Espaços urbanos

Espaços urbanos
Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 18 de outubro de 2020

Château d'Eau

No dia 18 de outubro de 1925, depois de meses de obras, foi feita a experiência oficial de funcionamento da 2.ª Hidráulica, da qual fazia parte, como reservatório elevado, o CHÂTEAU D'EAU, nosso principal e mais referenciado cartão-postal. 

Construção do Château d'Eau - Coleção Joaquim Vidal

A experiência foi relatada em ata e como que a dar dimensão ao que o Château d'Eau se tornaria para os cachoeirenses, o livro em que foi assentado aquele momento solene foi o mesmo utilizado para fazer o registro da instalação da Vila Nova de São João da Cachoeira, conhecido como Livro 1..º da Câmara Municipal.

Constaram da ata as seguintes anotações:

Aos dezoito dias do mês de outubro de mil novecentos e vinte e cinco, nesta cidade de Cachoeira, Estado do Rio Grande do Sul, no edifício da Hidráulica Municipal, situado nas proximidades do quartel do 3.º Batalhão de Engenharia, à margem esquerda do rio Jacuí, ali presentes o Dr. João Neves da Fontoura (...), autoridades, funcionários federais, estaduais e municipais, associações civis e religiosas, pessoas gradas e grande massa popular, foi feita a experiência oficial das máquinas, filtros e demais obras de que se compõe a Hidráulica Municipal, as quais, postas em execução, deram excelentes resultados.

O jornal O Commercio, edição de 4 de novembro de 1925, descreve as instalações da 2.ª Hidráulica,, dentre elas o Château d'Eau:

Château d'Eau - O Château d'Eau, situado no largo da Praça Dr. Balthazar de Bem, defronte ao edifício da Municipalidade, acha-se também concluído, apresentando belo aspecto arquitetônico, concorrendo muito para o embelezamento da cidade. A parte arquitetônica foi projetada pelo engenheiro Walter Jobim e a parte de cálculo e estabilidade pelo engenheiro chefe da Comissão de Saneamento do Estado, Dr. Antonio de Siqueira. As obras de escultura, constante de estátuas e grupos de ninfas e sereiais que circundam o Château d'Eau, foram executadas nas oficinas de Vicente Friedrichs, de Porto Alegre, sob a direção do professor Giuseppe Gaudenzi.. O fim deste Château d'Eau é o de levar a água por gravidade ao reservatório de distribuição à Rua Júlio de Castilhos, e regular ao mesmo tempo a pressão da água nas zonas mais elevadas.

Château d'Eau e a Igreja Matriz - Museu Municipal

Uma obra construída para o aperfeiçoamento da distribuição de água na cidade extrapolou sua função original (aliás nem exercida mais) para se transformar no maior ícone urbano. Cachoeira do Sul se reconhece e é reconhecida por ser a terra do Château d'Eau - o lindo castelo das nossas águas. 


Château d'Eau - Mirian Ritzel


Vista aérea do Château d'Eau - Renato Thomsen

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

União de Moços Católicos

AOS MOÇOS DE CACHOEIRA! 

Com este chamamento o Pe. Luiz Scortegagna, Floriano Neves da Fontoura, Manoel Fialho de Vargas, Octacilio Ribas, Jary C. de Abreu, Souto Menor, Manoel Carvalho de Abreu e Miguel Fachin conclamaram a mocidade a se unir para a fundação da União de Moços Católicos em Cachoeira e participar de uma reunião no Conservatório de Música com esta finalidade. Funcionava o Conservatório de Música na Rua Sete de Setembro, sede do Clube Renascença.


Pe. Luiz Scortegagna - Museu Municipal

Clube Renascença - Rua Sete de Setembro - Benjamin Camozato

A reunião preparatória para a fundação ocorreu no dia 14 de setembro de 1924, com o objetivo de congregar moços para orientá-los nos princípios cristãos e sociais, treinar suas faculdades intelectuais e incentivar o civismo, afinal o lema da entidade, cuja existência se firmava em outros estados do Brasil, era "Deus e Pátria". Apesar do domingo chuvoso, um grande número de jovens atendeu ao convite, ouvindo palestra sobre os propósitos da União de Moços Católicos proferida pelo Pe. Geraldo Pires, que discorreu sobre ações desenvolvidas pelas congêneres recentemente fundadas em São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Rio de Janeiro.

