Espaços urbanos

Espaços urbanos
Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

sábado, 6 de novembro de 2021

Série: Registros fotográficos incríveis - II

Dando sequência à série de registros fotográficos incríveis, desta vez o passeio será pela antiga Praça José Bonifácio, num tempo em que era chamada popularmente de Praça do Mercado. A denominação que andava de boca em boca se devia à existência do Mercado Público no coração do grande terreno da praça. 

Um mercado público para a Cidade da Cachoeira era um sonho acalentado por muitos. Produtores, colonos, pequenos comerciantes e prestadores de serviço, tanto da zona urbana como rural, vislumbravam poder ofertar seus gêneros e especialidades num espaço único, disciplinado e com as condições necessárias para desenvolverem adequadamente suas atividades e atraírem os consumidores.

A ação definitiva para a decisão de construção do mercado foi dada por três cidadãos, em 1º de outubro de 1881, quando encaminharam à Câmara um abaixo-assinado solicitando a obra e justificando-a. Dos três, dois eram vereadores, Francisco Gomes Porto e Pedro Francisco d'Araújo, e o terceiro era David Soares de Barcellos que viria a ser intendente do município anos mais tarde.

No documento, os signatários enfatizavam a importância da obra há muito reclamada pelo público e a necessidade de "reparar o mau estado da Praça José Bonifácio"*sugeriam soluções para o aproveitamento do terreno e as condições para financiamento da obra, valendo-se de empréstimo previsto em lei provincial de 1879.

Finalmente, a obra de construção do Mercado Público foi entregue ao engenheiro Crescêncio da Silva Santos, cuja proposta foi apresentada à Câmara em 29 de novembro de 1881. Em 30 de setembro de 1882, foi entregue a edificação concluída com quatro blocos separados em cada uma das quatro faces por um portão de ingresso ao pátio central. Sua construção, como previsto pelos cidadãos que a recomendaram à Câmara, não só foi de extrema significação para a economia cachoeirense como também serviu para modificar o aspecto deplorável da praça.

Registros fotográficos do Mercado Público

Créditos das imagens: Fototeca do Museu Municipal Edyr Lima - Coleção Martinho Schünemann

Desvendando a foto I: um dos mais antigos registros fotográficos do mercado certamente é o que mostra a edificação dominando o grande terreno da praça, onde vicejavam diversas espécies vegetais rasteiras, dentre elas a florida maria-mole. Ao fundo, os casarios da Rua Sete de Setembro e, em primeiro plano, uma espécie de poste... Seria o famoso e decantado pelourinho?

O Mercado Público domina o coração da praça


Desvendando a foto II: nesse registro mais aproximado é possível ler numa das esquinas o letreiro "Espescialidades", vendo-se um lampião de iluminação pública e uma mulher. Seria uma escrava de ganho pronta a apregoar seus produtos aos frequentadores do mercado? Ao redor da edificação, apenas campos, o que leva à dedução de que o registro foi feito ainda no século XIX e anterior às obras de urbanização que esse importante próprio municipal imprimiu à praça nos primeiros anos do século XX. A foto também permite ver que o portão lateral visível estava fechado, mantendo-se aberto apenas o frontal. A foto teria sido feita antes do horário de funcionamento do mercado?



Desvendando as fotos III e IV: nesses outros dois ângulos da praça, no primeiro registro, o Mercado Público está à esquerda, permitindo a visualização de fundos de terrenos da Rua Sete de Setembro e edificações voltadas para a Rua Sete de Abril, hoje Dr. Milan Kras. A praça ainda é um campo praticamente aberto. No segundo, o mercado aparece com a face que era voltada para a Rua Moron, sendo possível visualizar, em primeiro plano, os fundos das casas dessa mesma rua. Destaca-se, ao centro do registro fotográfico, o pequeno chalé que serviu de primeira sede a Schützen-Verein Eintracht**, encravado em terrenos que pertenciam a Maria Egípcia da Fontoura Cavalheiro e que, vendidos à Intendência, possibilitariam a abertura do Bairro Rio Branco em 1912.





Desvendando a foto V: ainda anterior às obras de melhoramentos nas cercanias do mercado, o registro abaixo, anotado na própria foto como sendo de 1909, mostra um pelotão militar postado na lateral do prédio, face virada para o que hoje seria a Rua Andrade Neves. Ao fundo, na Rua Sete de Setembro, vê-se a famosa "Casa dos Arcos", edificação pertencente à família de Ignácia Amélia de Oliveira, cuja esquina era ocupada pela casa comercial Viúva Oliveira & Filho, razão social adotada em 1901.



Desvendando as fotos VI, VII, VIII e IX: a área em torno do Mercado Público já mostra melhoramentos urbanos. Na primeira, um cartão-postal, vê-se o ajardinamento do seu entorno, assim como o quiosque (1906), o coreto (1910) e o cata-vento (1912). Nas fotos VII e VIII, vê-se claramente as copas de paineiras, árvores que foram plantadas no entorno da Praça José Bonifácio em 1908. Nos canteiros, arbustos e plantas floríferas. A última tomada, um cartão-postal da série atribuída a Benjamin Camozato, está datada em 1913.





Cartão-postal atribuído à série feita por Benjamin Camozato


Desvendando as fotos X e XI:
um salto no tempo e o Mercado Público aparece na revitalizada e aristocrática Praça José Bonifácio à época dos melhoramentos urbanos promovidos por João Neves da Fontoura a partir de 1925. Nessa ocasião, o mobiliário urbano foi enriquecido com bancos e floreiras desenhados pelo italiano Giuseppe Gaudenzi e pelo alemão Alfred Adloff. Na iluminação, os então modernos postes Nova Lux. Na calçada, os anteparos para as mudas das tipuanas plantadas em 1926 e adquiridas na Quinta Bom Retiro, de Pelotas, propriedade de Ambrosio Perret. Na foto X, ao fundo, o prédio do Banco da Província em construção (1927).



Imagens feitas por A. Saidenberg


Desvendando as fotos XII e XIII: com o passar do tempo, o Mercado Público foi sendo paulatinamente subutilizado, sem a manutenção adequada. Os dois registros a seguir são da década de 1940 e mostram o ângulo voltado para a cancha de basquete, inaugurada em 1º de fevereiro de 1943.


Coleção Claiton Nazar


Na década de 1950, desgastado pelo tempo e manutenção cada vez mais deficitária, o Mercado Público tornou-se decadente. Sem a consciência preservacionista que hoje já atingiu outro patamar, a velha e histórica edificação foi demolida em 1957.

Fotos aéreas do Mercado Público:

Crédito das imagens: Coleção Armando Fontanari




Visualizar fotos do Mercado Público desperta o sabor amargo de uma perda imperdoável...


**Schützen-Verein Eintracht, sociedade de atiradores que deu origem à atual Sociedade Rio Branco.