guarda a nossa história tem as suas próprias e peculiares histórias... E é um exemplar legítimo de casas que têm passado e presente... Mas um futuro incerto! Sem a manutenção necessária e sujeita às intempéries, a construção precisa de socorro urgente para que possa efetivamente ser um prédio com passado, presente e futuro! E garantir a perpetuação das nossas glórias históricas.

Imagem: fototeca Museu Municipal

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Novos tempos para o tempo passado V: Paço Municipal

Uma casa que abrigasse espaço para as reuniões dos vereadores, que acomodasse suas alfaias* e ainda pudesse dispor de aposentos para a justiça e para a cadeia era uma das maiores demandas das autoridades desde a instalação da Vila Nova de São João da Cachoeira em 5 de agosto de 1820. Os pobres cofres municipais tinham que desembolsar aluguéis diferenciados para a casa das sessões e para a cadeia, situação que perdurou por mais de quatro décadas, sacrificando outros investimentos necessários.

Depois de vários anos de tentativas, de acertos e desacertos entre a municipalidade e a província, em 30 de outubro de 1860 a Câmara Municipal decidiu publicar edital para recebimento de propostas de empreiteiros que tivessem interesse em contratar a obra de construção da Casa de Câmara, Júri e Cadeia, projetada pelo Major de Engenharia José Maria Pereira de Campos.

Uma das mais antigas imagens do Paço Municipal - ao lado o primeiro teatro
- fototeca Museu Municipal

A única proposta recebida, mesmo que ferindo o regimento da Câmara, foi submetida ao governo da Província e aceita: a do vereador Ferminiano Pereira Soares, ao custo de quarenta e cinco contos, oitocentos e sessenta e três mil e oitocentos e sessenta réis. Vencida a burocracia da época, desapropriação dos terrenos e indenização dos proprietários, entre março e abril de 1861 tiveram início as obras.

Data da conclusão da obra no frontão - foto Renate S. Aguiar

A construção da Casa de Câmara, Júri e Cadeia levou quatro anos e consumiu certamente a saúde do empreiteiro Ferminiano. Sua morte, em meados de 1865, talvez tenha sido apressada pelos percalços do empreendimento, pelos investimentos feitos às suas expensas e pela espera de quitação do valor contratado, já que durante todo o tempo da construção ele recebeu apenas dezenove contos de réis do montante. A diferença foi recebida por sua viúva, D. Carlota Pereira de Lima, sendo integralizada somente em julho de 1868!

Estas são apenas algumas poucas páginas de uma história rica, cujo levantamento só foi possível graças à existência da documentação preservada pelo Arquivo Histórico do Município.

As paredes do velho prédio abrigaram por muito tempo os três poderes e a cadeia, acompanharam as mudanças das estruturas administrativas e das formas de governo e deram corpo às diferentes denominações que o sobrado teve: Casa de Câmara, Júri e Cadeia, Intendência e Prefeitura Municipal. Hoje, revigorado pela restauração, o prédio tem sido chamado Paço Municipal, forma que parece dar ao magnífico sobrado as dimensões histórica e simbólica que ele nunca deixará de ter.


O Paço Municipal em processo de pintura - fotos Renato F. Thomsen
www.pontedepedra.blogspot.com.br


*alfaia: qualquer móvel ou utensílio utilizado em uma casa; adorno; paramento.

domingo, 20 de novembro de 2016

Novos tempos para o tempo passado IV: Fazenda da Tafona

O ano de 2016 tem sido marcado por grandes obras de recuperação de bens de interesse coletivo em Cachoeira do Sul e culmina com o reconhecimento da Fazenda São José, ou da Tafona, localizada na Porteira Sete, como patrimônio histórico-cultural do Rio Grande do Sul.

Sede da Fazenda São José - da Tafona - foto Renato F. Thomsen
Localidade de Porteira 7, Cordilheira, Cachoeira do Sul - RS

A Fazenda São José apresenta uma série de características que a colocam como exemplar único em nossa região, despertando o interesse de historiadores, pesquisadores e adeptos do turismo cultural. Sua importância para a memória local vem da significação histórica, da arquitetura, do mobiliário e do ambiente natural que a cerca, além do elemento humano que a construiu e habitou por mais de 200 anos, produzindo farta documentação devidamente preservada.