A fundação oficial da União de Moços Católicos de Cachoeira, a primeira do interior do estado do Rio Grande do Sul, se deu em 12 de outubro de 1924 e foi assim noticiada pelo jornal O Commercio, edição do dia 15:

A BRILHANTE FUNDAÇÃO DA UNIÃO DE MOÇOS CATÓLICOS

Domingo passado, dia da descoberta da América, foi solenemente fundada a União de Moços Católicos desta localidade. O Clube Renascença, gentilmente cedido pelo seu presidente, estava repleto de cavalheiros, gentis senhoritas e moços de nossa sociedade. Cachoeira primou na fidalguia de sua representação. Às 8 horas, abria o revmo. Padre Luiz Scortegagna, na qualidade de presidente honorário, a sessão solene, dando a palavra ao revmo. Padre Geraldo Pires de Souza, missionário redentorista.

Sob salvas de palmas, levantou-se, então, o Padre Pires e discorreu sobre os fins da União, dizendo que vinha, em nome do Conselho Superior de Belo Horizonte, aceitar o compromisso da diretoria a ser empossada. Comparou sua revma. os moços às energias perdidas das nossas cachoeiras, das nossas minas, das nossas florestas e da nossa terra. Disse que era preciso reunir a mocidade a exemplo do que se faz em outros países da Europa e da América. Porém a força da mocidade só serviria para reformar o Brasil, caso estivesse encaminhada pela prudência e graça da Igreja Católica. O lema "Deus e Pátria", expôs sua revma.; pretende realizar no Brasil essa reunião de energias latentes nos arroubos juvenis. Terminou convidando os presentes membros da diretoria a prestarem o compromisso.

Em nome de todos, o Sr. Jary Carvalho de Abreu pronunciou o seguinte juramento, levantando-se toda a plateia: “Juro ser católico apostólico romano e não pertencer a nenhuma seita proibida pela Igreja Católica. Prometo trabalhar pela grandeza e desenvolvimento da União de Moços Católicos, prestando obediência a seus estatutos”. Os demais membros da diretoria repetiram as palavras de juramento e promessa.

(...)

A diretoria empossada ficou assim constituída: presidente, Jary C. de Abreu; vice-presidente, Octacilio Ribas; tesoureiro, Nicolau Salzano; 1.º secretário, Manoel C. de Abreu; 2.º secretário, Achylles Figueiredo; orador oficial, Dr. Joaquim Borges de Medeiros; bibliotecário, João Weinmann; sindicante, Manoel Fialho de Vargas.

Exercendo seu cargo, o Sr. Presidente convidou os sócios presentes ao juramento de praxe, lendo-o, em nome e com aprovação dos demais, o Sr. Manoel Fialho. Declarados aceitos pelo presidente, os senhores sócios (40 era o seu número) receberam o emblema da União, que lhes foi colocado à lapela por gentis senhoritas e exmas. senhoras e cavalheiros.

(...)

A inauguração contou com a participação de outros grupos católicos e teve horas de arte muito apreciadas e elogiadas pela matéria do jornal. 

Em 12 de maio de 1925, a União de Moços Católicos adquiriu o prédio do Clube Renascença, que vinha ocupando desde a sua fundação, e em 3 de outubro de 1980, já sem o funcionamento regular, doou-o para a Mitra Diocesana de Santa Maria. Hoje a fachada do antigo prédio erguido por José Custódio Coelho Leal em 1850 emoldura o Residencial União de Moços, marcando com seu nome uma história que segue ainda como referência para indicação e localização do belo e histórico endereço da Rua Sete de Setembro.

Antiga sede da União de Moços Católicos - Renato Thomsen


Estátuas do frontão - Renato Thomsen

O principal propósito da União de Moços Católicos, que era formar uma intelectualidade calcada nos ensinamentos do catolicismo para galgar postos de liderança, se traduz numa personalidade: Liberato Salzano Vieira da Cunha. Moço católico com passagem marcante dentro da entidade, Liberato desempenhou funções de relevo primeiro em Cachoeira, sua terra natal, onde foi o prefeito mais jovem da história, e no Rio Grande do Sul, quando a morte o colheu no exercício do cargo de Secretário de Educação. Não fosse o desaparecimento precoce, Liberato Salzano Vieira da Cunha teria facilmente chegado a governador do estado.

