Espaços urbanos

Espaços urbanos
Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 13 de dezembro de 2015

Série Prédios com Passado, Presente e Futuro

A cidade passa por uma discussão a respeito dos prédios inventariados do patrimônio histórico. Como em toda discussão, entram em choque os que defendem e os que atacam a preservação. E a desinformação, na maioria dos casos, acaba por associar a conservação dos bens do passado ao entrave do desenvolvimento. Países do primeiro mundo estão aí a provar que a preservação de sua memória tem sido a saída econômica para uma sucessão de crises que têm assolado o mundo globalizado na última década. Só para citar um dos aspectos – o econômico - que parece ser o mais forte na discussão instalada em nosso meio. A fixação de uma identidade é outro aspecto fundamental para solidificar a cultura, levando os indivíduos a finalmente entenderem a importância de valorizar as marcas do passado e a memória de seu meio, especialmente numa cidade de tradição histórica.

Em Cachoeira do Sul há bons exemplos da conjugação do passado com o presente, sempre com vistas ao futuro, e com grandes possibilidades de ganhos culturais e financeiros.

Esta série tem a pretensão de mostrar aos leitores que casas antigas, sejam elas inventariadas, tombadas, ou nenhum dos casos, podem SIM ser bem aproveitadas, dando ganhos aos proprietários e à cidade que assim legitima sua condição de quinta mais antiga do Rio Grande do Sul.

1 - Knorr & Eisner – um pouco da história do prédio

No ano de 1916, Oscar Knorr e Leo Eisner estabeleceram, na Rua 7 de Setembro n.º 4, uma casa de comissões, representações e consignações denominada Knorr & Eisner. Tinham até telefone, de número 26. A casa comercial trabalhava com muitos artigos, os mais variados, que iam desde balanças, arames, equipamentos e máquinas para engenhos de arroz e de madeira, artigos para eletricidade, automóveis e acessórios, bicicletas, aberturas e pianos. Tinha também seção de perfumaria, de bebidas, cigarros e doces.

Em 1918, Oscar Knorr e Leo Eisner noticiaram a construção de um amplo prédio na esquina das ruas Sete de Setembro e Ernesto Alves, defronte à Estação Ferroviária, endereço propício para o recebimento das mercadorias, em sua maioria importadas. Segundo noticiou o jornal O Commercio, edição de 25 de setembro, a planta do soberbo edifício que o Sr. Oscar Knorr vai mandar construir nas proximidades da estação ferroviária, para a firma Knorr & Eisner, planta confeccionada pelo engenheiro-arquiteto Frederico Gelbert, encontrava-se em exposição na livraria da Tipografia d’Commercio.  Como era comum aos prédios comerciais da época, a parte térrea serviria para o negócio e a superior para residência da família.

Foto raríssima do primeiro prédio Knorr & Eisner - reprodução Robispierre Giuliani

Em setembro de 1919, ocorreu a mudança da firma para o novo prédio que, no entanto, devido à crise econômica gerada pela 1.ª Guerra Mundial, sucumbiu, determinando que a ocupação do espaço fosse por tempo bastante curto, uma vez que a concordata preventiva já havia sido decretada em agosto daquele ano. Com o fechamento da Knorr & Eisner, o prédio passou por reformas para sediar, a partir de 1924, a agência local do Banco do Brasil. E nesse intervalo de tempo entre o fechamento da Knorr & Eisner e o início das obras para instalação no prédio da agência do Banco do Brasil, habitou o andar superior o Sr. Otto Müller e família. Numa porta do andar térreo, Müller abriu um mercadinho. 

Para a nova destinação do prédio mudanças significativas foram feitas na construção original, com a colocação de elementos decorativos nas paredes, antes lisas, e divisão da parte superior, onde dois apartamentos foram dispostos. As obras foram executadas pelo construtor Santiago Borba. 

Banco do Brasil - foto original de Ilsa Ribeiro

O Banco do Brasil deixou o prédio da extinta Knorr & Eisner em 1946, quando se mudou para o prédio mandado construir na Rua Sete de Setembro esquina Presidente Vargas. No velho endereço passou a funcionar a agência do Banco Agrícola Mercantil, depois incorporado pelo União de Bancos Brasileiros S.A. – UNIBANCO, ocupante do prédio até outubro de 2008.


