Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 12 de julho de 2020

Série: Cachoeira Bicentenária - Primeira ponte


A primeira ponte erguida em Cachoeira casualmente também é a primeira do Rio Grande do Sul em seu estilo construtivo. Trata-se da Ponte do Botucaraí, mais conhecida como Ponte de Pedra. Sua construção foi de vital importância para estabelecer a ligação da Vila Nova de São João da Cachoeira com a Vila de Rio Pardo e, a partir dela, com Porto Alegre, aproveitando a existência do Passo Real do Botucaraí.

Ponte de Pedra (março de 1955) - Família Friedrich

A história da construção da Ponte de Pedra foi longa e interrompida pelo decênio farroupilha, momento histórico conturbado e de desaceleração do desenvolvimento da província.

A primeira referência a ela surgiu em 19 de maio de 1832, quando o presidente da Câmara de Cachoeira, José Custódio Coelho Leal, apresentou aos demais vereadores uma correspondência do presidente da província, Manoel Antônio Galvão, determinando a elaboração da planta da ponte. A partir disso, teve início uma série de tratativas entre o governo municipal e o provincial no acerto de quais seriam as etapas e as atribuições de cada um para a execução da obra. Quase um ano depois, em 18 de abril de 1833, a Câmara de Cachoeira oficiou ao engenheiro da província, João Martinho Buff, solicitando que elaborasse a planta da ponte. Entre abril de 1833 e setembro de 1835, quando estourou a Revolução Farroupilha, cessaram notícias sobre a obra.

Passados os dez anos da revolução e mais algum tempo, em 5 de junho de 1847, novamente o presidente da província, casualmente o mesmo Manoel Antônio Galvão, pediu a planta da ponte e, em 15 de setembro, recebeu-a junto com o orçamento da construção. No dia 5 de outubro, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, ele apresentou a seguinte informação:

Ponte do Passo Real do Botucaraí. A planta desta ponte encomendada pela Lei nº 33, de 5 de maio de 1846, foi concluída. Ser-vos-á apresentada, bem como o orçamento na importância de Rs. 36:994$720.

Vencidos os trâmites burocráticos, a obra teve início sob o comando de Manoel Fialho de Vargas Filho, empreiteiro que a arrematou pela quantia de 46 contos e oitocentos mil réis e assinou o contrato de execução em 10 de janeiro de 1848.

Em 28 de outubro de 1848, um ofício do Capitão Engenheiro Ajudante do Chefe dos Engenheiros da Comarca, João Pedro de Gusmão Mariz, dava conta ao seu superior que havia feito exame na ponte, informando que “se acha concluída conforme a planta e contrato feito pelo arrematante e me parece estar construída com toda a solidez, visto que tem passado carretas e tropas de gado e não tendo havido até o presente indício de ruína.”

A Ponte de Pedra passou pela história e seguirá testemunhando histórias graças às ações de um grupo de voluntários que em 2010 salvaram-na da destruição. E hoje, ainda que desafie o tempo e as adversidades, segue bela, forte e deleitando os apreciadores das obras do passado e os banhistas nos dias quentes de verão. 

Em 2014, por decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado - IPHAE, foi tombada como patrimônio histórico-cultural do Rio Grande do Sul.

Ponte de Pedra - Robispierre Giuliani
Ponte de Pedra - Renato Thomsen

Para saber mais sobre a salvação da Ponte de Pedra, acesse:


sábado, 4 de julho de 2020

Série: Cachoeira Bicentenária - Primeiro hospital


A primeira referência à instalação de um hospital em Cachoeira foi feita ainda no tempo da Vila Nova de São João da Cachoeira pelo vereador e também médico Dr. José Pereira da Silva Goulart. Sua proposta foi apresentada na sessão do dia 15 de outubro de 1846, e atendia ao disposto na Lei de 1.º de outubro de 1828, que estabelecia que as vilas providenciassem na criação de casas de caridade para dar assistência aos expostos* e aos doentes pobres. A instituição deveria se chamar Hospital de São João, mas não obteve aprovação dos demais vereadores, sendo arquivada.

Dr. José Pereira da Silva Goulart
- Acervo Família Vieira da Cunha

Quase vinte anos depois, quando o Imperador Pedro II visitou Cachoeira pela segunda vez, uma das coisas que chamou sua atenção na cidade foi a excelência do trabalho prestado pelo médico pernambucano Cristóvão José Vieira a 26 doentes distribuídos por “duas casas más, porém bem providas de tudo, leitos, colchões, cobertores, medicamentos, pratos de metal, talheres, etc.” Em razão disso, o Imperador sugeriu à Câmara que usasse o recém-aprontado prédio da Casa de Câmara, Júri e Cadeia como hospital, sendo transportados os doentes para lá quando “um dia mais quente permita expô-los ao ar”. 

Antiga Casa de Câmara, Júri e Cadeia - Foto Mirian Ritzel

O cirurgião-mor Cristóvão José Vieira foi reconhecido pelo Imperador que o nomeou diretor-chefe de todos os hospitais existentes ou a serem criados de Porto Alegre até a fronteira. Mas o Dr. Vieira não se afastou de Cachoeira enquanto não achou quem o substituísse. 

O sobrado da Casa de Câmara, Júri e Cadeia foi empregado como hospital militar para atendimento especialmente aos praças do Exército envolvidos com a Guerra do Paraguai, quase todos vitimados não pela guerra, mas pelas condições adversas do clima sulino. O uso não foi muito longo, eis que em novembro de 1865 os vereadores requisitaram ao Ministro da Guerra a devolução do prédio por estar ele sendo ocupado apenas por quatro doentes quase curados, o que foi feito.

Um intervalo de 38 anos separou a solicitação do Imperador da outra iniciativa para dotar a cidade finalmente de um hospital, ou asilo de caridade. Em 1903 o advogado Ernesto Barros publicou no jornal O Commercio um artigo intitulado “Apelo aos corações generosos”, em que conclamava a comunidade a unir esforços para a construção de um prédio que servisse de hospital. A recepção à ideia foi tamanha que em 23 de agosto daquele ano foi lançada a pedra fundamental do nosso primeiro hospital.

Dr. Ernesto Barros

A partir desse ato, muitas campanhas foram deflagradas junto à comunidade e muitos e de todos os tipos foram os auxílios. A obra coube ao construtor português Manoel Gomes Pereira que ergueu um sobrado de 52 palmos de frente por 103 de fundos. A inauguração ocorreu em 11 de dezembro de 1910.

O prédio do nosso primeiro hospital é tombado como patrimônio histórico do município e abriga hoje a Escola de Educação Profissional de Saúde do Hospital de Caridade. Dela já saíram muitos profissionais que estão distribuídos pelos mais diversos lugares do estado e até mesmo fora dele, honrando o profissionalismo demonstrado pelo quase desconhecido e esquecido cirurgião-mor Cristóvão José Vieira.

Escola Profissional de Saúde do HCB - Foto COMPAHC

 *Expostos: crianças abandonadas, enjeitadas.