Outros moços alcançaram destaque na sociedade local alicerçados pelo convívio na União de Moços. Mas foi Liberato, sem dúvida, um exemplo profícuo e completo dos ideais unionistas para a posteridade.

Liberato Salzano Vieira da Cunha
- Museu Municipal

sábado, 3 de outubro de 2020

Ossos na Praça da Conceição

Houve um tempo em que a Praça Dr. Balthazar de Bem era chamada de Praça da Conceição, em virtude de ficar fronteira ao largo da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Por essa época, era ainda desprovida do Château d'Eau, ocupante do canteiro central dos três que a constituem hoje.


Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição
- Museu Municipal

A praça sofreu várias modificações ao longo de sua história, algumas delas comprobatórias de que uma grande extensão do terreno que rodeava a igreja havia sido utilizada para sepultamento dos mortos. 

Em 7 de janeiro de 1890, época em que a Cidade da Cachoeira era dirigida por um grupo de cidadãos - a chamada Junta Municipal ou Comissão Administrativa dos Negócios do Município*- , houve uma reunião em que foi discutido o macabro resultado de aterros realizados na Praça da Conceição, expondo à população restos mortais dos antigos sepultamentos procedidos ali. 

Os constantes aterros, principiados ainda na década de 1850 pelo então construtor português José Ferreira Neves, tinham por intuito nivelar o terreno da praça em relação à Igreja Matriz. Ao contrário do que é hoje, a igreja ficava num platô mais elevado em relação à praça, o que foi resolvido depois de várias e trabalhosas intervenções. Como prova disso, o acesso à igreja se dá por degraus.


Praça Dr. Balthazar de Bem, antiga Praça da Conceição
- Renato F. Thomsen


No início de 1890, assustados com o estado deplorável da praça após mais uma obra de aterramento, os membros da comissão administrativa oficiaram ao delegado de polícia na expectativa de resolverem a situação:

"Ilmo. Sr. Achando-se a descoberto na praça denominada da Conceição, nesta cidade, grande quantidade de assamenta humana, visto ter ali sido outrora cemitério, esta Comissão pede-vos para que ordeneis o emprego dos presos da cadeia na remoção da dita ossamenta, com cujo procedimento prestareis um importante serviço pelo qual se antecipa esta administração agradecendo-vos." Assinaram o ofício encaminhado ao delegado Olympio Coelho Leal os cidadãos J. Ferreira B. e Silva, Isidoro Neves da Fontoura e Antonio Nelson da Cunha. 

Em 1896, novas obras de aterro e calçamento foram realizadas e, dois anos depois, em razão dos animais que pastavam os jardins da praça, inutilizando qualquer tipo de iniciativa no sentido de melhorar o aspecto daquele logradouro, o intendente David Soares de Barcellos autorizou o pagamento da última etapa do serviço de muramento dos jardins da Praça da Conceição. O custo da obra foi de 130 mil réis, cabendo a Bruttus Machado a sua execução.**


Jardim norte da |Praça da Conceição - defronte ao Império do Divino
- Museu Municipal

A Praça da Conceição permaneceu murada por mais de 20 anos. Em janeiro de 1921, os muros e as grades que cercavam o jardim do lado norte da praça, ou seja, o que ficava fronteiro ao prédio do Império do Divino Espírito Santo começaram a ser removidos. Os materiais foram aproveitados para levantar os muros no entorno do terreno da Hidráulica Municipal, cuja inauguração ocorreu em 20 de setembro daquele ano. Parte do muro original e das grades encontra-se lá até hoje.


Muros e grades removidos em 1921 - Museu Municipal



Primeira hidráulica - Grande Álbum de Cachoeira,
de Benjamin Camozato


A prática regular de sepultamentos na Igreja Matriz e em seu entorno desde a inauguração do templo, acumularam grande quantidade de restos humanos. A cada obra nas imediações, o material se revelava, causando dores de cabeça às autoridades e distintos sentimentos na população.

*A instituição de uma Comissão Administrativa ou Junta Municipal foi a solução encontrada para garantir a administração dos municípios logo depois da proclamação da República (15 de novembro de 1889) e perdurou até 1892.

**Comprovado por documento do acervo do Arquivo Histórico - IM/RP/SF/D-039, fl. 506.