Espaços urbanos

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Ponte do Fandango - foto Robispierre Giuliani

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O primeiro automóvel em Cachoeira


O blog já registrou o primeiro apito do trem e o primeiro velocípede. Mas e o primeiro automóvel?


O primeiro automóvel de Cachoeira - 1907
Na foto (detalhe),  dentre outros, Eurypedes Mostardeiro, proprietário, sentado atrás do automóvel,
Afonso Vieira da Cunha, seu sócio, Waldemar Pohlmann, mecânico e provável motorista.
Coleção particular: Família Iolanda Vieira da Cunha

O automóvel, este utilitário do homem que literalmente entope as ruas das cidades, sejam elas pequenas ou grandes, mas que permite uma mobilidade incrível a todos nós, e que decreta à sociedade moderna uma total dependência da autonomia que ele oferece, chegou a Cachoeira há mais de 100 anos. Causou estranheza, curiosidade e juntou povo à sua volta. Mas quem foi o introdutor desta máquina fantástica em nosso meio? O fazendeiro Eurypedes Mostardeiro.

O ano era 1907. Segundo semestre. A chegada do bólido foi registrada devidamente pelo O Commercio do dia 2 de outubro:

“Acompanhado pelo Fon-fon que produz o ruído do seu maquinismo, rodou anteontem pela vez primeira nas ruas da nossa cidade um automóvel. Na Rua Sete, principal artéria da cidade, houve grande aglomeração de curiosos que presenciavam o extraordinário acontecimento da vinda do automóvel em que vinham o comandante e o maquinista do vapor Venâncio Aires, que trouxe da capital aquele carro mecânico, propriedade do Sr. Eurypedes Mostardeiro.”

Eurypedes Mostardeiro foi um empreendedor ligado à criação e agricultura. Mantinha negócios com importação e exportação em Porto Alegre, sendo filho do* patrono da Rua Mostardeiro. Em 1907, juntamente com José Sebastião Vieira da Cunha e Affonso Vieira da Cunha, constituiu a empresa Eurypedes Mostardeiro & Cia., destinada ao plantio de arroz na Fazenda São José, conhecida como "da Tafona", no então 2.º distrito do município de Cachoeira.

Fazenda São José - "da Tafona" - fototeca Museu Municipal

Na cidade, residiu no Bairro Rio Branco, em uma casa que também foi residência de João Neves da Fontoura. Esta casa ainda existe e está localizada na Rua Isidoro Neves, defronte ao Templo Martim Lutero.

Fotografias preciosas deste primeiro automóvel estão preservadas pela família de Iolanda Vieira da Cunha, a quem vão os agradecimentos pela gentileza da cessão das imagens, bem como a Marô Silva. As imagens mostram que o "carro mecânico" de Eurypedes Mostardeiro extrapolou os limites urbanos e atingiu a zona rural. Um feito para os primeiros anos de 1900!

Primeiro automóvel de Cachoeira - propriedade de Eurypedes Mostardeiro
Foto na empresa E. Mostardeiro & Cia. - Piquiri
Gentileza: Família Iolanda Vieira da Cunha



* Correção: Eurypedes Mostardeiro era filho de Antônio José Gonçalves Mostardeiro e Laura Mostardeiro, que também dá nome à Rua D. Laura, em Porto Alegre. O casal teve, ao todo, 13 filhos, dentre os quais Hemetério, que vendeu parte das terras da família para o Grêmio Futebol Porto-alegrense construir seu primeiro estádio, no ano de 1904, por 10 contos de réis. 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Carnavais na Cachoeira de antigamente...

Não há como ignorar o tempo do carnaval, quando a maioria das pessoas se entrega à alegria e à descontração típicas desta festa.
Em Cachoeira é possível levantar a história do carnaval a partir de 1900, quando o jornal O Commercio começou a circular e registrar a movimentação da cidade em torno dos folguedos de Momo.

Rua 7 de Setembro nos idos de 1900 - fototeca Museu Municipal
Pelas notícias veiculadas em fevereiro de 1900, percebe-se que o carnaval de então tentava se reerguer, pois andava, no final do século XIX, um tanto quanto desanimado, como consta na publicação do dia 14 de fevereiro:

            “O nosso projetado carnaval, que já era considerado morto e bem enterrado até, parece que renascerá com novo e desusado esplendor. Não querem ver que o endiabrado se assemelha mesmo à fênix da fábula.”

A edição do dia 22 de fevereiro traz uma quadrinha (quem sabe uma marchinha?) que traduz bem o espírito dos carnavais do início do século XX. Interessante é que duas palavras utilizadas na composição não foram localizadas em seu significado. Aceita-se ajuda para decifrá-las.

Carnaval
Semel in anno licet insanire1
Dizia o bom latino nosso avô
Que à rua o senso cada qual atire
Que também eu o meu atirar vou.

