Espaços urbanos

Espaços urbanos
Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 19 de dezembro de 2021

Série: Registros fotográficos incríveis - III

A "Série: Registros fotográficos incríveis" chega à sua terceira postagem, sempre contando com o apoio prestimoso do memorialista Claiton Nazar, colecionador de um grande acervo de imagens de Cachoeira do Sul e com olhar apurado e experiente para detalhes e sutilezas apanhadas pelos fotógrafos do passado.

Desta vez, os registros publicados são os da Ponte do Fandango, aproveitando momento em que a estrutura experimenta mais uma de suas fragilidades, pondo autoridades e população na difícil tarefa de equacionar as dificuldades de escoamento pela sua interdição e a necessidade de encontrar solução rápida e eficiente para tal problema.

Uma pergunta recorrente de quem se interessa pela história da Ponte do Fandango é relacionada ao seu nome. Por que fandango? Bem, há três justificativas plausíveis para tal denominação. A primeira delas se refere ao local em que a ponte foi construída, ou seja, sobre a Cachoeira do Fandango, que se caracterizava por pequenas quedas d'água que embaraçavam o leito do rio. Em épocas de seca, quando as águas atingiam nível baixo, ela era facilmente atravessada, tornando-se local apreciável para banhos. Nesse período do ano, eram costumeiros os encontros e piqueniques da população em suas imediações. 

Desses encontros e folguedos nas suas proximidades pode ter surgido a denominação "fandango" para a cachoeira porque era muito comum, diante da falta de outras opções de entretenimento, que os grupos que dela se acercavam em piqueniques e festas levassem consigo uma banda ou pequena orquestra. A animação musical acabava por provocar danças, ou fandangos, associando-se o lugar ao propósito que o caracterizava por conta desses festejos. 

Uma terceira teoria para a denominação da Cachoeira do Fandango é a movimentação que as pedras causavam nas águas do rio Jacuí, semelhantes aos movimentos da dança conhecida como fandango, herança dos espanhóis e que se disseminou com força também em Portugal. A dança do fandango apresenta coreografia vibrante, da mesma forma como as águas da cachoeira se portavam ao passarem pelas pedras do leito do rio.

Registros fotográficos I e II: a Cachoeira do Fandango

Cachoeira do Fandango - Coleção Claiton Nazar

Desvendando as fotos I e II: na tomada I, sem data, é possível ver três homens aparentemente tentando acessar uma canoa presa às pedras da cachoeira. Por ela dá para ter uma visão geral dos sedimentos sobre os quais as águas do Jacuí se agitavam, demonstrando claramente que não havia produção de grandes quedas d'água e sim de marolas. Os índios chamavam estas quedas de itaipavas.

Coleção Claiton Nazar
Créditos das fotos I e II: originais de Renoardo Pohlmann

Na foto II, mais ampla, os mesmos sujeitos tentam vencer a barreira da Cachoeira do Fandango para singrar as águas do Jacuí. Interessante verificar a espessa mata ciliar que ainda existia na margem oposta do rio.

A Cachoeira do Fandango era uma atração importante do Jacuí para os cachoeirenses. Tanto era ela considerada, que em 1943, quando os municípios homônimos foram convocados a decidir que nome tomariam, devendo considerar algo que definisse ou caracterizasse o lugar, uma comissão de cidadãos locais escolheu Itupeva*, que em tupi-guarani quer dizer "pequena queda d'água", ou corredeira. Outras variantes, como Itaipava e Itapeva foram sugeridas, mas a decisão final foi acrescentar "do Sul" ao velho nome Cachoeira.

Pois foi sobre a Cachoeira do Fandango - e daí o aproveitamento do nome - que a equipe técnica do Ministério de Obras e Viação decidiu erguer a ponte. Aliás, a ideia de erguer a estrutura sobre esse acidente geográfico já havia sido cogitada em 1912, quando houve a primeira reunião formal, publicada na imprensa, entre autoridades e cidadãos para a construção da tão necessária e sonhada ponte sobre o Jacuí nas imediações da cidade. Liderava o grupo o "Rei do Arroz", Jorge Franke.

Em 1949, diante da urgência e emergência da obra da ponte, o prefeito Liberato Salzano Vieira da Cunha foi à capital federal para tentar convencer as autoridades sobre a importância da sua construção. Dessa visita resultaram as tratativas para a execução da obra.