Desmonte da agência do UNIBANCO - outubro de 2008
- foto Mirian Ritzel

Adquirido pelo empresário cachoeirense Willy Haas Filho, o antigo Knorr & Eisner, que já era tombado pelo COMPAHC desde 1986, foi totalmente restaurado, recuperando sua imponência arquitetônica. Desde 2014, por ocasião das festas natalinas, tem sido iluminado, conferindo beleza ao alto da Sete, ao à subida dos bancos, como aquela quadra é popularmente identificada. Está nos planos do proprietário a instalação ali de seu escritório de negócios rurais. 

Configura-se assim o Knorr & Eisner como um dos tantos prédios de nossa cidade que tem PASSADO, PRESENTE  e FUTURO.


Prédio de Willy Haas Filho - foto Claiton Nazar

domingo, 15 de novembro de 2015

Enfureceu o rei dos arrozais

Em abril de 1941, ainda sob o impacto da grande enchente que castigou Cachoeira, destruindo lavouras de arroz inteiras e submetendo a população e a economia da época a situações que teriam desdobramentos futuros, um texto publicado no jornal O Commercio, e assinado por Adão Pabím da Motta, dá um interessante cognome ao Jacuí – o rei dos arrozais, atribuindo-lhe poderes de vida e morte. O texto retrata um pouco do sentimento que tomou conta das pessoas que viveram esse momento da nossa história e que acabou por alimentar o imaginário de castigo e penitência que a grande enchente de 1941 deixou também como legado.

Porto de Cachoeira sob a enchente - coleção Achylles Figueiredo
- Fototeca Museu Municipal -

Lavoura sob a água - coleção Achylles Figueiredo
- Fototeca Museu Municipal - 

Cachoeira, a mais bela cidade pampeana, a rainha soberana do Jacuí, a pioneira rizícola da Brasília terra, atormentada pela inclemência do temporal implacável, sente a iminência de ser envolta no véu negro da desgraça, no manto atormentador da miséria.

Sem fantasiar tragédias nem improvisar odisseia, impressiona não só o panorama imenso e grandioso que enaltece a vista, como também o drama miserável que revolta os ânimos e exalta a imaginação.

É que, enfurecido o caudaloso Jacuí, ostentando o cetro de rei dos arrozais, indômito e inquebrantável da torrente, espraiado por sobre as messes louras do vargedo, endeusado como os super-homens que se arrogam o direito de dominar, estende suas garras aguçadas, trazendo para seu seio, ávido de glória e ufano de grandeza, o pão que nutre o inocente, o estímulo que assoberba o gênio, a felicidade que perfuma a vida.

Embarcações nas águas cheias - coleção Achylles Figueiredo
- Fototeca Museu Municipal

Pára, ok! rei poderoso; a soberania jamais te será roubada, tua clemência sempre há de ser reconhecida. Teu capricho chacina e conspurca. E agora que havias prometido a grande dádiva, repartes a miséria quando devias repartir o pão?!

Oh tu, Lavoura, que ontem, em apoteose, ouvias cantar o hino da glória ao som melodioso das trombetas que anunciavam antecipadamente tua sorte, bradando – Vitória! Vitória! Hoje, submissa, embora desvanecida, não sucumbas ainda. Chama, implora e a força de tua deusa te salvará. Oxalá, Ceres alada, resplandecente, no auge de seu poderio, vanguardeie as hostes sagradas e te retorne à glória merecida.

Rizicultor vassalo. Não, não te entregues ainda, nem tudo terminou! Eu vejo refletir de ti o clarão da fogueira que te incinera a alma. Enrijece teus músculos e encouraça tua nobreza! Luta, ainda um segundo ao menos, reivindica teu direito. Chama a justiça, que por mais ultrajada que seja, nunca sucumbirá.

Lembra que lá, onde talvez dos céus inda não caia a chuva, chefes endeusados repartem o terror. Hoje, enquanto tuas messes são cobertas pelo manto alvo da paz, os campos da Europa são tingidos pelo sangue*, porque Deus vale mais que os reis.

(Jornal O Commercio, 30/4/1941, p. 1).

*Referência à II Guerra Mundial que corria na Europa entre 1939 e 1945.

sábado, 7 de novembro de 2015

Desaparece o Hotel do Comércio

Cachoeira assistiu, nos últimos dias, ao desaparecimento do que restava de uma das mais reconhecidas e frequentadas esquinas da Rua 7 de Setembro: a que abrigou, por décadas, o Hotel Homrich, depois Hotel do Comércio.