Ter juízo trezentos e sessenta
E dois dias no ano não é pouco!
Justo é, pois, que com sal e com pimenta,
Em três dias também se seja louco,

Evoé!2 Por Baco3 e Momo e a bela Vênus
Mamãe do Amor e esposa de Vulcano4
Se dinheiro não tem que tenha ao menos
Alegria quem chora todo o ano!

Clowns5, diabretes, velhos e princesas,
Bebes6, profetas, fadas e morcegos,
Burros, doutores, sábios e marquesas,
Cambaios7, retos, híneos8 e catacegos9,

Eia avante! À folia En avant tout!10
Esqueci os impostos e a tristura!
Mágoas e dores - fora: catrapus!11
 E viva o carnaval! Viva a loucura.
Marcos

1Semel in anno licet insanire: (latim) “uma vez por ano para ser louco”.
2Evoé: brado de evocação a Baco nas orgias; entusiasmo, exaltação, alegria.
3Baco: deus romano do vinho.
4Vulcano: deus romano do fogo.
5Clowns: palhaços.
6Bebes: ??? palavra não identificada. Será bebês para contrapor a velhos?
7Cambaios: que têm as pernas arqueadas.
8Híneos: ??? palavra não identificada. Será ínio? Vértice da protuberância ocipital externa.
9Catacegos: com pouca visão.
10En avant tout: (francês) em primeiro lugar.
11Catrapus: interjeição que imita o som do galope do cavalo ou de uma queda repentina.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Commercio - um jornal e muitas histórias

O jornal O Commercio, mesmo extinto há quase 50 anos, tem sido uma fonte importante para reconstituição do cotidiano de Cachoeira desde 1900, quando foi fundado, até 1966, ano em que encerrou sua circulação.

O Commercio - edição de 17/10/1900
- acervo Arquivo Histórico

Apelidado carinhosamente de O Comercinho, o jornal foi responsável pelo registro dos acontecimentos mais variados da vida da comunidade e até mesmo de fora dela, tendo abrigado em sua redação a pena de personalidades ilustres da vida cultural e política de Cachoeira, não poucas vezes promovendo embates políticos célebres, especialmente com seu concorrente, jornal Rio Grande.
A Typographia d’O Comércio foi instalada em Cachoeira no ano de 1897. Seu fundador, Henrique Möller Filho, veio de São Leopoldo, onde já exercia a atividade de tipógrafo. Aqui montou uma pequena oficina tipográfica em prédio situado na Rua 15 de Novembro, capaz de imprimir cartões de visita, participações, notas e cartões comerciais, folhas volantes, circulares, recibos, estatutos, programas, papéis de todo tipo, envelopes timbrados comerciais e particulares, além de comercializar objetos escolares, cartões-postais, romances, livros de poesia e até sementes de hortaliças, flores e árvores!


Em 1º de janeiro de 1900 circulou a primeira edição do jornal O Commercio e o estabelecimento já estava na Rua Sete de Setembro. Em 31 de julho de 1912, nova mudança, na mesma rua, desta vez em quadra fronteira à Praça do Mercado, a José Bonifácio.
O prédio ocupado pela tipografia e jornal foi especialmente construído para este fim, e contava com uma seção de livraria e miudezas. Era portentoso, com uma arquitetura refinada e decorativa. Uma lástima que tenha sido demolido, pois representaria hoje um raro exemplar na nossa paisagem urbana. José Branco Álvares foi o construtor, orientando os pedreiros desde os alicerces até “a incrustação das peças que davam agradável aspecto à fachada”, como constou da edição do O Commercio de 31 de julho de 1912. Os serviços de carpintaria foram executados por Francisco Homrich.

Esboço da fachada da Tipografia d'O Commercio - Rua Sete de Setembro
- acervo Arquivo Histórico
O jornal seguiu sua trajetória, em sede própria, buscando abastecer seus leitores com as notícias da urbs*, funcionando também como uma espécie de diário oficial da administração municipal. Muitos relatórios de intendentes foram publicados, ocupando edições sucessivas e constituindo-se em fonte histórica da vida político-administrativa.

Escritório da Tipografia, vendo-se Henrique Möller Filho sentado à mesa
- fototeca Museu Municipal
Divulgador das mais variadas manifestações, incluindo aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais e religiosos, o jornal O Commercio é fonte quase inesgotável de possibilidades para pesquisa e análises da vida cachoeirense durante o longo período em que circulou. Sua coleção, quase completa (faltam alguns volumes que se perderam com o tempo) mantém-se graças à doação que os descendentes da família de Henrique Möller Filho fizeram à comunidade, primeiro à Câmara de Vereadores e desta para o Museu Municipal. Atualmente a coleção integra o acervo do Arquivo Histórico do Município, assim como os demais jornais que circularam e circulam na cidade, servindo aos interesses de estudiosos, pesquisadores e comunidade em geral. Ainda que bem guardada, necessita urgentemente de digitalização para evitar o manuseio dos originais, alguns deles já em tal estado de degradação que não podem mais ser consultados. E a comunidade é convidada a participar desta ação porque O Commercio não é apenas um jornal, é a coleção de muitas e muitas histórias.

*urbs: cidade.