Enquanto as negociações para a grande obra eram desenvolvidas sob a liderança do ministro Clóvis Pestana e do prefeito Liberato S. Vieira da Cunha, o hábil projetista Joaquim de Almeida Vidal construiu uma maquete da futura ponte, tendo a edição do Jornal do Povo de 7 de junho de 1949 estampado a sua fotografia, constando no texto: "Oxalá o Sr. Ministro tenha aproveitado da ideia para levar avante tão importante quão necessária obra".

Registro fotográfico III: maquete da ponte

Maquete da ponte feita por Joaquim Vidal - Museu Municipal

Como se vê, o projeto de Joaquim Vidal, à época diretor da Seção de Obras e Viação da Prefeitura Municipal, não foi o adotado. A obra foi entregue à empresa Brasília Obras Públicas S. A., com sede no Rio de Janeiro, e desenvolvida em conjunto com a francesa Societé de Construction des Batignolles, sediada em Paris. 



Folha avulsa com o projeto geral da ponte
- Acervo CACISC

A folha avulsa de uma publicação que chegou aos dias de hoje incompleta, traz estampado desenho em perspectiva da futura Barragem-Ponte do Fandango, com os dizeres: "A maior obra no gênero construída no Brasil. Seu custo está orçado em 100 milhões de Cruzeiros". 

A Barragem-Ponte do Fandango foi construída a dois quilômetros da cidade, sobre a Cachoeira do Fandango, constando ter sido projetada pelo engenheiro civil Pedro Viriato Parigot de Souza, que recebeu o título de Cidadão Cachoeirense em 1972. Segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, de Jurandyr Pires Ferreira (1959), a obra em concreto e aço foi a primeira do gênero a ser construída no Brasil, utilizando tecnologia alemã. 

Registros fotográficos IV, V e VI: o canteiro de obras

IV - Vista aérea geral da obra - Coleção Claiton Nazar

Nas tomadas acima e abaixo, vê-se o canteiro de obras em foto aérea. Na parte de baixo de ambas as fotos, lado esquerdo, ainda é possível ver parte das cachoeiras existentes no local. As estruturas de sustentação  estavam sendo erguidas, podendo ser notadas barreiras de contenção das águas.

V - Coleção Noé Tischler


VI - Coleção Claiton Nazar

                       Registros fotográficos da estrutura que se ergue
                       Créditos das imagens VIII a XI, XII e XIV: Werner Becker, abril de 1957
                
VII - 1956 - VI Batalhão de Engenharia de Combate com a ponte ao fundo
- Coleção Ana Margarete Ferreira

VIII - abril de 1957 - Coleção Werner Becker

IX - Ao fundo, esquerda, as torres da Igreja Matriz



X

XI - Equipe de trabalhadores

XII: foto Alvino Friedrich

XIII


XIV - A torre de comando


A Ponte do Fandango tornou navegável o trecho de 63 km a montante para embarcações de até 1,80 metros de calado. Mas originalmente a proposta era ligar o Jacuí ao Ibicuí, proporcionando que as embarcações pudessem atingir, por meio de um canal, o rio Uruguai. Mas isso nunca aconteceu, sepultando uma oportunidade de desenvolvimento da navegação com importantíssimas consequências para a economia e a mobilidade regional.


XV - Vista aérea da Barragem-Ponte por volta de 1962
- Coleção Claiton Nazar



Desvendando a foto XV: nessa tomada é possível ver, no canto superior direito, a estradinha que passando pela várzea do Castagnino levava até a estrada que conduzia a Porto Alegre, uma vez que a saída da ponte não dava em lugar nenhum. O acesso definitivo só foi concluído por volta de 1966...

A Barragem-Ponte do Fandango está assentada sobre quatro pilares de concreto, distantes 60 metros entre si. No vão da margem esquerda, encontram-se a eclusa e o passe regulador constituído de alças metálicas.  A barragem, que é móvel, utiliza a estrutura metálica da ponte rodoviária como passarela para seus guindastes de madeira. No vão, junto à margem direita, está situado o vertedor fixo, constituído de um muro de concreto armado. Todas as partes móveis da barragem são comandadas hidráulica e eletricamente, sendo os comandos automáticos. A torre de comando, com 15 metros de altura, está situada a jusante, próxima ao pilar da margem esquerda. Os viadutos de concreto armado que dão acesso à ponte, por ambas as cabeceiras, foram planejados para o livre escoamento das águas durante as enchentes. 