A criação de gado sempre foi muito importante para a economia do Rio Grande do Sul desde os tempos da concessão de sesmarias aos primeiros povoadores. Naturalmente as sedes das fazendas de criação foram sendo modificados ao longo do tempo histórico, sofrendo adaptações ou sendo substituídas em sua integralidade por outras construções. A sede da São José, acrescida das instalações da atafona, constitui-se pela razão de ter sido pouco modificada ao longo de dois séculos em um exemplar raro e digno de reconhecimento, mantendo traços da arquitetura portuguesa, cujas evidências materiais, apesar da dominação cultural, são raras em nossas paisagens.

Fazenda em foto do início do século XX - fototeca Museu Municipal

A origem lusitana da São José está em seu provável construtor, o português José Vieira da Cunha, casado com Rosa Joaquina, que por sua vez era filha do açoriano João Pereira Fortes, proprietário de grandes extensões de terras desde Rio Pardo até Cachoeira.

A São José, com o passar do tempo e a sucessão natural das gerações familiares que a fundaram passou a pertencer, na segunda metade do século XIX, ao casal José Sebastião Vieira da Cunha e Maria Manoela Pereira da Cunha. Os traços deste casal e suas memórias foram preservados pelos descendentes, dando conteúdo histórico ao lugar. No correr do século XX, a sede da fazenda ficou para Emília Vieira da Cunha que por sua vez a vendeu, no ano de 1963, para a sobrinha Gemina Vieira da Cunha e Silva e seu marido Sylvio Martins da Silva, pais de Marô Silva que junto ao esposo Marco Aurélio Schntz envidaram todos os esforços para transformar a Tafona em patrimônio histórico-cultural do município e agora também do estado.

José Sebastião Vieira da Cunha
- acervo da Fazenda da Tafona - Casa de Memória
Família e agregados de José Sebastião Vieira da Cunha na sede
- acervo da Fazenda da Tafona - Casa de Memória

Com registro de museu desde 2001 junto ao Sistema Estadual de Museus, a Tafona credencia-se a projetos de captação de recursos que promovam a restauração de sua estrutura e ruma para a condição de importante atrativo cultural que documenta página ímpar da nossa história, oferecendo sua estrutura construtiva e elementos do entorno e interior para apreciação dos modos de fazer e viver característicos das antigas estâncias de criação do estado ao tempo ainda das grandes extensões de terras disputadas entre espanhóis e portugueses. Suas paredes guardam também as memórias de todos os homens e mulheres, senhores e serviçais, que viveram um tempo que não volta mais, mas que se perpetua e revela quando se cruza o seu portal...

Porta principal da Tafona - foto Mirian Ritzel

Descerramento da placa alusiva ao tombamento estadual da Tafona
- Secretário de Estado da Cultura, Vitor Hugo Alves da Silva, e os proprietários
Marô Silva e Marco Aurélio Schntz - 18/11/2016 - foto Cristina Mór

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Um balão nos céus de Cachoeira em 1910

Nos primeiros anos do século XX, as opções de lazer e entretenimento da população eram restritas. Às iniciativas locais somavam-se atrações vindas de fora que abrangiam os cinematógrafos, trupes teatrais, ventríloquos, fantoches, touradas... E algumas delas foram responsáveis por momentos únicos, inesquecíveis...

O balão Granada

Na tarde de domingo, 13 de março de 1910, o capitão Guilherme de Magalhães Costa, segundo o jornal O Commercio, de 16 de março, “fez sua projetada ascensão aerostática”.

Representação de uma "ascensão aerostática"
- cartão-postal da Coleção Ernesto Müller

Segundo relata o jornal, pelas quatro horas da tarde começou regular afluência de povo ao local escolhido que era o terreno situado à Rua Moron, nos fundos da casa comercial de Pedro Stringuini. Antes das cinco, tiveram início os preparativos de enchimento do balão, tocando durante o ato uma banda musical. Pouco a pouco foi se esticando e entesando o escuro pano do colossal Granada, que tinha 24,5 metros de altura e 52,5 de circunferência, capacitado a suspender um peso de 900 quilos.

