Espaços urbanos

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Ponte do Fandango - foto Robispierre Giuliani

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Cachoeira às portas da Revolução Farroupilha

Corria o ano de 1835. A sede da Vila Nova de São João da Cachoeira experimentava seus primeiros quinze anos de emancipação da vizinha Rio Pardo. Tinha atravessado breves tempos pacatos, enfrentado as agitações do primeiro quartel do século XIX e vivia naquele ano os sinais de um tempo que anunciava dificuldades.

A dita área urbana, arremedo de cidade, vivia ao redor da Igreja Matriz, maior edificação da época e a mais importante. Próximo dela, na antiga Praça do Prestes, erguia-se a rivalizar com o templo religioso, o templo das artes: o audacioso Teatro Cachoeirense.  Iniciativa da classe caixeiral – como prova da força do comércio na economia de então - dispunha de incríveis 500 lugares! Na outra ponta da vila, estava demarcada a Praça do Pelourinho, ladeada por sangas. A Lava-pés, como bem diz o nome, oferecia suas águas para que os viajantes limpassem os pés antes de adentrar no recinto da vila, dirigindo-se pela Rua do Loreto ou pela Rua da Igreja, ou buscando as ruas do Paulista, de Santo Antônio, do Cardoso, chegando às travessas do Soeiro para, quem sabe, finalizar na dos Pecados...

Teatro Cachoeirense - foto do final do século XIX
- Fototeca Museu Municipal

A principal casa comercial pertencia a Antônio Vicente da Fontoura e um italiano de nome Estevão Lombardo, segundo a pesquisadora Ione M. Sanmartin Carlos, provavelmente o primeiro a aportar em Cachoeira, mantinha uma casa de fazendas e quinquilharias bem promissora. Como dizia Aurélio Porto, Cachoeira era “a cabeça de uma vasta região” e rota para atingir diferentes plagas, razão de ser um importante entreposto comercial e de atrair interessados em investimentos, como Joaquim Barcelos, Antônio Joaquim Barbosa e João Teixeira de Carvalho, que solicitaram à Câmara, naquele ano, licença para abertura de casas de negócio.

Outros profissionais vieram instalar-se em Cachoeira. Como era de praxe, precisavam apresentar seus diplomas, ou títulos, como então eram chamados, para serem autorizados a trabalhar. Juntaram-se a Gaspar Francisco Gonçalves, que era cirurgião-mor autorizado por D. João VI, o licenciado José Francisco Alves Malveiro, especializado em sangria e com título também concedido por D. João, e o boticário Joaquim dos Santos Falcão, que apresentou à Câmara titulação na arte da farmácia concedida por D. Pedro em 1825.

As principais autoridades da vila e responsáveis pela administração municipal eram os vereadores. O presidente, José Pereira da Silva, no posto por ser o mais velho, dividia as responsabilidades com Tristão da Cunha e Souza, Manoel Álvares dos Santos Pessoa, Antônio Vicente da Fontoura, Joaquim Gomes Pereira, Joaquim Corrêa de Oliveira e Antônio Joaquim Barbosa, este também juiz ordinário. Os vereadores suplentes eram José Rodrigues de Moraes, Noé Antônio Ramos, João Antônio Galvão, Lucas José Duarte, Francisco de Barros Lima e Jacinto Lopes Falcão. José Pereira Fortes era outro juiz ordinário e Antônio Xavier da Silva, juiz de órfãos. Felisberto Machado de Carvalho Ourique era juiz municipal, Luiz Rodrigues de Castro e Silva e Manoel da Silva Ferraz eram promotores públicos, havendo ainda os inspetores de quarteirão, dentre os quais Joaquim Francisco Ilha e Antônio dos Santos Falcão.


Antônio Vicente da Fontoura
- Fototeca Museu Municipal

Em abril, no dia 22, foi instalado o primeiro júri, depois do desembaraço de problemas, dentre os quais o fato do juiz de direito residir em Rio Pardo, sede da comarca. Naqueles primeiros tempos, as disputas pelas funções da justiça eram bastante acirradas; portugueses e brasileiros, os primeiros ainda em grande número, digladiavam-se pela obtenção das nomeações para tais funções.

Senhores da política, os portugueses ou caramurus, do Partido Português, vinham dominando a vila desde 1831 e tinham nas figuras de Manoel Álvares dos Santos Pessoa e Francisco José da Silva Moura grande influência. Noé Antônio Ramos, Gaspar Francisco Gonçalves, Antônio Vicente da Fontoura e José Gomes Portinho despontavam como lideranças de oposição aos portugueses, agitando o cenário político da vila. E como nada é fruto do acaso, as disputas entre os portugueses, conservadores, e os brasileiros natos, liberais, indicavam o rumo que as coisas estavam tomando.

Em 13 de maio, numa sessão da Câmara, o vereador Joaquim Gomes Pereira comunicou ter ficado sabendo que estavam acontecendo reuniões em algumas casas para tratarem de assuntos de revoluções, para o que sugeriu alerta e atenção. 

Assinatura de Joaquim Gomes Pereira - Acervo documental Arquivo Histórico

A partir da instalação do júri, haviam sido presas 211 pessoas pelos crimes de morte, ferimentos e roubos, principalmente. Do total, a maior parte era da própria vila, sendo os demais infratores trazidos das capelas filiais ou distritos, dentre eles Santa Maria e Livramento. Os crimes cometidos incluíam também arrombamentos à cadeia, então uma casa alugada. Em maio, a Câmara lançou edital para construção da cadeia, conclamando “toda a pessoa a quem convenha deitar a pedra no lugar destinado para a cadeia haja de comparecer em sessões da Câmara nos dias 26 e 27 do corrente para se tratar do ajuste”. A obra não chegou a ser realizada e a cadeia “própria” só se concretizou com a conclusão da Casa de Câmara, Júri e Cadeia em 1864.