Robispierre Giuliani


sábado, 6 de novembro de 2021

Série: Registros fotográficos incríveis - II

Dando sequência à série de registros fotográficos incríveis, desta vez o passeio será pela antiga Praça José Bonifácio, num tempo em que era chamada popularmente de Praça do Mercado. A denominação que andava de boca em boca se devia à existência do Mercado Público no coração do grande terreno da praça. 

Um mercado público para a Cidade da Cachoeira era um sonho acalentado por muitos. Produtores, colonos, pequenos comerciantes e prestadores de serviço, tanto da zona urbana como rural, vislumbravam poder ofertar seus gêneros e especialidades num espaço único, disciplinado e com as condições necessárias para desenvolverem adequadamente suas atividades e atraírem os consumidores.

A ação definitiva para a decisão de construção do mercado foi dada por três cidadãos, em 1º de outubro de 1881, quando encaminharam à Câmara um abaixo-assinado solicitando a obra e justificando-a. Dos três, dois eram vereadores, Francisco Gomes Porto e Pedro Francisco d'Araújo, e o terceiro era David Soares de Barcellos que viria a ser intendente do município anos mais tarde.

No documento, os signatários enfatizavam a importância da obra há muito reclamada pelo público e a necessidade de "reparar o mau estado da Praça José Bonifácio"*sugeriam soluções para o aproveitamento do terreno e as condições para financiamento da obra, valendo-se de empréstimo previsto em lei provincial de 1879.

Finalmente, a obra de construção do Mercado Público foi entregue ao engenheiro Crescêncio da Silva Santos, cuja proposta foi apresentada à Câmara em 29 de novembro de 1881. Em 30 de setembro de 1882, foi entregue a edificação concluída com quatro blocos separados em cada uma das quatro faces por um portão de ingresso ao pátio central. Sua construção, como previsto pelos cidadãos que a recomendaram à Câmara, não só foi de extrema significação para a economia cachoeirense como também serviu para modificar o aspecto deplorável da praça.

Registros fotográficos do Mercado Público

Créditos das imagens: Fototeca do Museu Municipal Edyr Lima - Coleção Martinho Schünemann

Desvendando a foto I: um dos mais antigos registros fotográficos do mercado certamente é o que mostra a edificação dominando o grande terreno da praça, onde vicejavam diversas espécies vegetais rasteiras, dentre elas a florida maria-mole. Ao fundo, os casarios da Rua Sete de Setembro e, em primeiro plano, uma espécie de poste... Seria o famoso e decantado pelourinho?

O Mercado Público domina o coração da praça


Desvendando a foto II: nesse registro mais aproximado é possível ler numa das esquinas o letreiro "Espescialidades", vendo-se um lampião de iluminação pública e uma mulher. Seria uma escrava de ganho pronta a apregoar seus produtos aos frequentadores do mercado? Ao redor da edificação, apenas campos, o que leva à dedução de que o registro foi feito ainda no século XIX e anterior às obras de urbanização que esse importante próprio municipal imprimiu à praça nos primeiros anos do século XX. A foto também permite ver que o portão lateral visível estava fechado, mantendo-se aberto apenas o frontal. A foto teria sido feita antes do horário de funcionamento do mercado?



Desvendando as fotos III e IV: nesses outros dois ângulos da praça, no primeiro registro, o Mercado Público está à esquerda, permitindo a visualização de fundos de terrenos da Rua Sete de Setembro e edificações voltadas para a Rua Sete de Abril, hoje Dr. Milan Kras. A praça ainda é um campo praticamente aberto. No segundo, o mercado aparece com a face que era voltada para a Rua Moron, sendo possível visualizar, em primeiro plano, os fundos das casas dessa mesma rua. Destaca-se, ao centro do registro fotográfico, o pequeno chalé que serviu de primeira sede a Schützen-Verein Eintracht**, encravado em terrenos que pertenciam a Maria Egípcia da Fontoura Cavalheiro e que, vendidos à Intendência, possibilitariam a abertura do Bairro Rio Branco em 1912.