Rua Moron à esquerda - fototeca Museu Municipal

O tempo estava calmo e, portanto, muito propício para ascensão. Pelas cinco e meia, quando o balão já era contido em terra só à força, ouviu-se a voz de – Larga! O Granada fez um arranco lindo, conduzindo o intrépido aeronauta que subiu com a fisionomia calma e com a serenidade de quem conhece o seu ofício, sendo nessa ocasião alvo de estrepitosa aclamação que partiu da assistência.

O capitão Magalhães ia seguro pelos quadris a uma corda e estava a alguns três ou quatro metros de distância do seu barco que, depois de subir a uma altura, seguiu serenamente para o nascente, transpondo o arroio Amorim e indo cair nas proximidades da Charqueada do Paredão, donde o arrojado aeronauta foi trazido, de carro, por Francisco Timotheo da Cunha, João Bruno Lorenz e Oscar Pötter.

Imediações da Charqueada do Paredão
- Cartão-postal da fototeca do Museu Municipal 

O Granada chegou a subir à altura de 426 metros, gastando 16 minutos no percurso. Tendo caído num ponto elevado, muitas pessoas puderam presenciar, da cidade, a sua descida. Foi um verdadeiro sucesso que alcançou o capitão Magalhães, sendo apenas de lamentar que tão exíguo fosse o produto das entradas.

Ao pedido de muitos cavalheiros, que prometeram empenhar-se para que o distinto aeronauta conseguisse uma razoável compensação material das suas despesas, foi prevista uma segunda ascensão na tarde de domingo, dia 20 de março de 1910, sendo que nessa ocasião o Granada levaria a sua barquinha para conduzir Oscar Pötter e Marianna Peres, consorte do aeronauta Magalhães.

No domingo marcado, um forte vento que soprou à tarde não permitiu encher o balão Granada e fazer a projetada ascensão. Na tarde de segunda, estando o tempo propício, muitos foguetes convidaram para o local, onde uma banda musical fazia ouvir seus acordes. Pelas seis horas da tarde, na presença de uma assistência numerosa, ao grito de – Larga!, o Granada deu um arranco formidável e conduzindo a intrépida senhora Marianna Peres, que atreveu-se a sulcar os ares sem mais acompanhamento. Aos aplausos e aclamações que irromperam, uníssonos, a corajosa senhora agradecia com acenos de lenço.

O balão seguiu a direção do noroeste, tendo subido a uma altura de 470 metros. Depois de viajar cerca de 20 minutos, desceu na invernada do Sr. José Luiz de Carvalho, numa colina ao lado do capão de Nossa Senhora. 

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

12 de outubro - Dia do Rio Jacuí

O rio Jacuí, grande patrimônio natural, constitui-se na maior vertente leste do Estado e serpenteia suas águas por entre terras cachoeirenses, levando vida e determinando a história, tanto que no calendário oficial do município o dia 12 de outubro é dedicado a ele.

Rio Jacuí serpenteando pelo território cachoeirense - foto Robispierre Giuliani
Foto Robispierre Giuliani

A palavra Jacuí vem de yacu (jacu), galináceo, e y, água, rio: “o rio dos jacus”. O seu nome primitivo é Ygaí, ou seja, ygáu, planta parasita conhecida popularmente como “barba-de-velho” e y, água: “rio da barba-de-velho”. Pode se tratar também de ygara, ygá, canoa, e y, água, o que significa “rio das canoas”.


Canoas no Jacuí - foto Veridiana Dalpian
Rio das canoas - foto Robispierre Giuliani

Cachoeira do Sul deve sua existência ao rio Jacuí. A partir de 1750, quando houve a assinatura do Tratado de Madri, para dar cumprimento ao acordo de fronteiras entre as coroas portuguesa e espanhola, o rio constituiu-se a fronteira entre portugueses e espanhóis e a barreira natural que protegeu e amparou os primeiros povoadores – os soldados portugueses. Suas águas serviram para a sobrevivência e manutenção dos pioneiros e ofereceram também as bases de uma economia calcada primeiramente na pecuária e depois consolidada com o cultivo e exploração das lavouras de arroz. 

