Cachoeira é uma cidade musical e muitas podem ser as razões dessa musicalidade. Uma delas certamente foi uma iniciativa levada a efeito há 100 anos: a fundação do Conservatório de Música de Cachoeira.
Em meados de abril de 1921, o intendente Aníbal Lopes Loureiro recebeu o pianista Guilherme Fontainha, diretor artístico do Centro de Cultura Artística do Rio Grande do Sul. Sob sua eficiente administração, foram criados conservatórios de música em várias cidades do Rio Grande do Sul, Cachoeira uma delas. A iniciativa visava a interiorização da cultura artística, projeto idealizado por ele em parceria com o bandolinista italiano José Corsi.
Guilherme Fontainha - www.institutopianobrasileiro.com.br |
O jornal O Commercio de 27 de abril de 1921 noticiou que o maestro Fontainha, diretor do Conservatório de Música de Porto Alegre, encontrou-se com o intendente de Cachoeira para incentivá-lo à criação de um conservatório na cidade, onde "além de outras vantagens, se ministrará o ensino pela escola moderna, a exemplo do que se tem feito em outros municípios". As negociações entre o intendente e Guilherme Fontainha acertaram que a Intendência iria alugar e mobiliar um prédio apropriado e, com brevidade, chegaria uma professora diplomada para lecionar e dirigir o conservatório.
O Commercio conclui a notícia dizendo: "Folgamos em registrar esta notícia, pois a fundação de tal escola muito contribuirá para difundir entre nós o ensino da arte musical pelos modernos processos".
João Neves da Fontoura, presidente do Clube Renascença, entusiasta da ideia, cedeu dependências da entidade para nelas funcionar a Escola de Música até que a Intendência providenciasse outro local apropriado e devidamente equipado.
No início de maio de 1921, assumiu a direção da escola a senhorita Laura Silva, pianista diplomada. Hospedada na residência de Francisco Timóteo da Cunha, na Rua Sete de Setembro n.º 215, Laura Silva passou a receber lá as matrículas dos interessados.
Casa de Francisco Timóteo da Cunha (com a charrete em frente) - Museu Municipal |
No ato da matrícula, os alunos eram informados dos regulamentos da escola, dentre os quais destacavam-se as finalidades: "a difusão de uma verdadeira cultura musical, acessível à mocidade e com recursos relativamente módicos; preparar os candidatos a exames e ao professorado; formar bons musicistas e elevar o diletantismo à perfeição". Como se vê, o propósito era formar músicos qualificados e aptos a replicarem o seu conhecimento. Ação como essa foi fundamental para impulsionar o talento que havia em boa quantidade na Cachoeira do início do século XX.
No programa da escola seriam lecionadas as matérias desenvolvidas nos "mais acreditados estabelecimentos musicais da América do Sul". Não havia limite de idade à inscrição e a obtenção de diploma exigia o cumprimento de requisitos, sendo os exames para sua obtenção feitos por "maestro ou pessoa competente, estranha à escola".
No dia 10 de junho de 1921, sediada no Clube Renascença, foi oficialmente inaugurada a Escola Musical de Cachoeira. A notícia dada pelo O Commercio em 13 de junho dá a dimensão do acontecimento:
Sede do Clube Renascença, local de funcionamento da Escola Musical - foto Benjamin Camozato |
"Domingo último, às 14 horas, em o edifício sito à Rua Sete de Setembro nº 92, onde funcionou a Associação Comercial, realizou-se a inauguração da Escola Musical, fundada nesta cidade sob o patrocínio do “Centro de Cultura Artística”, de Porto Alegre. Presentes as autoridades municipais, estaduais e federais, representantes da imprensa e do clero, exmas. senhoras e senhoritas, e os elementos mais representativos da sociedade cachoeirense, tomou a palavra o Sr. Dr. Aníbal Lopes Loureiro, que declarou inaugurada a Escola Musical, concedendo a palavra ao orador oficial, Dr. Minuano de Moura, depois de se congratular com os presentes pela fundação de tão importante estabelecimento.
Em seguida, o Dr. Minuano de Moura, tomando a palavra, discorreu brilhantemente sobre a arte, encarando-a sob todos os seus aspectos, e finalizou com o incentivo ao culto da arte do trabalho, fazendo votos para que a Escola que ora se inaugurava, sob a direção dos professores José Corsi e Guilherme Fontainha, se afirmasse em Cachoeira, onde vicejavam as mais belas flores da arte.
As últimas palavras do orador foram acolhidas com uma estrepitosa salva de palmas. Logo após, foi dado início ao concerto, onde a distinta virtuose Laura Silva, professora da Escola Musical, deu apenas uma pálida ideia de seu gênio, interpretando, com admirável maestria, acompanhada pelo professor Maurice Maissiat, Chopin, Gounod, Liszt e outros autores de nomeada.
Esse magnífico concerto produziu excelente impressão ao seleto auditório, sendo os seus intérpretes fartamente aplaudidos em todos os números que constituíam o programa. Findo o concerto, o Dr. Aníbal Loureiro tomou a palavra, encerrando a sessão inaugural da Escola, tendo sido lavrada uma ata.
A professora Laura Silva e o professor Maurice Maissiat foram muito felicitados pela feliz interpretação que souberam dar ao programa do concerto.
Como acima ficou dito, a Escola Musical funcionará à Rua Sete de Setembro, tendo sido o mobiliário desse estabelecimento, do valor de 2:000$000, cedido pela Intendência. A municipalidade contribui, ainda, com o aluguel do prédio onde funciona a Escola, por cuja manutenção e prosperidade fazemos ardentes votos.
O revmo. Padre Vicente da Cruz
Trovisqueira, após o discurso oficial, lançou a bênção à Escola Musical".
Professor e musicista Maurice Maissiat com a esposa cachoeirense - Coleção Flávio Silva |
A Escola de Música, também chamada de Conservatório de Música, não teve vida longa, mas suficiente para formar musicistas que seguiram carreiras de sucesso. Dentre eles, a pianista Rita de Cássia Fernandes Barbosa, depois fundadora da Escola Municipal de Belas Artes. Graças também ao funcionamento da escola, Cachoeira acolheu o pianista cearense Souto Menor, que a dirigiu por bom tempo.
Pianista Rita de Cássia F. Barbosa |
Anúncio da Escola Musical n'O Commercio, 20/7/1921 - Arquivo Histórico |
*gosto acentuado pelas artes, especialmente pela música.
Dedico esta postagem à memória do musicista cachoeirense Flávio Silva, com quem descobri muito sobre a música em Cachoeira.