Desvendando a foto V: ainda anterior às obras de melhoramentos nas cercanias do mercado, o registro abaixo, anotado na própria foto como sendo de 1909, mostra um pelotão militar postado na lateral do prédio, face virada para o que hoje seria a Rua Andrade Neves. Ao fundo, na Rua Sete de Setembro, vê-se a famosa "Casa dos Arcos", edificação pertencente à família de Ignácia Amélia de Oliveira, cuja esquina era ocupada pela casa comercial Viúva Oliveira & Filho, razão social adotada em 1901.



Desvendando as fotos VI, VII, VIII e IX: a área em torno do Mercado Público já mostra melhoramentos urbanos. Na primeira, um cartão-postal, vê-se o ajardinamento do seu entorno, assim como o quiosque (1906), o coreto (1910) e o cata-vento (1912). Nas fotos VII e VIII, vê-se claramente as copas de paineiras, árvores que foram plantadas no entorno da Praça José Bonifácio em 1908. Nos canteiros, arbustos e plantas floríferas. A última tomada, um cartão-postal da série atribuída a Benjamin Camozato, está datada em 1913.





Cartão-postal atribuído à série feita por Benjamin Camozato


Desvendando as fotos X e XI:
um salto no tempo e o Mercado Público aparece na revitalizada e aristocrática Praça José Bonifácio à época dos melhoramentos urbanos promovidos por João Neves da Fontoura a partir de 1925. Nessa ocasião, o mobiliário urbano foi enriquecido com bancos e floreiras desenhados pelo italiano Giuseppe Gaudenzi e pelo alemão Alfred Adloff. Na iluminação, os então modernos postes Nova Lux. Na calçada, os anteparos para as mudas das tipuanas plantadas em 1926 e adquiridas na Quinta Bom Retiro, de Pelotas, propriedade de Ambrosio Perret. Na foto X, ao fundo, o prédio do Banco da Província em construção (1927).



Imagens feitas por A. Saidenberg


Desvendando as fotos XII e XIII: com o passar do tempo, o Mercado Público foi sendo paulatinamente subutilizado, sem a manutenção adequada. Os dois registros a seguir são da década de 1940 e mostram o ângulo voltado para a cancha de basquete, inaugurada em 1º de fevereiro de 1943.


Coleção Claiton Nazar


Na década de 1950, desgastado pelo tempo e manutenção cada vez mais deficitária, o Mercado Público tornou-se decadente. Sem a consciência preservacionista que hoje já atingiu outro patamar, a velha e histórica edificação foi demolida em 1957.

Fotos aéreas do Mercado Público:

Crédito das imagens: Coleção Armando Fontanari




Visualizar fotos do Mercado Público desperta o sabor amargo de uma perda imperdoável...


**Schützen-Verein Eintracht, sociedade de atiradores que deu origem à atual Sociedade Rio Branco. 

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Série: Registros fotográficos incríveis - I

A Série: Registros fotográficos incríveis traz ao conhecimento dos leitores e seguidores imagens sensacionais da Cachoeira de outros tempos, tentando desvendá-las em pormenores. Contribuirá nesse desafio o memorialista Claiton Nazar, um dos maiores colecionadores de fotografias da Cachoeira antiga, cuja consultoria tem sido fundamental para a identificação de  imagens históricas disponíveis nos acervos, especialmente na Fototeca do Museu Municipal.

A maior parte desses registros fotográficos mantém a autoria no anonimato e a data indefinida. Alguns deles, inclusive, não guardam mais nenhuma relação com o aspecto atual da cidade e justamente por isto, ou talvez especialmente por essa dissociação com a realidade de hoje, é que se robustecem em significado e atiçam a imaginação daqueles que têm sensibilidade para se transportarem no tempo e no espaço.

Registro fotográfico incrível - I 

Crédito das imagens: Fototeca do Museu Municipal Edyr Lima

Praça da Conceição fronteira ao Teatro Municipal 

O registro fotográfico acima pode ser datado entre 1900 e 1908, com maior probabilidade de ter sido feito no ano de 1906, quando o intendente da época, Dr.  Cândido Alves Machado de Freitas, decidiu colocar bancos* nas praças e encomendou orçamentos para o serviço. A fotografia registra o interior da Praça da Conceição (atual Praça Dr. Balthazar de Bem), que era fechada por muros à época. Ao fundo, o prédio do Teatro Municipal, cuja placa de identificação está aposta sobre a porta central. À direita de quem observa a foto, divisa-se uma parte do prédio da Intendência Municipal, hoje sede do Museu.