Rua 7 de Setembro ao tempo do Hotel Homrich e Sapataria Augusto Zimmer
- Fototeca Museu Municipal
- Fototeca Museu Municipal

Parte do prédio do extinto Hotel do Comércio ainda resistia, mas tombou definitivamente, levando com ele ricos detalhes arquitetônicos e, mais do que isto, a memória dos tempos em que os hotéis hospedavam não somente os viajantes, mas também toda sorte de profissionais que por serem raros andavam a circular de cidade em cidade, oferecendo seus préstimos aos cidadãos. Médicos, dentistas, fotógrafos, engenheiros, artistas, ilusionistas...

Parte do prédio recentemente demolido - foto Eduardo Minssen
Desde o final do século XIX até muitas décadas do século XX o Hotel do Comércio acolhia forasteiros que percorriam a quadra decorada da Rua Sete, depois de terem descido na Estação Ferroviária, atraídos pela boa fama de suas dependências, atendimento e cozinha.

Em 1905, o estabelecimento foi adquirido por Nicolau Roos, que promoveu diversas melhorias, o que incluía um restaurante bem sortido e que atendia às exigências de higiene da época, orgulhando o seu proprietário.

Quarto de hóspedes do Hotel do Comércio
- Grande Álbum de Cachoeira, de Benjamin Camozato - 1922 -
Em 18 de setembro de 1907, o jornal O Commercio estampava uma propaganda do Hotel do Commercio:

De Nicolau Roos. Ótimas acomodações. Mesa variada e boa. Asseio e modicidade nos preços. Tem este hotel a grande vantagem de ser localizado perto da Estação. Rua 7 de Setembro. Cachoeira.

Em 1923, Nicolau Roos adquiriu o Hotel Guaíba em Porto Alegre, transferindo o Hotel do Comércio para o seu genro Cícero Teixeira. O Hotel do Comércio ainda sobreviveu muitos anos depois da morte de Nicolau Roos, em 1941.


A fachada do Hotel do Comércio dominou a paisagem da Rua 7 de Setembro por período que abrangeu dois séculos. Foi substituída por um posto de combustíveis, mas manteve parte de sua edificação ao longo da Rua Presidente Vargas. Pequenos negócios e moradias singelas ocuparam o velho prédio por muito tempo. Até que a estrutura, degradada pela falta de manutenção, mas ainda digna e bela, ruiu pela mão do homem... levando com ela muitas histórias, memórias de um tempo que não volta mais!

Obras de saneamento na Rua 7 de Setembro, defronte ao Hotel do Comércio
- Fototeca Museu Municipal
Nota: o que restou do prédio do Hotel do Comércio não estava protegido pelas leis do patrimônio histórico-cultural.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Grandes enchentes em Cachoeira

O ano de 2015 já entrou para a história como um dos mais instáveis climaticamente. A incidência de chuvas, independente da estação, tem sido assustadora em Cachoeira do Sul, assim como as variações de temperatura que se verificam muitas vezes com pequeno espaço de horas.

Enchente de julho de 2015
- Foto Robispierre Giuliani
Enchente de outubro de 2015
- Foto Robispierre Giuliani
Mas se engana quem pensa que estes fenômenos climatológicos sejam característicos dos tempos de hoje. Não o são, embora as agressões promovidas pelo homem à natureza estejam extrapolando o bom senso.

Já foram localizados relatos de grandes enchentes em Cachoeira nos anos de 1896, 1899, 1905, 1941, até agora a maior registrada, e 1984.


Armazéns do porto na enchente de 1941
- Foto de Achylles Figueiredo - Fototeca Museu Municipal

A que ocorreu no ano de 1896 talvez tenha sido a primeira a ser registrada fotograficamente. Naquela ocasião, a Charqueada do Paredão, que encimava um grande barranco do Jacuí, está incrivelmente atingida pelas águas do rio!

Charqueada do Paredão atingida pela grande enchente de 1896
- Fototeca Museu Municipal
A enchente ocorrida em 1905 pode ser dimensionada por uma matéria publicada no jornal O Commercio, edição de 9 de agosto daquele ano:

GRANDE ENCHENTE. Como em quase toda parte é também colossal e admirável a enchente produzida aqui pelas últimas chuvas. O rio Jacuí transbordou, alagando as margens numa extensão de mais de meia légua. A Várzea de Nossa Senhora apresenta um panorama magnífico, coberta com o vasto lençol d’água. As barcas da praia e do passo do Seringa fazem uma trajetória de légua para transporem os passageiros de um para outro lado do rio.  A do Seringa vem fazer porto nas proximidades da chácara do Sr. Virgílio de Abreu. Domingo grande número de pessoas foram ao Porto d’Aldeia e outros lugares para ver a enchente, que rivaliza com a do ano de 1899. No vaporzinho dos irmãos Pohlmann várias pessoas têm feito passeios de recreio na várzea. (...) Em Santo Ângelo*, a enchente invadiu casas e lavouras, causando muitos prejuízos.

