Espaços urbanos

Espaços urbanos
Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 29 de outubro de 2017

Passo do Seringa

A zona rural de Cachoeira do Sul é ainda bastante extensa, apesar de todas as emancipações de antigos distritos. Áreas produtivas e importantes para a economia e a história local, estes lugares guardam suas peculiaridades, histórias, personagens. Uma destas localidades é o PASSO DO SERINGA, localizada na margem direita do rio Jacuí e hoje amplamente conhecida pelos balneários que oferece, assim como provas de motociclismo na terra. 

O jornal O Commercio, edição de 29 de outubro de 1930, traz uma matéria versando sobre o lugar, com curiosidades e detalhes interessantes e únicos, a começar pelo ditado: “Quem beber as águas do Seringa não poderá mais dele sair!”

Diz O Commercio:

Na margem direita do rio Jacuí, a poucos metros de porto que lhe dá o nome, está situada a povoação do Passo do Seringa.

Entardecer no Seringa - foto MVMSilva - Panoramio

Seringa, como o chama a maior parte do povo, é um lugar pequeno, na verdade quanto ao número de habitantes, mas que abriga durante o tempo da safra, espalhados pelas diversas empresas arrozeiras, alguns milhares de jornaleiros*. Povo ordeiro, cavalheiresco e muito amante de novidades.

É comum ver-se, aos domingos, grupos bem montados que primam, sobretudo, pelo esmero e aprumo com que encilham seus cavalos fazerem corso desde a Palmeirinha até ao porto do rio.

Chapéu grande, lenço verde ou encarnado ao pescoço, bombacha larga, bota, espora fazem-nos gaúchos perfeitos. Povo de espírito empreendedor, não faltou quem lembrasse a organização de um semanário, ainda que impresso à máquina de escrever, para trazer os habitantes informados dos acontecimentos que interessam ao povoado. Desnecessário será dizer que essa ideia foi imediatamente afastada, pois o falado semanário, em caso de aparecer, seria fadado a andar com o serviço de informações sempre atrasado em vista da existência de uma dúzia de desocupados que com a rapidez só peculiar dos rádios, encarregam-se de veicular quaisquer notícias acrescidas a seu modo a todos os recantos do lugar.

Dois caminhões de passageiros que fazem a linha de Cachoeira a Santana da Boa Vista em viagens semanais, com parada aqui no povoado e o vai-vem de autos levando visitantes ao Dr. Borges de Medeiros no seu retiro de Irapuazinho, tudo isto, em certos dias, empresta ao Seringa um aspecto dos grandes povoados. Mais intenso seria o movimento de viandantes se as estradas fossem boas, pois, apesar de ser o entroncamento das que ligam Cachoeira com Santana da Boa Vista, Caçapava e outras localidades, apesar ainda das insistentes reclamações dos seus moradores, no que diz respeito a esse ponto, viveu-se longo tempo esquecido por parte de quem, de direito, devia tomar providências para os devidos reparos. Hoje, finalmente, o mui digno edil major José Carlos Barbosa, lançando um olhar de soslaio, compreendeu a necessidade do povo e tomou as providências que o caso exigia, achando-se elas agora, com restrição de alguns valos que a atravessam totalmente, em bom estado. Para o transporte de uma a outra margem do rio, tanto de cargas como de passageiros, o serviço é feito regularmente por duas barcas puxadas por um rebocador movido a óleo.

Dr. Borges de Medeiros
- Fototeca Museu Municipal
José Carlos Barbosa
- Intendente 1928-1930
- Fototeca Museu Municipal

Além de um bom número de casas de moradia construídas de material e com seus pomares caprichosamente cuidados, possui o povoado duas bem montadas casas de negócio, a varejo e por atacado. Para as doenças, não se tratando de um caso que requeira os cuidados de um profissional, não é preciso apelar-se para Cachoeira, pois Passo do Seringa dispõe de um bom médico homeopata que em vários casos tem empregado a sua atividade com acerto. Não falta também uma pequena hospedaria, onde encontrará abrigo o viajante que ali chegar à noitinha e não quiser sujeitar-se a pagar passagem sem tabela que, nesses casos, fica ao critério dos barqueiros.