A existência do Jacuí também foi determinante para que, em meados do século XIX, a rica economia de Pelotas, baseada na exploração da indústria do charque, fosse abalada pela instalação, em Cachoeira, da primeira charqueada do centro do Rio Grande do Sul, dando início a um período de grande crescimento econômico para a região.

 Complexo remanescente da Charqueada do Paredão às margens do Jacuí
- fototeca Museu Municipal

Mas Cachoeira não deve ao Jacuí somente a existência e a sobrevivência. Deve também o seu nome. Os habitantes da aldeia de índios assentada sobre a elevação do terreno localizado na margem esquerda do rio, proximidades do atual Hospital de Caridade, avistavam diariamente as cachoeiras que encrespavam o leito e acabaram incorporando a palavra cachoeira aos nomes dados à povoação. O primeiro registro da denominação apareceu em 1779, quando o lugar passou de Capela de São Nicolau para Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira. Em 1820, com a emancipação político-administrativa de Cachoeira da Vila de Rio Pardo, o município ganhou o nome de Vila Nova de São João da Cachoeira. Em 1859, pela elevação ao foro de cidade, surgiu a Cidade da Cachoeira e, em 1944, por decreto do Presidente Getúlio Vargas, Cachoeira recebeu o designativo do Sul,  para distinção de cidade homônima na Bahia.

E para endossar a ligação íntima da existência de Cachoeira com o rio até um apelido a cidade ganhou: “Princesa do Jacuí”.

Alguém ainda pode duvidar da força do Jacuí na história, na economia e na vida de Cachoeira do Sul?

domingo, 25 de setembro de 2016

Château d'Eau - vestígios do passado sob as tintas do tempo

Poucas vezes Cachoeira do Sul teve a oportunidade de ver diversos de seus patrimônios históricos, verdadeiros ícones, em processo de recuperação. E o Château d’Eau, nossa maior referência de urbanidade, depois de anos entregue à própria sorte, finalmente ressurge em sua magnitude arquitetônica e simbólica.


Das  janelas do Paço Municipal, as obras de recuperação
do Château d'Eau e Catedral N. Sra. da Conceição
- foto Renato F. Thomsen


As diversas fases pelas quais o monumento tem passado em seu processo de restauro, obra executada pelo Studio Sarasá, vêm revelando muitas coisas, desde as diferentes camadas pictóricas até sua dimensão simbólica.


O Château d'Eau sob andaimes - foto Drone Cachoeira

E o transeunte da Praça Balthazar de Bem, estupefato com as obras que se desenvolvem também no Paço Municipal (ou Prefeitura) e na Catedral, fica a se perguntar diante da “transparência” que o restauro do Château d’Eau oferece por não haver paredes que o escondam: afinal que cores tinham as ninfas, Netuno e o próprio Château d’Eau?


 Tentando responder às indagações e também dar sustentação ao que os técnicos encontraram a partir da última camada de tinta removida, historiadecachoeiradosul foi buscar fotografias antigas do monumento para demonstrar que as cores que hoje se apresentam como propostas dos restauradores, bem mais escuras do que o usual, parecem ter sido efetivamente utilizadas no monumento.

Com o julgamento o leitor!


Château d'Eau na década de 1930
- fototeca Museu Municipal

Coleção particular Armando Fontanari


Coleção particular Armando Fontanari



Atletas do Grêmio Náutico Tamandaré defronte ao Château d'Eau
- Coleção particular Armando Fontanari

Antônio Machado da Silva
- Coleção particular Família Waldicyr Machado

Agradecimentos a Ione Sanmartin Carlos que obteve as fotos da Coleção particular de Armando Fontanari.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Apostas do passado

A cada edição da EXPOINTER os criadores de Cachoeira do Sul voltam com um bom número de rosetas, evidenciando que a pecuária local tem qualidade e competitividade. Mas isto não é fruto do acaso e sim de uma trajetória histórica fundada na segunda metade do século XVIII.