Nota-se, pela notícia acima transcrita, que já naquela época a população via a enchente também como uma atração turística...

*Santo Ângelo: sede da antiga Colônia Santo Ângelo, célula de municípios depois emancipados de Cachoeira, como Agudo, Cerro Branco, Paraíso do Sul, Novo Cabrais.

domingo, 27 de setembro de 2015

Um ditador em Cachoeira

Calma, leitor! Cachoeira não está sob o jugo de nenhum ditador ou mandatário absolutista! Trata-se apenas de uma gostosa crônica, um delírio de um escriba do Jornal do Povo lá da década de 1930, publicada na edição de 26 de maio de 1935. Assinando apenas com as iniciais O. M., quem seria este sonhador? 

80 anos depois, qualquer semelhança com a realidade pode ser mera coincidência...

Uma noite destas, não sei por que cargas d’água, sonhei que era dono de Cachoeira. Mas não se assustem: foi um simples sonho...

Imaginem vocês, eu era senhor de baraço e cutelo desta encantadora Noiva do Jacuí. Fazia tudo o que entendia, mandava e desmandava ao meu gosto; um ditador, enfim. Vão tomando nota do que fiz:

Em primeiro lugar, baixei um decreto desterrando para o Chaco, que é hoje o inferno dos vivos, essa megera que se chama Dona Politicagem. Expulsa esta, chamei à minha presença todos os homens de valor residentes em Cachoeira, e disse-lhes: doravante eu quero, eu exijo, a bem do presente e do futuro desta terra, que todos se deem as mãos, que sejam amigos e que, unidos pelo amor a Cachoeira, trabalhemos todos pelo seu progresso, dotando o nosso município de tudo o que ele necessita.

A princípio encontrei uma certa dificuldade, pois nem todos estavam dispostos a esquecer as antigas rivalidades. Mas como eu era poderoso e sabia querer, consegui, por fim, o que desejava. Removida a primeira pedra, tratei de pôr em execução o meu programa, que foi o seguinte:
1º - A edificação imediata, em lugar apropriado, de um prédio condigno para o Hospital de Caridade*, acabando de uma vez com a pendenga “deve ser aqui”, “deve ser ali”, “deve ser acolá”... O Dr. Garcia foi o meu braço forte nessa parte do programa.

Dr. Garcia - José Félix Garcia
- Fototeca Museu Municipal

2º - A construção do Teatro Cachoeirense. Cerquei o Comassetto de todas as garantias e, num “upa” levantou-se o novo prédio, amplo, elegante, dotado de todos os requisitos para uma casa de gênero. O local foi aproveitado ali onde está instalado o Hotel América, propriedade do nosso incomensurável Comassetto. Ficou um colosso! Prédio de três andares: o primeiro, um grande e artístico salão para o cinema e representações teatrais, o 2º e 3º, para hotel, com confortáveis apartamentos. Cachoeira vibrou de contente!
3º - Adquiri uma “viúva alegre” para condução de presos. Foi um sucesso! O major Cacílio ficou radiante. Não queria outra vida!
4º - Mandei ajardinar todas as nossas praças. Com auxílio particular, sem ser preciso gastar um vintém dos cofres públicos, consegui que as famílias tomassem a seu cuidado a construção dos canteiros de flores e a sua conservação. Olhem, era um encanto: cada família porfiava em suplantar a outra, no cuidado do canteiro que lhe pertencia.
5º - Instalei uma oficina de arte e ofício, para cuja construção aproveitei-me do madeiramento do venerando barracão do ex-cinema “Coliseu”. Nessa oficina encerrei todos os menores vagabundos de Cachoeira, esses que, à noite, andam quebrando globos de luz elétrica das ruas e logradouros públicos da cidade.

