Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Santa Josefa

Nestes tempos de visita papal ao Brasil e da repercussão dos ideais do catolicismo somos remetidos às manifestações religiosas locais. Em Cachoeira, há muitíssimos anos e com marcante devoção, é cultuada a figura de Santa Josefa, misto de lenda e fé que talvez muitos de nossos jovens, alvo preferencial da Jornada Mundial da Juventude, desconheçam totalmente.

Antiga Capela de Santa Josefa

O jornal O Commercio (1900-1966), em sua edição de 23 de maio de 1906, publicou artigo assinado por "Pompeu", contando interessante diálogo envolvendo o culto à Santa Josefa:

SANTA JOSEFA

Não resta dúvida de que o título é sugestivo, para o nosso meio, ao menos. Certamente a santa de que vamos tratar tem o número dois na galeria da santidade católica romana.
O caso é simples: lá nos registros seculares do Vaticano deve existir, por força, o nome santificado de uma Josefa que foi canonizada. Provavelmente essa Josefa que por qualquer motivo fez jus à canonização por algum ato de benemerência que a levou à categoria de divindade celeste, não é a mesma que temos por aqui, essa que uma tradição histórica nos lembra naquela cruz branca e preta que se eleva à cabeceira de um quadrilátero, cercado de grade, que existe num dos arrabaldes da Cachoeira. Deve haver, por conseguinte, duas santas Josefas – uma romana e outra cachoeirense.
Alguém nos contou a história da nossa Santa Josefa. Foi uma preta escrava que sucumbiu ao martírio do látego escravocrata da era passada. Ali, onde existe a cruz e o quadrilátero aludidos, foi ela sepultada e, dizem, não apodreceu, isto é, não passou o seu corpo pela prova destruidora da decomposição física. Santificou-se por isto, e realmente o fato é bastante suficiente para demonstrar a sua passagem para a divinização que coroou o seu nome humilde quando mísera terrena.
Num dia destes, passávamos por lá, eu e um amigo. Junto ao quadrilátero santo estavam duas mulheres do povo, ajoelhadas, concentradas nas suas fervorosas orações de crentes. Olhei e calei, mas segredei aos meus botões: “A fé nos salva!”
O meu amigo olhou-as, virou-se para o meu lado e sentenciou:
-          Bestas!
-          Por quê?, interroguei.
-          Por quê? Pois o que é aquilo?
-          Tu, que és espírita, que pertences a uma religião nova, que só crês em Deus como autor de todas
as coisas, todo poderoso, onipotente, não me explicarás  o que exprime aquela palhaçada?
-   Para nós, cachoeirenses, é eloquente atestado de um barbarismo de última hora; uma idolatria selvagem que não casa com o nosso século! Vamos até lá e vais ver até onde chega a ignorância e a santa selvageria de certa gente.
-   Vês? Aqui, nada mais nem menos, há uma camada de sebo e cera que se pode medir por palmos, disse-me, mostrando-me o quadrilátero de grades. Vês essa traparia aqui pendurada a esta cruz? São vestidos, saias, toalhas, o diabo a quatro que aqui vêm depor os fiéis, como um sacrifício oferecido à santa. Olha! Aqui está uma toalha bordada, admira isto!
E o nosso amigo nos mostrava  um pano branco bordado à linha encarnada com os dizeres: “Santa Josefa”, acima de uma figura feita de pano e desenhada à tinta sardinha. Tinha os braços abertos...
-          No desenho não andou o lápis da arte, mas talvez o carvão de algum analfabeto!
-          E zombas disto?, perguntei.
-          E você, ainda me pergunta? Homem! Você é tolerante demais!
-   Não é tolerância: é saber respeitar a crença alheia. Calculo que nisto aqui não haverá hipocrisia, mentira religiosa. Sabe Deus, somente, da porção de fé e crença com que aqui pôs este pano bordado quem o depositou aos pés desta cruz, como testemunho da sua fé e respeito!
-          Qual nada, isto é pura estupidez; não admito outra coisa!
Nesta terra, como em toda a parte, não há instrução do povo pequeno; só se cuida da política, e o mais vai por água abaixo e o fruto é destas coisas! Igual a isto só nas costas da África!...
E continuamos o caminho e o meu amigo tinha uma pouca de razão!
A ignorância, que torna o indivíduo um selvagem doméstico, que cobre-lhe os horizontes da concepção, do discernimento, que inibe-o da análise, da comparação; que furta-lhe o privilégio de achar o equivalente aproximado do impenetrável ser da obra que admiramos, tememos e de que fazemos parte, sob o império onipotente de Deus, não pode frutificar aos olhos da luz dos séculos que correm, senão nesses pedaços de santo barbarismo que o salvam: a crença, a fé, a sinceridade real do voto.
Na treva, tudo é treva, por isto, se há condenação no caso, ela não recairá de certo – senão sobre os que esquecem da luz que têm a distribuir, por dever!