A praça estava murada e gradeada, oferecendo um banco de ripas de madeira sobre estrutura de ferro. A sombra que parece convidar a um descanso é dada por árvores frondosas. A nitidez e a qualidade da fotografia permitem quase afirmar que há um cedro à direita, cuja exuberância da folhagem indica ser primavera ou verão. O caminho que conduz ao portão parece ser de terra solta, observando-se também que há tufos de grama crescida onde não há trânsito. Pela sombra projetada pelos pilares do muro pode-se imaginar que a tomada tenha sido feita pela manhã.

I - Decompondo a foto:

Teatro Municipal, inaugurado em 25 de dezembro de 1900 e interditado por problemas estruturais em 1908. Construído em três níveis que se distinguiam pelos diferentes tipos de colunas e esquadrias, tinha no primeiro deles cinco portas, sendo quatro guarnecidas por caras de leões; a quinta ostentava a placa de metal com o letreiro Teatro Municipal. No último nível, coroando a edificação, uma estátua. Seria de Dionísio, a divindade grega associada ao teatro? Ou quem sabe São João, padroeiro da Vila Nova e da maçonaria? A inauguração no dia de Natal foi marcada por uma festa maçônica.

Teatro Municipal

II - Decompondo a foto:

Os muros da Praça da Conceição: em agosto de 1898, os trabalhos de fechamento da praça com muros e grades estavam concluídos, serviço finalizado por um cidadão chamado Bruttus Machado, a quem os cofres públicos pagaram a quantia de 130 mil réis pelo serviço**.

Vista externa da Praça da Conceição fechada a muro


A foto seguinte mostra o mesmo trajeto feito no interior da Praça com maior distanciamento, vendo-se um transeunte caminhando rumo ao portão fronteiro ao Teatro Municipal.


Em outras tomadas, é possível confirmar que havia outro portão na quina da Praça que encontrava a atual Rua General Câmara.



No ângulo contrário, a vista da Igreja Matriz e do portão da Praça fronteiro ao Teatro Municipal.



E, finalmente, o Teatro Municipal visto do lado de fora da Praça.



O registro fotográfico incrível que inaugura a série pôde ser ampliado em diferentes ângulos em razão de existirem outros tantos que gravaram para a posteridade espaço urbano de tamanha relevância. A profusão de registros fotográficos se deve, com certeza, ao fato de que essa zona concentrava edificações de grande significado para a Cachoeira do final do século XIX e primeiros anos do século XX, com assídua frequência da população.


**Fonte: Arquivo Histórico do Município de Cachoeira do Sul - documento IM/RP/SF/D-039, fl. 506.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

20 de setembro de 1921 - água encanada em Cachoeira

O simples gesto de abrir uma torneira, tão corriqueiro em nossos dias, foi um enorme avanço para a comunidade cachoeirense que viu a sua primeira hidráulica ser inaugurada no dia 20 de setembro de 1921. Naquele dia, às 15 horas, reunidas as autoridades, convidados e o povo em geral, oficialmente a água começou a correr pelos canos, tanques e filtros nas instalações da Hidráulica, na Praça Itororó. 

Inauguração da Hidráulica - 20/9/1921 - Benjamin Camozato

As instalações da Hidráulica se constituíam dos aparatos necessários para o processo de captação, tratamento e distribuição de água, sem no entanto descuidarem-se os seus idealizadores do embelezamento do local. Chamava a atenção o chafariz, por onde cascateava lindamente a água, e os muros guarnecidos com as antigas grades que circundavam a Praça Almirante Tamandaré, atual Dr. Balthazar de Bem.

Convidados e autoridades presentes à inauguração - Museu Municipal

A captação da água no Jacuí era feita por meio de uma casa de máquinas de pequenas dimensões, uma espécie de poço que permitia com bastante limitação espacial o acesso do pessoal, colocação dos encanamentos e das correias transmissoras. Esse poço tinha a profundidade de 12,40 metros e sobre ele se assentava o motor elétrico de 14 HP, com capacidade para bombear 30 mil litros de água com 42 revoluções por minuto. Trabalharam na montagem desse equipamento o mecânico Ernesto Grübner e o engenheiro Ricardo Klinger.

