Era uma vez um lugarejo chamado Vila Nova de São João da Cachoeira, encravado no coração de uma província chamada São Pedro do Rio Grande do Sul, que se engalanou para receber um imperador. A história, acontecida no dia 7 de janeiro de 1846, deu-se assim:
Desde outubro de 1845, os vereadores da Vila Nova de São João da Cachoeira estavam agitados com os preparativos para a visita do jovem Imperador Pedro II. Uma vila pequena ainda, com raras casas cômodas e gente pouco habituada aos rapapés da Corte tinha muito que evoluir para receber tão ilustre personagem. Além do mais, D. Pedro havia se casado há pouco, o que fazia com que os vereadores tivessem uma preocupação a mais: provar que um lugarejo dos confins do Império acomodaria condignamente a filha de um rei e esposa de um imperador.
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Imperatriz Tereza Cristina |
Em sucessivas reuniões, liderados pelo presidente Alexandre Coelho Leal, os vereadores João Thomaz de Menezes Filho, João Pinto da Fonseca Guimaraens, José Pereira da Silva Goulart, João Antonio de Barcellos e João de Souza Dias discutiram quais os compromissos do Imperador na Vila, como o povo seria preparado, quais os trajes que eles deveriam usar na presença dos visitantes, como as casas e as ruas seriam decoradas e iluminadas e em que moradia, afinal, o casal imperial poderia acomodar-se com relativo conforto. A escolha recaiu sobre um casarão erguido pelo Dr. Jozé Afonso Pereira, na Rua Santo Antônio, de fachada decorada por azulejos portugueses, onde os hóspedes teriam aposentos asseados, serviçais disponíveis, boa mesa e conversa civilizada, pois o anfitrião, além de médico, era homem viajado e acostumado a reuniões sociais.
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A casa do Dr. Pereira em cartão-postal da coleção particular
de Renate S. Aguiar |
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Outro cartão-postal do casarão que hospedou D. Pedro II |
Tomadas as devidas providências, antes do clarear do dia 7 de janeiro de 1846, às 5 horas da manhã, os vereadores reuniram-se na Câmara para, em comitiva, seguir até as proximidades do Passo do Amorim para receberem D. Pedro II, D. Teresa Cristina e a comitiva imperial. Montavam os melhores cavalos, trajavam roupas previamente acertadas e que pareciam as mais adequadas à ocasião: calça, colete e casaca preta, lenço branco ao pescoço, botins e chapéu armado. O vereador presidente, em nome dos seus pares e dos habitantes da Vila Nova de São João da Cachoeira, deu as boas-vindas ao Imperador e esposa, externando a satisfação de poder abrigar Suas Majestades e comitiva, finalizando com vivas à pacificação da Província. Assim escoltado, o Imperador desceu a Rua do Corpo da Guarda, dirigindo-se à Rua Santo Antônio para, finalmente, ser acomodado na casa do Dr. Pereira.
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Imperador Pedro II |
A casa em questão foi vendida muitos anos depois a descendentes de José Gomes Portinho, cachoeirense que fez nome na Revolução Farroupilha e depois na Guerra do Paraguai, quando defendeu os interesses do Império. Como prova de sua envergadura moral, Portinho recusou o título de Barão de Cruz Alta que D. Pedro II lhe ofertou em 1878. Era republicano por convicção, julgando-se, portanto, impossibilitado de receber honrarias do Império. Mas esta já é outra história.
Da primeira visita de D. Pedro II a Cachoeira (ele retornaria em 1865) resta hoje alguns azulejos da casa do Dr. Jozé Afonso Pereira, preservados no acervo do Museu Municipal, as atas da Câmara que relatam os preparativos e ações levadas a efeito pelos vereadores e a ponteira do cetro de metal dourado que foi oferecido ao Imperador. O casarão que hospedou D. Pedro não resistiu ao desgaste do tempo e à nossa incapacidade de preservar patrimônios e cedeu espaço para um prédio sem beleza, sem nobreza e sem história.
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Duas das últimas fotos do casarão, 1984 - Claiton Nazar |
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A (des)construção que ocupa o lugar do casarão
nos dias de hoje - foto Claiton Nazar |
(Texto de Mirian Ritzel, baseado em dados constantes da documentação do Arquivo Histórico e Museu Municipal, publicado originalmente em 2008 no site CachoeiraTem – WWW.cachoeiratem.com.br).