A Guarda Nacional, força militar composta por cidadãos, tinha um contingente de 194 homens, sendo 167 de serviço ordinário e 27 da reserva no 1º distrito da vila. No 2º distrito havia 87. Os esquadrões da Guarda Nacional tinham ordem de se organizar e, às vésperas da eclosão da revolução farroupilha, a sua reunião foi dificultada pelos rios caudalosos, o que foi certamente ocasionado pelas chuvas que são comuns no mês de setembro. Um desses esquadrões, de cavalaria, foi formado em junho de 1835, reunindo cidadãos residentes entre Jacuí, Botucaraí e Serra Geral, sob o comando de Antônio Vicente da Fontoura.

Questões envolvendo a escolha dos juízes de paz dos distritos e dificuldades para reunir guardas nacionais ou mesmo formar esquadrões começavam a preocupar as autoridades. As alegações eram de toda ordem e denotavam a cautela com o clima belicoso já então pressentido.

O 20 de setembro não produziu registro na documentação da Câmara, mas no dia seguinte, 21, um ofício do juiz de paz José Gomes Porto participava aos vereadores que havia fixado edital de convocação de voluntários para sentarem praça no corpo de polícia, mas que não aparecera nenhum candidato no prazo marcado de trinta dias. Era evidente o temor do povo. Os próprios vereadores começaram a apresentar justificativas para suas ausências às sessões. Calos, hemorroidas, pisaduras e toda sorte de problemas eram alegados para as faltas... O vereador Manoel Álvares dos Santos Pessoa, depois de ter se envolvido em uma questão em que fora alvejado no pé, comunicou a Câmara, em 13 de outubro de 1835, que estava de mudança para Porto Alegre.

Assinatura de Manoel Álvares dos Santos Pessoa - Acervo documental Arquivo Histórico

A vila envolveu-se de fato com o conflito no dia 23 de setembro, quando o juiz de paz Gaspar Francisco Gonçalves soube que em Rio Pardo um grupo contrário à causa liberal estava se negando a aceitar a autoridade do Dr. Marciano Pereira Ribeiro como presidente da província.  Em 26 de setembro Gaspar, juntamente com Antônio Vicente da Fontoura, comandante de um esquadrão e companhia da Guarda Nacional, acompanhados por Manduca Carvalho, dirigiu-se à cidade vizinha para socorrer os revolucionários, fazendo Rio Pardo aderir aos farroupilhas.

Assinatura de Gaspar Francisco Gonçalves
- Acervo documental Arquivo Histórico

No dia 24 de setembro, a Câmara divulgou um edital conclamando o povo a manter a tranquilidade e o respeito às autoridades constituídas. 

Entre celebrações religiosas, ataques ora de liberais, ora de legalistas, destruição de registros documentais da Câmara e fuga de autoridades, Cachoeira adentrou no decênio.

Finda a revolução farroupilha, ficaram adormecidos os ódios cultivados naqueles tempos – e antes mesmo deles – para desabrocharem novamente num frio dia do início de setembro de 1860, quando os conservadores Hilário Pereira Fortes, José Pereira da Silva Goulart e Felisberto Machado de Carvalho Ourique mandaram justiçar os liberais, perecendo Antônio Vicente da Fontoura depois do atentado sofrido na Igreja Matriz. O passado seguia muito presente...

Igreja Matriz - Fototeca Museu Municipal

7 comentários:

  1. Muito bom!!! Adorei! Observei que aí estavam Antonio Gonçalves Borges que foi casado com Joana Rosa Pereira Fortes, bisavós da Carlinda Borges de Medeiros e José Pereira Fortes (1783/1849) bisavô do Ramiro Barcellos.

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    1. Suzana, logo lembrei de ti. Mas como existem vários Antônios Gonçalves Borges, qual deles seria? O casado com a Joana morreu em 1795. Não seria. Seu filho, de mesmo nome, morreu em 22/11/1834. E logo eu seria levada a pensar que também não seria este, mas ele foi eleito vereador em 1833. E aí tua pergunta me fez ver que em 1835 o Antônio Gonçalves Borges, apesar de estar na nominata de vereadores, já havia falecido! Muito bom! Fui conferir nas atas e as assinaturas dele cessam em janeiro de 1834. Devia estar doente. Obrigada, Suzana!

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  2. Ramiro Barcellos é o bisavô dos meus filhos. Meu filho guarda com muito zelo o livro, com capa de couro, onde ele publico sua tese de medicina, "Alianças Consanguíneas".

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    1. Que bacana, Magda! Beleza que teu filho guarde esta preciosa relíquia. O Museu de Cachoeira parece-me que tem cópia desta tese. Se fosse possível, gostaria de ver uma foto do livro. Obrigada.

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  3. Muito bom ! Cita aí vários parentes meus: Antonio Gonçalves Borges era meu pentavô; Antonio Vicente da Fontoura meu primo, com 4 gerações de diferença - seus avós, João Peixoto de Azevedo e Jerônima Veloso da Fontoura,são meus pentavós
    Obrigado,
    Luiz Fernando Leitão de Carvalho

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  4. Teus parentes são nomes fortes na nossa história, Luiz Fernando!
    Abraço.

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  5. Pergunto se Ramiro fortes Barcelos não era genrro de Joaquim Gomes pereira?

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