A água era recalcada numa extensão de 200 metros, vencendo a altura de 40 metros e atingindo o elegante chafariz que a municipalidade adquiriu nas oficinas de J. Vicente Friedrichs, mesma empresa que forneceria mais tarde as ninfas e o Netuno ao Château d'Eau. O chafariz cumpria papel no processo de filtração da água que depois caía em três tanques antes de ser recolhida ao reservatório de 16,50 metros de altura e com capacidade para armazenar 100 metros cúbicos. Segundo os documentos da época, a torre, de linhas delicadas e elegante ornamentação, foi a primeira dessa grandeza construída no estado.

Tanques da Hidráulica, vendo-se ao fundo o Jacuí - Museu Municipal

Ao tempo da inauguração, segundo noticiou a imprensa, as instalações da Hidráulica ofereciam um belo panorama que se descortinava pela observação das várzeas e coxilhas por onde o Jacuí rolava suas águas em "curso orlado de luxuriantes matas".

As obras custaram 170 contos de réis e favoreceram moradores das ruas D. Luiza (atual Tuiuti), Sete de Setembro, Ferminiano (atual Gabriel Leon), 15 de Novembro, Sete de Abril (atual Dr. Milan Kras) e Moron.

Naquele memorável dia, destaque para o intendente Dr. Aníbal Lopes Loureiro que comemorava seu primeiro ano de mandato e inaugurou também melhorias no Mercado Público e seu gabinete junto ao prédio da Intendência Municipal.

Aníbal Loureiro no gabinete inaugurado também em 20/9/1921
- Benjamin Camozato (1922)

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Ataque assassino na Igreja Matriz

Em 8 de setembro de 1860, segundo dia de instalação da mesa eleitoral que procederia a eleições na Cidade da Cachoeira, integrada pelos cidadãos José Gomes Portinho, Antônio Vicente da Fontoura, Hilário Pereira Fortes, José Pereira da Silva Goulart e Tristão da Cunha e Souza, estavam sendo chamados e qualificados os eleitores para depositarem seus votos na urna. Presidia a mesa eleitoral o juiz de paz Tristão da Cunha e Souza. Os demais integrantes eram representantes dos dois partidos que disputavam o pleito: Santa Luzia, do Comendador Antônio Vicente da Fontoura e Brigadeiro José Gomes Portinho, e o Saquarema, representado pelo médico José Pereira da Silva Goulart e pelo Coronel Hilário Pereira Fortes.

Antônio Vicente da Fontoura, sentado à mesa, identificava e registrava os votantes em uma lista. Esta era a prática utilizada, uma vez que não havia ainda os documentos individuais de identificação dos eleitores. 


Comendador Antônio Vicente da Fontoura
- Museu Municipal

Cabia à mesa eleitoral o reconhecimento do eleitor e a consequente autorização para que procedesse à votação. Algumas vezes, por divergências ou desconhecimento da figura que se apresentava, havia impedimentos de voto. E nesse dia 8, justamente quando houve dúvida a respeito da identidade de um dos eleitores, com alguma discussão e posterior concessão do direito de voto, é que três tiros foram ouvidos, tendo como alvo José Gomes Portinho que, ileso, subiu à mesa para exigir a ordem. Os tiros, provavelmente, foram dados para distrair os presentes e dar oportunidade para que um homem, passando por baixo da mesa, ferisse o Comendador Fontoura com objeto cortante. Apunhalado, o Comendador ainda recebeu bengaladas na cabeça. Tais agressões acabaram por provocar-lhe a morte em 20 de outubro de 1860, certamente com atroz sofrimento.

O crime contra Antônio Vicente da Fontoura desencadeou um processo judicial com grande repercussão.