A criação de gado foi a primeira vocação econômica do município. A opção que os soldados portugueses tiveram quando aqui chegaram para tentar assegurar o cumprimento do Tratado de Madri, aproveitando-se do gado xucro que vadiava pelos campos, perpassou os séculos, sobrevivendo e acompanhando os ciclos econômicos que vieram depois.

Na segunda metade do século XIX, com a instalação da Charqueada do Paredão, houve grande incremento à criação de gado. A própria Charqueada mantinha em seu redor vastos campos para invernada do gado que adquiria. Cachoeira chegou a abalar os negócios das charqueadas de Pelotas por sua localização geográfica privilegiada, no centro do estado. Vender para a Charqueada Paredão era melhor negócio, pois Cachoeira ficava no meio do caminho...

Charqueada do Paredão vista de longe - cartão-postal de Benjamin Camozato
- fototeca Museu Municipal

Por conta das vantagens de Cachoeira em detrimento de outros pólos charqueadores, e aproveitando o movimento revolucionário de 1893, dizem, a ponte do Passo Geral do Jacuí teve providencialmente incendiada parte do seu leito, impossibilitando assim a passagem das tropas que vinham abastecer a Charqueada!

Pilares que restaram da Ponte do Passo Geral do Jacuí - foto Méia Albuquerque

Durante os primeiros anos do século XX, notadamente quando o Dr. Balthazar de Bem era o intendente, a administração municipal demonstrou preocupação com a melhoria do plantel de gado criado localmente, tomando iniciativas que hoje podem parecer inusitadas, mas que certamente contribuíram para que a pecuária aqui tivesse os incrementos necessários para se solidificar. O touro flamengo adquirido para cruzar com as vacas dos chacareiros em 1913 foi uma destas iniciativas, assim como a compra e a distribuição gratuita de sementes do capim-gordura e capim-jaraguá, também ideia do visionário Balthazar de Bem naquele mesmo ano. Estes capins eram considerados os melhores para o engorde do gado. Aliás foi o Dr. Balthazar o introdutor no município do gado da raça Devon, de que fazia criação em suas duas granjas da Penha, uma que se localizava onde hoje está o Bairro Marina (este era o nome da sua esposa) e outra no caminho para Caçapava.

Capim-jaraguá - unilabsementes.com.br

Capim-gordura - agrolink.com.br

Os tempos mudaram e a tecnologia chegou ao campo, vencendo as barreiras naturais da própria cultura do criador gaúcho, que era baseada quase que unicamente na experiência e na tradição passadas de pai para filho. As cabanhas cachoeirenses estão consentâneas com o século XXI, esbanjam bons espécimes e honram uma tradição fundada ainda ao tempo do domínio e posse de nossas fronteiras. Apostas do passado com respostas no presente e projeções para o futuro.

sábado, 27 de agosto de 2016

Inusitadas histórias da velha Cachoeira...

Nossa Cachoeira tem cada história!  Esta vem de 1913.

Touro flamengo

A Intendência de Cachoeira, sob o comando do Dr. Balthazar de Bem, adquiriu um touro flamengo para ser “cedido” gratuitamente aos chacareiros que tivessem interesse em cruzá-lo com suas vacas. O objetivo do intendente era o de melhorar a produção de carne e de leite dos rebanhos cachoeirenses.


Prédio da Intendência Municipal. Ao fundo, o Teatro Municipal.
- fototeca Museu Municipal

Dr. Balthazar de Bem - intendente.
- fototeca Museu Municipal

O jornal Rio Grande, edição do dia 9 de outubro de 1913, noticiava que o touro flamengo pertencente à municipalidade estava no campo de Luiz Casemiro, onde permaneceria por todo o mês, indo depois para a chácara de Antonio Savedra.

No inverno o touro iria para o 6.º distrito*, a fim de servir as vacas dos colonos ali residentes.

Quem recebia o animal tinha que permitir que outros interessados trouxessem suas vacas para serem servidas por ele.

O que não se sabe é quanto tempo o touro resistiu...

