A
zona rural de Cachoeira do Sul é ainda bastante extensa, apesar de todas as
emancipações de antigos distritos. Áreas produtivas e importantes para a
economia e a história local, estes lugares guardam suas peculiaridades,
histórias, personagens. Uma destas localidades é o PASSO DO SERINGA, localizada
na margem direita do rio Jacuí e hoje amplamente conhecida pelos balneários que
oferece, assim como provas de motociclismo na terra.
O jornal O Commercio, edição de 29 de outubro de
1930, traz uma matéria versando sobre o lugar, com curiosidades e detalhes
interessantes e únicos, a começar pelo ditado: “Quem beber as águas do Seringa
não poderá mais dele sair!”
Diz O Commercio:
Na
margem direita do rio Jacuí, a poucos metros de porto que lhe dá o nome, está
situada a povoação do Passo do Seringa.
Entardecer no Seringa - foto MVMSilva - Panoramio |
Seringa,
como o chama a maior parte do povo, é um lugar pequeno, na verdade quanto ao
número de habitantes, mas que abriga durante o tempo da safra, espalhados pelas
diversas empresas arrozeiras, alguns milhares de jornaleiros*. Povo ordeiro,
cavalheiresco e muito amante de novidades.
É comum
ver-se, aos domingos, grupos bem montados que primam, sobretudo, pelo esmero e
aprumo com que encilham seus cavalos fazerem corso desde a Palmeirinha até ao
porto do rio.
Chapéu
grande, lenço verde ou encarnado ao pescoço, bombacha larga, bota, espora
fazem-nos gaúchos perfeitos. Povo de espírito empreendedor, não faltou quem
lembrasse a organização de um semanário, ainda que impresso à máquina de
escrever, para trazer os habitantes informados dos acontecimentos que
interessam ao povoado. Desnecessário será dizer que essa ideia foi imediatamente
afastada, pois o falado semanário, em caso de aparecer, seria fadado a andar
com o serviço de informações sempre atrasado em vista da existência de uma
dúzia de desocupados que com a rapidez só peculiar dos rádios, encarregam-se de
veicular quaisquer notícias acrescidas a seu modo a todos os recantos do lugar.
Dois
caminhões de passageiros que fazem a linha de Cachoeira a Santana da Boa Vista
em viagens semanais, com parada aqui no povoado e o vai-vem de autos levando
visitantes ao Dr. Borges de Medeiros no seu retiro de Irapuazinho, tudo isto,
em certos dias, empresta ao Seringa um aspecto dos grandes povoados. Mais
intenso seria o movimento de viandantes se as estradas fossem boas, pois,
apesar de ser o entroncamento das que ligam Cachoeira com Santana da Boa Vista,
Caçapava e outras localidades, apesar ainda das insistentes reclamações dos
seus moradores, no que diz respeito a esse ponto, viveu-se longo tempo
esquecido por parte de quem, de direito, devia tomar providências para os
devidos reparos. Hoje, finalmente, o mui digno edil major José Carlos Barbosa,
lançando um olhar de soslaio, compreendeu a necessidade do povo e tomou as
providências que o caso exigia, achando-se elas agora, com restrição de alguns
valos que a atravessam totalmente, em bom estado. Para o transporte de uma a
outra margem do rio, tanto de cargas como de passageiros, o serviço é feito
regularmente por duas barcas puxadas por um rebocador movido a óleo.
Dr. Borges de Medeiros - Fototeca Museu Municipal |
José Carlos Barbosa - Intendente 1928-1930 - Fototeca Museu Municipal |
Além de
um bom número de casas de moradia construídas de material e com seus pomares
caprichosamente cuidados, possui o povoado duas bem montadas casas de negócio,
a varejo e por atacado. Para as doenças, não se tratando de um caso que
requeira os cuidados de um profissional, não é preciso apelar-se para
Cachoeira, pois Passo do Seringa dispõe de um bom médico homeopata que em
vários casos tem empregado a sua atividade com acerto. Não falta também uma
pequena hospedaria, onde encontrará abrigo o viajante que ali chegar à noitinha
e não quiser sujeitar-se a pagar passagem sem tabela que, nesses casos, fica ao
critério dos barqueiros.
Como de
quase todas as povoações também do Passo do Seringa conta-se alguma
particularidade. Por exemplo: é crença comum entre os moradores que uma pessoa
tendo fixado residência e depois querendo mudar-se, poderá fazê-lo, mas, mais
cedo ou mais tarde, concluirá por novamente transferir-se ao lugar. Daí o
ditado que hoje perambula: quem beber as águas do Seringa não poderá mais dele
sair.
Uma
ferraria, uma carpintaria, um açougue, uma aula pública e outra particular, um
bem organizado Clube de Futebol, eis a que se restringe a florescente povoação
do Passo do Seringa.
O
mendigo do amor,
20/10/1930.
A
descrição feita pelo “Mendigo do amor”, rica em detalhes, revela diversos
aspectos de uma das tantas localidades que compõem o grande município de
Cachoeira do Sul e que igualmente tem suas histórias, seus personagens, sua
importância no panorama social, cultural e econômico.
Barca no Passo do Seringa - 1961 - Acervo Iara Ribeiro - Gentileza Prof. Edson Souza |
* Jornaleiros: diaristas.