Rua 7 de Setembro - barracão do Coliseu Cachoeirense, à esquerda na foto
- Fototeca Museu Municipal
6º- Acabei com a cachorrada da Rua Saldanha Marinho**. 
7º - Mandei reajardinar a outrora belíssima Praça Borges de Medeiros, criando ali um parque de ginástica para crianças pobres e ricas enrijecerem os seus pulmões.
8º - Aos distritos, dei o que a estes sempre bastou: escolas, estradas, policiamento e justiça.
9º - À Justiça dei o que esta nunca teve em nossa terra – uma casa.
10º - Acabei com aquela maldita polvadeira da Rua Júlio de Castilhos. De acordo com os comerciantes e particulares daquele principal setor do comércio local, fiz construir uma faixa de cimento ali, liquidando de vez com o flagelo do pó. As despesas foram repartidas. Ninguém estrilou.
11º - Dei uma cacetada na cabeça do dragão – o jogo. O bicho gemeu, gemeu, mas não morreu de todo. Contudo, diminuiu um pouco o seu poder maléfico. O Salomão, de raiva, mandou raspar as suas respeitáveis barbas, no que muito aproveitou, pois ficou mais bonito. O povo agradecido fez-me uma manifestação igual àquela que foi feita ao “Tio Luiz” no dia dos seus anos.
**
*
Ah! Mas o melhor vocês não sabem! O meu lindo sonho reformador eu o terminei dentro da “viúva alegre”, rumo ao Hospício São Pedro, amavelmente conduzido pelo meu muito prezado amigo major Cacílio. Acabei com todos os que se metem a reformar alguma coisa neste mundo...
O. M.
(Jornal do Povo, Cachoeira, Ano VI, Nº 95, 26 de maio de 1935, p. 1). 

*Hospital de Caridade: o primeiro prédio já não atendia mais à demanda e o sonho de erguer um segundo prédio só iria ser concretizado em 1940.

** Rua Saldanha Marinho: chamada popularmente, durante muito tempo, por Rua dos Cachorros.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Esquina da sétima arte

No ano de 1910, os irmãos Pohlmann, conhecidos por sua engenhosidade e inventividade, abriram o CINEMA FAMILIAR, inaugurando o endereço na Praça José Bonifácio que por décadas poderia ser apropriadamente chamado de esquina da sétima arte.
O Cinema Familiar era coberto com pano, possuía 360 lugares e seis camarotes. Suas dimensões abrangiam 29,70 metros por 16,20 metros. E, guardadas as dificuldades da época, possuía luz elétrica, sendo mais do que um cinema, pois os proprietários aumentaram o espaço disponível para que companhias líricas e dramáticas pudessem também ali realizar exibições.
 Naqueles tempos, grandes companhias circulavam pelo sul em razão da facilidade de acesso que a linha férrea proporcionava. Artistas oriundos dos países do Prata e mesmo de outros grandes centros desembarcavam por aqui. As ferrovias, como se vê, eram muito mais do que simples meios de mobilidade, prestando o excepcional serviço de levar e trazer cultura aos mais distantes recantos.
O empreendimento dos irmãos Pohlmann, já então com o ingresso de outro sócio, Felippe Moser, não durou muito. Em 2 de outubro de 1912 foi vendido para a Empresa Figueiró, numa transação de 17:000$000 de réis. De Familiar trocou o nome para CINEMA COLISEU CACHOEIRENSE.

Esquina da sétima arte
- Grande Álbum de Cachoeira, de Benjamin Camozato (1922)

Naturalmente os novos proprietários introduziram outras melhorias, como trabalhos de pintura realizados pelo artista Carlos Nery Pereira, que teve o cuidado de colorir o forro com fundo claro, favorecendo a iluminação. Os camarotes foram fartamente iluminados e um ventilador elétrico foi afixado no centro da plateia.
Em novembro de 1912 ocorreu a inauguração e em abril do ano seguinte houve a aquisição de um piano elétrico, na verdade um piano comum que continha dentro da sua caixa um mecanismo elétrico que movia automaticamente as teclas, tocando “as mais interessantes músicas de reputados autores”, como registrou o jornal Rio Grande de 20 de abril de 1913. Na inauguração do piano, a plateia pôde ouvir “Viúva Alegre”, “Casta Suzana”, “Barão de Ciganos” e outros “que deliciaram os espectadores”!
Em 1913, Manoel Costa Júnior aparecia na imprensa como representante da Empresa Figueiró, proprietária do cinema, tendo sido ele responsável por grandes melhorias naquela casa de espetáculo, anexando a ela um bar, o Ponto Chic, e um restaurante denominado Colyseu.