Pompeu

Aspecto atual da Capela de Santa Josefa - infelizmente descaracterizada

domingo, 14 de julho de 2013

Banco Nacional do Comércio

Banco Nacional do Comércio - imagem Santander Cultural
- gentileza Mico Vargas

       Na década de 1910 e início da seguinte, quando Cachoeira já se projetava no cenário estadual como uma das potências econômicas, os grandes bancos começaram a abrir agências na cidade. O primeiro foi o Banco da Província, em 1911, seguido pelo Banco Nacional do Comércio, em 1916, pelo Banco do Brasil, em 1919, e pelo Banco Pelotense, em 1922.

       O Banco Nacional do Comércio, instituição fundada em Porto Alegre no ano de 1895, assim como outros que depois se estabeleceram, começou a atuar com uma pequena representação em Cachoeira. Instalada na casa comercial de Cunha & Cia., na Rua Sete de Setembro, lá ocupava um salão especialmente destinado para esse fim, tendo aberto suas portas para o atendimento dos interessados em abril de 1916. Naquela época, o quadro de funcionários contava com Oswaldo Schilling, contador, Francisco Antunes da Cunha, gerente, e Leonel Friedrich, subgerente.

          Com o crescimento natural dos negócios, o estabelecimento de crédito instalou-se em edifício próprio à Rua Sete de Setembro nº 160. “Luz e ar em abundância existem nas dependências do novo edifício, reconstruído pela firma Plentz e Ermel, e que pelo seu belo frontispício concorre para o embelezamento da parte norte da Rua Sete de Setembro”, dizia o jornal O Commercio, edição de 16 de janeiro de 1918. Com o empreendimento, o Banco Nacional do Comércio foi o primeiro a instalar-se em sede própria na cidade.

À esquerda, vê-se a cabeça de Mercúrio sobressaindo no alto da fachada
do Banco Nacional do Comércio - fototeca Museu Municipal

Vista geral da agência do Banco Nacional do Comércio
- coleção Claiton Nazar

E segue o jornal O Commercio, naquela edição de janeiro de 1918: “Tivemos ocasião de percorrer, em companhia do contador, Sr. Aldomiro Franco, as diversas dependências, entre as quais, além do salão principal, notamos a sala reservada para a gerência e o compartimento da casa forte, destinado a guardar os livros e valores do estabelecimento.

O prédio que serviu de agência àquele estabelecimento ainda está na Rua Sete de Setembro, abrigando a loja Dois Irmãos. Do alto de sua fachada, Mercúrio, representando o comércio, ainda que mutilado, espreita o movimento de nossa mais importante via pública.

Mercúrio no alto da fachada - foto Nelda Scheidt

domingo, 7 de julho de 2013

"Queremos uma comunidade e uma escola"

        Os luteranos estabelecidos em Cachoeira no final do século XIX ansiavam por uma comunidade que os acolhesse em seus anseios religiosos e de associativismo. O Pastor Kurt Benno Eckert, em sua obra Quando florescem os arrozais... conta esta história em detalhes.
         Quando um pastor luterano visitava as famílias alemãs, o que era feito esporadicamente, os membros perguntavam: “Quando teremos uma Comunidade? Quando teremos um Pastor? Quando teremos uma Escola para ensinar os nossos filhos?”
        Uma reunião entre as famílias alemãs, realizada em 8 de junho de 1893, foi decisiva para a elaboração dos estatutos e posterior criação da Comunidade. Nessa reunião resolveram adquirir também um terreno para instalar uma escola, seguindo a máxima de que ao lado de cada igreja deve haver uma escola. Em 3 de julho daquele ano, finalmente, foi solenemente criada a Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Cachoeira. Com a leitura e aprovação dos estatutos, foi também aclamado Phillip Adam o primeiro presidente, em reconhecimento ao seu desvelo e empenho pela criação da Comunidade. Os demais membros da diretoria eram Johann Gerdau, Rudolfo Homrich, Otto Büchler e Augusto Trommer.
         Com a criação da Comunidade, partiram os 27 membros iniciais em busca de um professor que também fosse o pastor. Decidiram na assembleia de 8 de fevereiro do ano seguinte convidar o professor Heinrich Gauss, de Agudo, para assumir as funções de pastor e professor. Tinha início a trajetória que no corrente ano atinge 120 anos de trabalho em prol da educação empreendido pelo Colégio Sinodal Barão do Rio Branco.
         
Primeiro prédio da Escola - 1914 - acervo Colégio Sinodal Barão do Rio Branco