Em 20 de setembro, um mês antes do falecimento do Comendador, foram à sua casa entrevistá-lo sobre o atentado o Chefe de Polícia da Província, Dr. Eduardo Pindahiba de Mattos, acompanhado do escrivão João Henrique Froes e das testemunhas Dr. Pedro Baylet e João José de Leão. Encontraram o Comendador na cama, sendo ele inquirido pelo Dr. Eduardo. Obtiveram dele as seguintes informações: que ao ser ferido levantou-se de onde estava sentado e avistou o "preto conhecido por Manoel Pequeno", acreditando ter partido dele os ferimentos, apesar de não ter reparado que portasse faca em suas mãos. Quanto às cacetadas na cabeça, não sabia informar de quem tinham partido, pois se achava "todo banhado em sangue". Perguntado se julgava ter o atentado sido premeditado, respondeu que era o que parecia, atribuindo-o "a inimizades políticas". No entanto, sem acusar, o Comendador contou ter ouvido do Coronel Hilário, do Dr. Goulart e de Felisberto Ourique, do partido contrário ao seu, que venceriam "a eleição a todo custo", além de ter sido alertado na véspera que não fosse à Igreja porque morreria. Ao final da conversa, foi apresentada ao Chefe de Polícia a roupa que o Comendador usava no dia do crime, constatando a autoridade a grande quantidade de sangue e os sinais da facada no tecido.

Manoel Pequeno foi condenado às galés perpétuas. Os mandantes seguiram suas vidas. As divergências da política, acirradas durante a Revolução Farroupilha, encerrada 15 anos antes, conseguiram produzir uma importante vítima.

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Para saber mais: obra A Morte do Comendador  - Eleições, Crimes Políticos e Honra (Antonio Vicente da Fontoura, Cachoeira, RS, 1860), de Paulo Roberto Staudt Moreira, José Iran Ribeiro e Miquéias Henrique Mugge. Editora Unisinos e Oikos Ltda., São Leopoldo, 2016.

domingo, 8 de agosto de 2021

A Escola de Música de Cachoeira

Cachoeira é uma cidade musical e muitas podem ser as razões dessa musicalidade. Uma delas certamente foi uma iniciativa levada a efeito há 100 anos: a fundação do Conservatório de Música de Cachoeira.

Em meados de abril de 1921, o intendente Aníbal Lopes Loureiro recebeu o pianista Guilherme Fontainha, diretor artístico do Centro de Cultura Artística do Rio Grande do Sul. Sob sua eficiente administração, foram criados conservatórios de música em várias cidades do Rio Grande do Sul, Cachoeira uma delas. A iniciativa visava a interiorização da cultura artística, projeto idealizado por ele em parceria com o bandolinista italiano José Corsi.

Guilherme Fontainha - www.institutopianobrasileiro.com.br

O jornal O Commercio de 27 de abril de 1921 noticiou que o maestro Fontainha, diretor do Conservatório de Música de Porto Alegre, encontrou-se com o intendente de Cachoeira para incentivá-lo à criação de um conservatório na cidade, onde "além de outras vantagens, se ministrará o ensino pela escola moderna, a exemplo do que se tem feito em outros municípios". As negociações entre o intendente e Guilherme Fontainha acertaram que a Intendência iria alugar e mobiliar um prédio apropriado e, com brevidade, chegaria uma professora diplomada para lecionar e dirigir o conservatório.

O Commercio conclui a notícia dizendo: "Folgamos em registrar esta notícia, pois a fundação de tal escola muito contribuirá para difundir entre nós o ensino da arte musical pelos modernos processos".

João Neves da Fontoura, presidente do Clube Renascença, entusiasta da ideia, cedeu dependências da entidade para nelas funcionar a Escola de Música até que a Intendência providenciasse outro local apropriado e devidamente equipado.

No início de maio de 1921, assumiu a direção da escola a senhorita Laura Silva, pianista diplomada. Hospedada na residência de Francisco Timóteo da Cunha, na Rua Sete de Setembro n.º 215, Laura Silva passou a receber lá as matrículas dos interessados.

Casa de Francisco Timóteo da Cunha (com a charrete em frente) - Museu Municipal

No ato da matrícula, os alunos eram informados dos regulamentos da escola, dentre os quais destacavam-se as finalidades: "a difusão de uma verdadeira cultura musical, acessível à mocidade e com recursos relativamente módicos; preparar os candidatos a exames e ao professorado; formar bons musicistas e elevar o diletantismo à perfeição". Como se vê, o propósito era formar músicos qualificados e aptos a replicarem o seu conhecimento. Ação como essa foi fundamental para impulsionar o talento que havia em boa quantidade na Cachoeira do início do século XX.

No programa da escola seriam lecionadas as matérias desenvolvidas nos "mais acreditados estabelecimentos musicais da América do Sul". Não havia limite de idade à inscrição e a obtenção de diploma exigia o cumprimento de requisitos, sendo os exames para sua obtenção feitos por "maestro ou pessoa competente, estranha à escola".