Cinema Coliseu Cachoeirense, à esquerda. No fundo, o Banco da Província
em construção - 1927 - fototeca Museu Municipal

Em 1915, o cinema passou a utilizar um aparelho elétrico para exibição dos filmes. Também naquele ano, Manoel Costa Júnior resolveu organizar programas a preços populares em mais de uma sessão diária, pois por aquela época o cinema estava se firmando como excelente opção de lazer e entretenimento, tornando a Praça José Bonifácio definitivamente o ponto de encontro dos cachoeirenses de então.

Movimentação defronte ao Cinema Coliseu Cachoeirense
- fototeca Museu Municipal

Em julho de 1921, Manoel Costa Júnior vendeu o Cinema Coliseu Cachoeirense para Henrique Comassetto. Começava aí outro período que desembocaria, anos mais tarde, na inauguração do Cine Teatro Coliseu, deixando a esquina da Praça José Bonifácio de ser tradicional ponto da sétima arte.

Com estas postagens sobre a rica história do cinema em Cachoeira, o blog homenageia Ruben Otto Prass, memória viva e ativa da sétima arte, cujo nome será dado a mais nova sala de exibição da cidade.


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CINEMA PARQUE - nossa primeira casa da sétima arte

A história do cinema em Cachoeira já conta 115 anos. As primeiras exibições aconteceram no Teatro Municipal, quando empresas de cinematógrafos, ou bioscopos, projetavam gravuras em sequência rápida, causando no espectador a impressão de movimento das cenas.

A primeira casa de cinema aberta em Cachoeira chamava-se CINEMA PARQUE, inaugurado em 1909.

Recapitulando, o Teatro Municipal, avariado em sua estrutura, fechou as portas um ano antes, privando a cidade de uma atração que estava em franco progresso naqueles tempos. Uma empresa, chamada Livi & Baptista, provavelmente integrada por Victorio Livi e Pedro Fortunato Baptista, dois grandes empreendedores, aventuraram-se a preencher a lacuna deixada pelas exibições de cinematógrafos feitas no Teatro.

Em 1910, a imprensa divulgava com entusiasmo a iniciativa de Livi & Baptista, situando-a na Rua Sete de Setembro n.º 1233, onde hoje está a agência da Caixa Econômica Federal:

Com verdadeiro sucesso, o Cinema Parque tem se exibido ultimamente em seu confortável local. Magnificamente montado e oferecendo todas as comodidades e seguranças para as famílias que frequentam esse gênero de espetáculo, é rigorosamente justa a aceitação unânime que o maravilhoso aparelho da Gaumont tem obtido do culto e consciencioso povo desta terra. A empresa não tem poupado esforços e despesas para apresentar ao público que aplaude os espetáculos esplêndidos, não só pela firme nitidez do aparelho, como pela extensão desusada de seu programa sempre variado e palpitante. É com verdadeiro prazer que recomendamos ao público essa casa de diversão que, se a empresa conseguir no próximo inverno alugar um salão, o nosso público terá certamente conseguido um magnífico emprego das horas que precedem as do sono e que constituem um verdadeiro problema insolúvel, em nosso meio, permanentemente tão desprovido desse gênero. E depois a modicidade dos preços e a desenvolvida extensão dos espetáculos são tentadores e irresistíveis argumentos próprios para convencer as mais intransigentes bolas e os bicudos tempos que atravessamos. (Jornal Rio Grande, 13 de março de 1910, p. 1)

As sessões do cinema eram feitas ao ar livre, nos finais de semana. Com chuva, o projetor Gaumont era transferido para a sede do Cassino Clube, localizado na esquina da Rua Sete de Setembro com Ramiro Barcelos.

Em abril de 1910, o CINEMA PARQUE foi vendido para Baptista & Wolff, passando a se chamar CINEMA RECREIO CACHOEIRENSE. Esta denominação foi novamente trocada em setembro daquele ano para CINEMA POPULAR, quando foram aumentadas as acomodações do público para noventa lugares e construído um camarote para os músicos.

Trecho da Rua Sete de Setembro, próximo ao endereço do Cinema Parque
- fototeca Museu Municipal

Não há muitos registros sobre nossa primeira casa de cinema. Mas o sucesso deste tipo de diversão crescia a olhos vistos, tanto que no final daquele mesmo ano de 1910 os irmãos Albino e Renoardo Pohlmann abriram o CINEMA FAMILIAR, na Praça José Bonifácio. Este cinema inauguraria um endereço que por décadas seria uma das maiores atrações culturais da velha Cachoeira.