*6.º distrito: o atual município de Agudo, parte da antiga Colônia Santo Ângelo.

domingo, 14 de agosto de 2016

Turnverein - a prática da ginástica em Cachoeira

Em tempo de jogos olímpicos, o momento é oportuno para relembrar um personagem da história local que é pouco conhecido, porém marcou época e desenvolveu em Cachoeira uma das mais completas modalidades esportivas: a ginástica. Seu nome: Fritz Zimmermann.

Mas a história da ginástica em Cachoeira começou antes dele. Em 1908, foi fundada a Turnverein – Sociedade de Ginástica baseada no modelo alemão deste tipo de agremiação e que portava uma bandeira onde quatro “F”, em formato de cruz, traduziam o espírito dos sócios e praticantes da ginástica: Frisch, Frei, Fromm e Froh, ou sadio, livre, crente e alegre.

www.landesring.mittelrhein.de

No mesmo ano de 1908, a Turnverein filiou-se à Federação de Ginástica do Rio Grande do Sul, sendo representada por Arthur Fetter, zelador da diretoria da sociedade. Com ele compunham o grupo diretor: Ernesto Müller, presidente; Guido Kurtz, secretário, e Carlos Zimmer, tesoureiro.

Nos primeiros anos, a sociedade de ginástica utilizou a sede do Salão Frohsinn, na Rua Moron, para os treinamentos até que, em 1916, com a inauguração da nova sede da Schützen-Verein Eintracht (atual Sociedade Rio Branco), os então 40 integrantes da Turnverein resolveram unir-se à sociedade alemã do Bairro Rio Branco, passando a ser um de seus departamentos. Naqueles primeiros tempos a orientação dos atletas era feita por Arthur Fetter e Roberto Petersen, contando com o apoio de Ernesto Müller, Willy Scheidt, Leopoldo Dill, Alexandre Herzog e José Hipp.

Primeira sede própria da Schützen-Verein Eintracht - Bairro Rio Branco
- fototeca Museu Municipal

Em 1921, foi organizada uma grande apresentação de equipes, nas categorias masculina, feminina e infantil, atuando os homens nos aparelhos de barra, paralelas, cavalo e argolas, as mulheres em ginástica sueca e as crianças em marchas e evoluções rítmicas ao som de uma banda. Ao todo se apresentaram trinta ginastas comandados por Roberto Petersen, alguns da Escola Alemã-Brasileira (atual Colégio Sinodal).

Depois da participação do departamento em eventos da Federação de Ginástica do Rio Grande do Sul, em 1926 foi contratado o professor Fritz Zimmermann para promover e desenvolver a ginástica em diversas modalidades. E foi o que ele fez orientando 65 atletas masculinos, 16 femininos e 117 estudantes da Escola Alemã-Brasileira. Além da prática da ginástica, Fritz incentivava a sua associação com a música, a dança e o teatro, utilizando-a como recurso para o desenvolvimento harmônico do atleta, ou seja, do seu corpo e da sua mente.

Ginastas masculinos do Departamento de Ginástica

Ginastas femininas do Departamento de Ginástica
Grupo de ginastas orientados por Fritz Zimmermann (primeiro à esquerda)
 - fototeca Museu Municipal

Em julho de 1930, nas comemorações do 106.º aniversário da imigração alemã no Rio Grande do Sul, o intendente José Carlos Barbosa homenageou os ginastas da Sociedade Atiradores Concórdia (antiga Schützen-Verein Eintracht) com uma placa assentada sob um carvalho plantado na Praça José Bonifácio um ano antes. A placa por muito tempo foi mantida no local, sendo restaurada em 1974, ano do sesquicentenário da imigração alemã, durante a administração do prefeito Pedro Germano, e reinaugurada na praça. O professor Fritz Zimmermann se fez presente naquele dia de julho de 1974, sendo relembrado em seu papel de incentivador e desenvolvedor da ginástica em Cachoeira do Sul. Infelizmente a placa foi roubada em meados dos anos 2000, sendo desconhecido o seu destino.