No dia 10 de junho de 1921, sediada no Clube Renascença, foi oficialmente inaugurada a Escola Musical de Cachoeira. A notícia dada pelo O Commercio em 13 de junho dá a dimensão do acontecimento:

Sede do Clube Renascença, local de funcionamento da Escola Musical - foto Benjamin Camozato

"Domingo último, às 14 horas, em o edifício sito à Rua Sete de Setembro nº 92, onde funcionou a Associação Comercial, realizou-se a inauguração da Escola Musical, fundada nesta cidade sob o patrocínio do “Centro de Cultura Artística”, de Porto Alegre. Presentes as autoridades municipais, estaduais e federais, representantes da imprensa e do clero, exmas. senhoras e senhoritas, e os elementos mais representativos da sociedade cachoeirense, tomou a palavra o Sr. Dr. Aníbal Lopes Loureiro, que declarou inaugurada a Escola Musical, concedendo a palavra ao orador oficial, Dr. Minuano de Moura, depois de se congratular com os presentes pela fundação de tão importante estabelecimento.

Em seguida, o Dr. Minuano de Moura, tomando a palavra, discorreu brilhantemente sobre a arte, encarando-a sob todos os seus aspectos, e finalizou com o incentivo ao culto da arte do trabalho, fazendo votos para que a Escola que ora se inaugurava, sob a direção dos professores José Corsi e Guilherme Fontainha, se afirmasse em Cachoeira, onde vicejavam as mais belas flores da arte.

As últimas palavras do orador foram acolhidas com uma estrepitosa salva de palmas. Logo após, foi dado início ao concerto, onde a distinta virtuose Laura Silva, professora da Escola Musical, deu apenas uma pálida ideia de seu gênio, interpretando, com admirável maestria, acompanhada pelo professor Maurice Maissiat, Chopin, Gounod, Liszt e outros autores de nomeada.

Esse magnífico concerto produziu excelente impressão ao seleto auditório, sendo os seus intérpretes fartamente aplaudidos em todos os números que constituíam o programa. Findo o concerto, o Dr. Aníbal Loureiro tomou a palavra, encerrando a sessão inaugural da Escola, tendo sido lavrada uma ata.

A professora Laura Silva e o professor Maurice Maissiat foram muito felicitados pela feliz interpretação que souberam dar ao programa do concerto.

Como acima ficou dito, a Escola Musical funcionará à Rua Sete de Setembro, tendo sido o mobiliário desse estabelecimento, do valor de 2:000$000, cedido pela Intendência. A municipalidade contribui, ainda, com o aluguel do prédio onde funciona a Escola, por cuja manutenção e prosperidade fazemos ardentes votos.

O revmo. Padre Vicente da Cruz Trovisqueira, após o discurso oficial, lançou a bênção à Escola Musical".

Professor e musicista Maurice Maissiat 
com a esposa cachoeirense - Coleção Flávio Silva

A Escola de Música, também chamada de Conservatório de Música, não teve vida longa, mas suficiente para formar musicistas que seguiram carreiras de sucesso. Dentre eles, a pianista Rita de Cássia Fernandes Barbosa, depois fundadora da Escola Municipal de Belas Artes. Graças também ao funcionamento da escola, Cachoeira acolheu o pianista cearense Souto Menor, que a dirigiu por bom tempo. 

Pianista Rita de Cássia F. Barbosa

Anúncio da Escola Musical n'O Commercio, 20/7/1921
- Arquivo Histórico


Como se vê, o traço cultural da musicalidade também tem raiz histórica de iniciação formal. Os frequentadores da Escola Musical seguiram replicando as lições, fazendo jus à finalidade precípua de "formar bons musicistas e elevar o diletantismo* à perfeição". Ambiente tão propício à música também foi capaz de atrair para a cidade artistas vindos dos mais diferentes lugares, abrindo espaço também para que muitos deles aqui se radicassem e exercessem os seus dons. Está explicada em boa parte a  tradição musical de Cachoeira e provado eficiente o projeto de Guilherme Fontainha e José Corsi.

*gosto acentuado pelas artes, especialmente pela música.

Dedico esta postagem à memória do musicista cachoeirense Flávio Silva, com quem descobri muito sobre a música em Cachoeira.