Na próxima postagem você conhecerá esta história! 

domingo, 16 de agosto de 2015

115 anos do cinema em Cachoeira

O cinema vence todas as barreiras e segue firme em sua condição de sétima arte. As novas mídias não o ameaçam e as salas de exibição  atraem multidões.

Embora a “imortalidade” dessa arte, as grandes casas de cinema do passado não sobrevivem mais e aquelas que foram preservadas em suas estruturas hoje têm outra destinação. Foi assim com Cachoeira. Os nossos grandes cinemas, representados ainda pelos prédios do Cine Teatro Coliseu, na Rua Sete de Setembro, e pelo Cine Ópera Astral, na Rua Júlio de Castilhos, há muito deixaram de projetar filmes. O primeiro, quase em escombros, aguarda melhores dias... e, o segundo, trocou as luzes da ribalta pelo comércio de mercadorias...

Cine Teatro Coliseu (1938) - foto Renato Thomsen

Cine Ópera Astral (1953) - foto Renato Thomsen


Mas a história do cinema em Cachoeira começou muito tempo antes do Coliseu e do Astral, ocupando um grande prédio, cujos dias de glória não chegaram a 10 anos!

Este prédio era o Teatro Municipal, inaugurado no dia de Natal de 1900. A comunidade que se uniu para erguer o imponente prédio destinado a Dionísio sonhou para ele grandes espetáculos. E, já naqueles primeiros tempos, a arte que despontou por lá foi a do cinema... ou melhor, um antecessor do cinema, o cinematógrafo – ou bioscopo.

Teatro Municipal (1900) - fototeca Museu Municipal

O cinematógrafo era um equipamento que projetava imagens pela movimentação contínua de figuras. A primeira companhia que ocupou as instalações do Teatro foi o Cinematógrafo Sastre, de Sastre & Cia., que segundo o jornal O Commercio, teve muito sucesso de público.

Em 1905, o Cinematógrafo Lumiére Falante trouxe a novidade das figuras animadas que emitiam palavras em sintonia com os gestos e mímicas dos intérpretes do filme. A Revista Centenário, de Humberto Guidugli, publicou no número de 1957 que a plateia assistente desta exibição começou a ficar inquieta e desconfiada quando começou a ouvir a sonoridade das personagens, classificando o espetáculo “como obra do diabo!” No entanto, logo após o susto inicial, o ambiente do Teatro ficou sereno, prorrompendo a assistência em aplausos ao final da apresentação, para alegria do diretor da empresa, José Joaquim Pozzo.

Anúncio de cinematógrafo falante
- brasilianasteampunk.com.br

Dois anos depois, em 10 de outubro, estreou no Teatro Municipal o cinematógrafo da empresa Baterlô & Cia., que trouxe a novidade de cenas importadas de Paris, “cômicas, jocosas e humorísticas”, conforme descreveu O Commercio de 9 de outubro de 1907. O sucesso foi tanto que os espetáculos do cinematógrafo lotaram as dependências do Teatro, inclusive ficando parte da plateia em pé.

Com a desativação do Teatro em 1908, abriu-se espaço para a criação da primeira casa de cinema de Cachoeira, o Cinema Parque, da empresa Livi & Baptista, inaugurado em 1909.

Na próxima postagem, a história do Cinema Parque.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Paço Municipal - 150 anos

Quando Cachoeira adquiriu sua autonomia política, em 5 de agosto de 1820, começou sua organização administrativa, elegendo vereadores e constituindo a estrutura mínima para o funcionamento do aparato público. De pronto foi preciso alugar uma casa para as sessões da Câmara e outra para a cadeia.

Por anos a fio a Câmara alugou os espaços necessários, tendo por meta a construção de um prédio que atendesse às necessidades administrativas, judiciárias e carcerárias.

Depois de algumas tentativas mal sucedidas, finalmente em 1861 houve a assinatura de contrato com o construtor Ferminiano Pereira Soares para a edificação da Casa de Câmara, Júri e Cadeia.
As obras foram concluídas em 1864. Em razão disto, este é o ano que consta no seu frontão.

O sobrado ao tempo da Intendência - fototeca Museu Municipal

1864 - ano da conclusão da obra - acervo COMPAHC

O prédio passou a ser ocupado em março de 1865, primeiramente pelos presos. Entregue à Câmara em 5 de agosto, foi imediatamente cedido ao Ministério da Guerra para nele ser instalado um hospital militar. Finalmente, em janeiro do ano seguinte, a Câmara apossou-se de sua tão sonhada sede própria.