25 de julho de 1930 - colocação da placa aos ginastas sob o carvalho
- Praça José Bonifácio - fototeca Museu Municipal

A ginástica e o atletismo ainda tiveram prática na Sociedade Atiradores Concórdia, mas foram paulatinamente perdendo o caráter competitivo, deixando de participar de torneios distritais e sucumbiram. O abandono da prática não tirou a importância de Fritz Zimmermann e também de Alexandre Herzog, outro grande propagador deste esporte. Nomes fortes na ginástica, ambos foram fundamentais para o desenvolvimento em Cachoeira de outros esportes que também têm grande importância dentro dos jogos olímpicos: o vôlei e o basquete, duas modalidades que fizeram muita história por aqui.

Fonte: Sociedade Rio Branco - 100 anos de concórdia - 1896 - 1996, Museu Municipal de Cachoeira do Sul.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Entrada do gado zebu na Cachoeira

Um ofício da Câmara Municipal da cidade da Cachoeira*, emitido em 16 de fevereiro de 1877, devolvia à presidência da Província as respostas de um questionário sobre a criação de gado no município. Os números apresentados pelos vereadores deram como montante para o gado bovino a quantia de cerca de 130 mil cabeças e 20 mil para os ovinos. Números respeitáveis. No entanto, não detalhou quais raças bovinas predominavam.

Em 1916 há notícias de que exemplares de gado zebu entravam em Cachoeira via mascates vindos de Minas Gerais. Raça mal vista por estas plagas, precisou de propaganda para quebrar a resistência dos criadores locais.

www.novomilenio.inf.br

O jornal O Commercio, edição de 19 de janeiro de 1916, a respeito do assunto dizia o seguinte:

A despeito da propaganda que reconhecidas autoridades em zootecnia desenvolvem contra o gado zebu, de origem indiana, apontando a sua introdução como um erro de graves consequências futuras, de vez em quando tropeiros de Minas Gerais aparecem no interior de nosso estado, trazendo o zebu a nossos campos. O Sr. Manoel Pereira de Almeida trouxe de Uberaba, Minas Gerais, uma tropa de 200 reses dessa raça que vieram embarcadas pelas estradas ferroviárias das companhias Mogyana e Sorocabana até Tupanciretã. No percurso feito entre aquela localidade e o Passo de São Lourenço, 3.º distrito da Cachoeira, o Sr. Almeida vendeu ao nosso amigo Henrique Gonçalves Borges, fazendeiro no 2.º distrito, 12 touros de três anos a 600$000 cada um, e três terneiras de sobreano** cada uma a 400$000.

Na edição do dia 9 de fevereiro de 1916, O Commercio tornou a falar do gado zebu em Cachoeira:

O abaixo-assinado declara que vendeu neste município 88 touros, terneiros e terneiras da raça zebu para reprodutores, variando seus preços desde 350$ até 600$000 cada um. Declara mais que em outubro p. vindouro aqui estará com um lote maior e previne aos senhores fazendeiros para que possam esperar. As vendas acima foram aos seguintes senhores, onde poderão ser vistos pelos que desejam adquirir bons reprodutores:
Bernardino Marques
Manoel José Moraes
Manoel Leal
Eliseu Gomes
Pedro Rosa
Marcellino G. Fonseca
Antonio Manoel Lima
Claudio Cavalheiro
Ramão Cavalheiro
Manoel J. da Silveira
Octacilio de Lima
Manoel C. Prates
Sergio Pereira da Silva
Laudelino Pereira da Silva
José Pereira da Silva
Bento Pereira Alves
Sebastião P. Rodrigues
Manoel Nunes de Souza
Eduardo Bicca
Claudiano Correia
Antonio Souza
Francisco Rodrigues
Zeferino P. da Silveira
João Augusto Leitão
Henrique Borges
Feliciano A. da Silva
Cachoeira, 8 de fevereiro de 1916.
(ass.) Manoel Pereira de Almeida

A despeito da novidade e algumas “torcidas de nariz”, o gado zebu entrou em Cachoeira pelo poder de convencimento de Manoel Pereira de Almeida, conquistando um significativo número de interessados...

www,deolhonocampo.com.br


*Acervo documental do Arquivo Histórico do Município de Cachoeira do Sul.

** Sobreano: cria de rês com mais de ano.