Como de quase todas as povoações também do Passo do Seringa conta-se alguma particularidade. Por exemplo: é crença comum entre os moradores que uma pessoa tendo fixado residência e depois querendo mudar-se, poderá fazê-lo, mas, mais cedo ou mais tarde, concluirá por novamente transferir-se ao lugar. Daí o ditado que hoje perambula: quem beber as águas do Seringa não poderá mais dele sair.

Uma ferraria, uma carpintaria, um açougue, uma aula pública e outra particular, um bem organizado Clube de Futebol, eis a que se restringe a florescente povoação do Passo do Seringa.
O mendigo do amor,
20/10/1930.

A descrição feita pelo “Mendigo do amor”, rica em detalhes, revela diversos aspectos de uma das tantas localidades que compõem o grande município de Cachoeira do Sul e que igualmente tem suas histórias, seus personagens, sua importância no panorama social, cultural e econômico.

Barca no Passo do Seringa - 1961 - Acervo Iara Ribeiro
- Gentileza Prof. Edson Souza
* Jornaleiros: diaristas.

domingo, 15 de outubro de 2017

80 anos da Igreja Santo Antônio

O arrabalde da cidade conhecido como potreiro Fialho nunca mais foi o mesmo desde que os padres redentoristas conquistaram um terreno para nele construírem uma igreja em louvor de Santo Antônio.

Santo Antônio - Foto Robispierre Giuliani

Convidados por D. Miguel de Lima Valverde, primeiro bispo de Santa Maria, alguns redentoristas chegaram em Cachoeira no dia 18 de novembro de 1921 para estudarem a possibilidade de fundar na cidade uma missão e, quem sabe, uma igreja. Foram recebidos e hospedados em uma pequena casa junto à Capela de São José, no Alto dos Loretos, onde ficaram por um tempo, transferindo-se depois para o prédio do Império, proximidades da Praça Almirante Tamandaré, hoje Dr. Balthazar de Bem.

Capela São José (demolida) - Alto dos Loretos
- Fototeca Museu Municipal
Império do Espírito Santo - Praça Almirante Tamandaré
(hoje Dr. Balthazar de Bem)- Fototeca Museu Municipal

Enquanto se movimentavam em seu afã de fixarem a congregação em Cachoeira, obtiveram junto aos descendentes de Antônia Carolina Fialho um terreno no recém-aberto Bairro Fialho para dar início à construção de um convento e futura igreja. O ano era 1927. Dois anos depois foi inaugurada a capela que se tornou pequena para o crescente número de fieis que frequentavam com assiduidade as celebrações religiosas.

D. Antônia Carolina Fialho - Antoninha
- Fototeca Museu Municipal

Em 6 de agosto de 1933 foi lançada a pedra fundamental da Igreja Santo Antônio, mesmo nome da capela junto ao convento. A construção seguiu projeto do arquiteto alemão José Lutzenberger, em estilo barroco bávaro, e foi executado pelo construtor José Stammel.

Projeto da Igreja Santo Antônio assinado por José Lutzenberger
- Acervo da Igreja
Construção da Igreja - Fototeca Museu Municipal

Ainda inconclusa em seu detalhamento arquitetônico, a Igreja Santo Antônio foi inaugurada em 31 de outubro de 1937, durante a festa dedicada a Cristo Rei.

Enquanto a igreja estava sendo construída, também o bairro passou por transformações. Com ruas abertas e macadamizadas, casas começaram a ser erguidas, fazendo companhia, ainda que esparsa, ao Colégio Imaculada Conceição, educandário estabelecido no local em 1927 pelas irmãs da Congregação de Santa Catarina, também originárias da Alemanha. A assistência espiritual ao colégio era prestada pelos padres redentoristas, cuja ação se estendia à Capela de São José, às colônias e ao Hospital de Caridade, local onde também as irmãs de Santa Catarina prestavam serviço.

Colégio Imaculada Conceição (atual Totem) - Acervo Ilsa Ribeiro


Hoje a Igreja Santo Antônio é a principal referência do bairro de mesmo nome. Os padres redentoristas não estão mais na cidade, mas seu legado religioso segue inesquecível, basta atentar para a joia arquitetônica que ergueram num local que, segundo relatos, era dominado apenas pelo coaxar dos sapos.

