Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 26 de maio de 2019

O senhor da Tafona


Quem tem a possibilidade de conhecer a sede da antiga Fazenda São José, mais conhecida como Fazenda da Tafona, na localidade de Porteira Sete, interior de Cachoeira do Sul, fica intrigado com um retrato a óleo que domina a sala principal da casa.

Sede da Fazenda da Tafona - foto Renato F. Thomsen

O senhor de olhar plácido, porém decidido, domina o ambiente e parece hipnotizar quem circula pelo local. Como os bons retratos do passado, de dentro da moldura, a figura parece acompanhar os passos de quem ocupa a sala de seu domínio...

Retrato de José Sebastião Vieira da Cunha - obra do Atelier Calegari
- Foto Renato F. Thomsen

O senhor da Tafona é José Sebastião Vieira da Cunha, nascido a 20 de janeiro de 1846, filho de Pamphilo Vieira da Cunha e de Clara Vieira da Cruz Brilhante. Ele não foi o primeiro morador do local. A propriedade remonta ao grande sesmeiro açoriano João Pereira Fortes, bisavô de José Sebastião.

A sorte parece ter sido a sua sina, materializada em proteção e fortuna. Com vinte anos, em 18 de junho de 1866, José Sebastião, certamente movido pelos arroubos da juventude, foi para o Rio de Janeiro oferecer-se para servir ao Brasil na Guerra do Paraguai. Acontece que José Sebastião era o sobrinho preferido e protegido da solteira e rica Anna da Cruz Brilhante que, no desespero de ver o risco que o rapaz corria, conseguiu, certamente com um bom pagamento, que outro moço tomasse o seu lugar. José Sebastião, no entanto, não desperdiçou a oportunidade de ficar na capital do Império e lá se empregou no comércio.

Em 1868, Pamphilo Vieira da Cunha, pai de José Sebastião, morreu. O rapaz teve que voltar para Cachoeira a fim de assumir os negócios da fazenda de criação da tia, de que já era herdeiro universal, e cuja administração até então havia ficado sob os encargos de seu pai.

Readaptado às suas novas funções, em 23 de abril de 1870, José Sebastião casou-se com a prima Maria Manoela Pereira, filha de rico fazendeiro, na Fazenda do Capané. Como era comum aos bem aquinhoados da época, o enxoval da noiva foi encomendado em Portugal, sendo embarcado para o Brasil em uma arca (baú), até hoje conservada no acervo da Tafona.

Arca do enxoval de Maria Manoela Pereira da Cunha - 1870
- Foto Renato F. Thomsen

José Sebastião e Maria Manoela tiveram 13 filhos: Pamphilo, Emília, Afonso, Eduardo, Hermínia, Maria, Manoel, Hugo, Jorge, Edmundo, Julieta, Marieta e Carlos.

José Sebastião (1.º à esquerda) e família - Acervo Fazenda da Tafona

A morte de José Sebastião se deu em 19 de maio de 1916. Por essa época, a Fazenda da Tafona era constituída por uma légua de campos na margem esquerda do rio Piquiri, ocupados pela criação de gado. Outras atividades tinham sido experimentadas, uma delas a da extração de cal, e naquele ano um dos filhos de José Sebastião, Hugo Vieira da Cunha, era sócio de Mostardeiro & Cia., empresa arrendatária de parte das terras para produção de arroz.

A sucessão dos tempos fez da Tafona um repositório de lembranças de diferentes personalidades e épocas. Outros personagens da história de Cachoeira habitaram o lugar, nele interferindo e agregando memórias. Um dos mais célebres foi o médico José Pereira da Silva Goulart, figura proeminente da política cachoeirense e um dos mandatários do atentado contra Antônio Vicente da Fontoura.

Dr. José Pereira da Silva Goulart - Acervo familiar

José Sebastião Vieira da Cunha, cujo desaparecimento “da vida objetiva” já bate em 113 anos, afixou sua figura ao lugar de forma irrefutável. O retrato, obra do famoso Atelier Calegari, não é um simples objeto da história. Ele reflete o “Senhor da Tafona”, solenizado na grande sala da velha casa construída no início do século XIX. Reverência da sua filha Emília, herdeira do quinhão que restara das inúmeras sucessões familiares.

Em 1963, Emília Vieira da Cunha vendeu a propriedade para a sobrinha e afilhada Gemina Vieira da Cunha Silva e seu marido Sylvio Martins da Silva. Hoje a filha do casal, Marô Vieira da Cunha Silva e o marido Marco Schntz conservam aquele patrimônio histórico-cultural.

O retrato nunca saiu de lá. E os olhos de José Sebastião seguem a mirar o tempo. Já viram o passado, observam o presente e perscrutam o futuro.

2 comentários:

  1. Adorei! Dona Gemina morou por uns anos na rua Conde de Porto Alegre, quase em frente a casa dos meus avós. Gostaria de saber, como podemos visitar o local? É necessário agendar? Como funciona?

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    1. Júlia, deves ligar para a Marô V. da Cunha Silva. O telefone é (51) 98012-3323.

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