Casa de Câmara e Cadeia, Paço, Intendência ou Prefeitura Municipal, que foram as denominações que este fantástico sobrado de estilo colonial recebeu ao longo do tempo e ao sabor das mudanças de cunho político e administrativo que perpassaram os séculos XIX e XX, o que vale é ressaltar a riqueza arquitetônica, histórica e cultural que carrega há exatos 150 anos!

O arco-íris jogando luz sobre o Paço que está a um passo da restauração
- foto Renato F. Thomsen

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Cachoeira do Sul - 195 anos de emancipação política e administrativa

Algumas cidades contam sua existência a partir do momento em que o primeiro povoador fincou pé em seu território; outras se baseiam na documentação mais remota que faz alusão ao lugar, e outras ainda, como é o caso da nossa Cachoeira, consideram a data em que houve a emancipação política e administrativa do município-mãe.
 
O marco inicial do povoamento de Cachoeira se deu em 1750, com o estabelecimento de soldados portugueses ao longo do Jacuí, para guarnecer as fronteiras portuguesas no Sul do Brasil. Esta data poderia ter sido adotada para contagem da idade de Cachoeira, mas pouco se sabe desse momento histórico e a concessão de sesmarias aos soldados não permitiu que houvesse efetivamente a formação de um núcleo populacional, bem pelo contrário, pois as grandes extensões de terras recebidas por eles ofereciam léguas e léguas de distância entre uns e os outros.  Três anos depois, quando os primeiros açorianos chegaram, apesar de se estabelecerem em chácaras, bem menores em extensão do que as sesmarias, ainda assim não houve uma associação de pessoas suficiente para formação de um povoado.

Em 1769, com a instalação de uma aldeia de índios das Missões às margens do Jacuí, já havia a clara indicação de que a intenção era firmar um povoado, base para uma futura cidade. As referências ao povoado já o denominavam Capela de São Nicolau. Daí em diante, demonstrando o interesse que os portugueses tinham em povoar o Sul e assim garantir os seus domínios, em um intervalo curto de dez anos foi constituída a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira. Datam dessa época os primeiros registros documentais feitos em Cachoeira, constantes de assentos de batismos, casamentos e óbitos procedidos pelos padres, confirmando que já havia um contingente populacional reunido, porém sem autonomia, dependendo das decisões tomadas pela vizinha Freguesia de Rio Pardo.

Com o crescimento da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira, favorecido pela localização central e pelo grande fluxo de homens e tropas no vai-vem de um território que estava em processo de ocupação, o desejo de tomar decisões sem depender de Rio Pardo contagiou os moradores e lideranças que já se destacavam. Assim, em 26 de abril de 1819, D. João VI assinou o Alvará de Criação da Vila Nova de São João da Cachoeira. Não poderia ser esta a data para Cachoeira adotar como a mais importante de sua história? Ainda não, porque a decisão estava presa somente ao papel.

Alvará de criação da Vila Nova de São João da Cachoeira
- acervo Arquivo Histórico
Segundo as determinações portuguesas, para a constituição de um município, ou vila, era preciso haver a delimitação da área a ele pertencente, além da existência de “juiz, câmara e pelourinho”. Ora isto só foi ocorrer de fato no dia 5 DE AGOSTO DE 1820, quando o Ouvidor Geral, Corregedor e Provedor da Comarca de São Pedro e Santa Catarina, Joaquim Bernardino de Senna Ribeiro da Costa, veio a então Freguesia e providenciou na abertura dos livros necessários para registro das ações administrativas, deu posse à Câmara e seus oficiais e mandou erguer o pelourinho. Naquele momento estava instalada definitivamente a Vila Nova de São João da Cachoeira, desligada política e administrativamente de Rio Pardo, constituindo-se no quinto município do Rio Grande do Sul (o maior deles em extensão territorial) e o primeiro a se emancipar. Os quatro anteriores, Rio Grande, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha e Rio Pardo, haviam sido criados conjuntamente em 1809.

Extensão territorial de Cachoeira em 1822
- acervo Museu Municipal

Modernamente todos os novos municípios comemoram como data histórica a de emancipação do município-mãe. À nossa volta temos vários exemplos disso: Agudo conta sua existência como município a partir de 1959, ano da sua emancipação de Cachoeira do Sul. O mesmo acontece com Novo Cabrais e Paraíso do Sul, os mais jovens filhos de Cachoeira. Suas histórias, antes disso, integravam a história de Cachoeira do Sul. A nossa história, antes de 5 de agosto de 1820, integrava a história de Rio Pardo.