Igreja Santo Antônio - Foto Robispierre Giuliani

domingo, 1 de outubro de 2017

O irregular calçamento do Bairro Rio Branco

Seguidamente alguém questiona o porquê do calçamento de algumas ruas do Bairro Rio Branco ser feito com pedras irregulares e tão diferentes dos tradicionais paralelepípedos. Pois as pedras diferentes, em que pese serem alvos de críticas por sua irregularidade, são resultado de um momento histórico ímpar, quando empreendimento público, condições climáticas e solução caseira fizeram parte de uma importante decisão política.

Corria o ano de 1927. Cachoeira nunca havia vivenciado tamanha revolução urbana. As principais ruas e praças viraram verdadeiros canteiros de obras. O resultado da azáfama estava surgindo a olhos vistos. A Avenida das Paineiras não era mais dessas velhas árvores. Tipuanas jovens tomavam os canteiros da nova e belíssima Praça José Bonifácio. Cercadas por delicados anteparos de madeira, necessários para o seu crescimento seguro, as jovens árvores seriam a moldura de uma praça com balaústres, bancos, floreiras e luminárias de primeiro mundo. As calçadas estavam sendo cobertas com um mosaico de padrão especial, cujo nome adotado foi apropriadamente "Cachoeira", pois cobria grandes extensões de passeios na cidade que se renovava sob a batuta de João Neves da Fontoura. Os paralelepípedos cobriam a velha poeira da Sete e de outras ruas. As pedras, vindas de Porto Alegre, chegavam às toneladas no porto.

Novo aspecto da Rua Sete de Setembro com as obras de urbanização
- Fototeca Museu Municipal

Mas veio a estiagem. A seca se anunciava nas águas baixas do Jacuí. As grandes chatas carregadas de paralelepípedos pesados tiveram que interromper a viagem de Porto Alegre a Cachoeira, pois o risco de encalharem nas águas diminuídas era grande.

Chegada de paralelepípedos no porto - Acervo Joaquim Vidal

João Neves discutia com seus assessores diretos que não era possível interromper as obras. Tinha planos para encerrar o ano com todas as melhorias concluídas. 1928 seria ano de finalização de mandato e de outros voos. As grandiosas obras de urbanização que ele herdara – e tocara tão bem – do velho Chico Gama, tinham que ser concluídas! Não havia espaço para atrasos. Que maçada a dificuldade de trazer os paralelepípedos! Havia ainda muito trabalho de calçamento a ser feito, especialmente no ainda jovem Bairro Rio Branco. Eis que alguém anuncia duas pedreiras da cidade que poderiam fornecer o material necessário.

Santiago Borba, um construtor, e Dr. Paulo Felizardo, engenheiro, haviam iniciado a exploração de duas pedreiras, uma localizada próximo da Estação Ferreira e outra no lugar chamado Enforcados. Consultado o diretor das obras municipais, Dr. Acylino Carvalho, João Neves resolveu empregar a pedra destas pedreiras nos calçamentos por concluir.

Estação Ferreira - Acervo COMPAHC

No entanto, as pedreiras locais não tiveram capacidade de vencer a encomenda, de forma que algumas poucas ruas foram calçadas com o “meláfiro preto de grande dureza”, dentre elas algumas de pouco trânsito no Bairro Rio Branco, local quase que exclusivamente composto por casas residenciais. As obras de calçamento foram contratadas pela Intendência na forma de pequenas empreitadas e solucionaram momentaneamente a interrupção do fornecimento de material por via fluvial, garantindo que a grande obra de urbanização e modernização da cidade não fosse interrompida com prejuízo às finanças e aos anseios da municipalidade.

Uma das obras de calçamento no Bairro Rio Branco - Acervo Coralio Cabeda

Como se vê, as pedras irregulares e escuras do Bairro Rio Branco são, muito antes do que um incômodo ao trânsito – uma lição do passado. Traduzem em sua irregularidade o regular uso das finanças públicas, do potencial local e o cumprimento de promessa política. Algo raro e absolutamente irregular nos nossos tempos!