Espaços urbanos

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Ponte do Fandango - foto Robispierre Giuliani

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O busto que desapareceu...

À semelhança do que ocorreu com o famoso relógio que havia no canteiro central da Rua Sete de Setembro, que desapareceu sem deixar vestígios, também um monumento um tanto mais antigo teve o mesmo desconhecido destino. Trata-se do busto de Júlio de Castilhos, inaugurado em 15 de novembro de 1922.

Até mesmo sua localização é inexata, constando ter sido erguido no jardim ao lado do prédio da Intendência Municipal.

Segundo noticiou O Commercio em 22 de novembro de 1922, "às 9 horas da manhã, presente numerosa e seleta assistência,  composta de cavalheiros, exmas. senhoras e senhoritas, e dos alunos do Colégio Elementar Antônio Vicente da Fontoura, devidamente uniformizados, realizou-se o ato de inauguração de um busto do Dr. Júlio de Castilhos (...) assentado sobre um pedestal de granito, com base de alvenaria, tendo à frente uma placa de bronze, gravada artisticamente com os dizeres: Homenagem da municipalidade de Cachoeira ao patriarca do Rio Grande. Essa placa foi modelada pelo hábil artista Torquato Ferrari".


Busto de Júlio de Castilhos - Grande Álbum de Cachoeira, 
de Benjamin Camozato (1922)

Placa do busto confeccionada por Torquato Ferrari
- Acervo Marta Ferrari Fortes

Os convidados foram reunidos em torno do busto, onde se pronunciou o Dr. João Neves da Fontoura. Em seu discurso, o membro da comissão do Partido Republicano local congratulou-se com a municipalidade por ter erigido "junto ao edifício onde se trabalha para o engrandecimento e progresso do município o busto do Dr. Júlio de Castilhos, o inolvidável patriarca rio-grandense, principalmente naquele dia em que se comemorava o aniversário da proclamação da República, pela qual ele se batera infatigavelmente toda a sua vida, e que a preciosa herança de sua gigantesca obra continuava a defendê-la dos ataques dos falsos apóstolos (...)".

O busto de Júlio de Castilhos havia sido adquirido sete anos antes por um grupo de republicanos e ofertado à Intendência Municipal. Dentre os republicanos adquirentes, os nomes de Isidoro e seu filho João Neves da Fontoura, Francisco Gama, Antonio Antunes de Araújo, Ernesto Müller, Henrique Möller Filho, Arlindo Leal e Horácio Borges. Em tamanho natural, foi executado pelo famoso escultor Jesus M. Corona, pai de Fernando Corona que, por sua vez, esculpiu o busto do Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha, plantado na Praça Dr. Balthazar de Bem desde 1958.

O busto de Júlio de Castilhos tinha escultor reconhecido, teve compradores importantes politicamente que o doaram à Intendência, como provam documentos existentes no acervo do Arquivo Histórico*, e tem relato na imprensa sobre o dia da sua festiva inauguração. Ainda que não haja descrição exata do local onde foi assentado, é certo que se localizava no jardim que até hoje existe e que conduz às dependências do gabinete do prefeito e outras secretarias ao lado do atual Museu Municipal. O fato que causa estranheza é que, aparentemente, apesar da herança política de Júlio de Castilhos e da importância dos republicanos locais que o presentearam à municipalidade, o busto não permaneceu ali por muito tempo. Quando teria sido retirado? Para onde foi levado? Afinal, que destino teve obra escultórica assinada por tão proeminente artista?

A única imagem do busto que se conhece é a que ilustra o início desta postagem, retirada do Grande Álbum de Cachoeira, de Benjamin Camozato, edição de 1922. A foto abaixo do busto, mostra o prédio do Fórum e o da Intendência, com movimentação de pessoas em sua frente. Na tentativa de compreender se a foto registrava o dia da inauguração, percebi que as árvores fronteiras à Intendência não poderiam estar com aquele aspecto no mês de novembro. Então solicitei auxílio do memorialista e grande colecionador de fotografias antigas de Cachoeira, Claiton Nazar. Analisamos o panorama registrado por Camozato, concluindo que a foto foi feita em outra ocasião e está ali provavelmente para ilustrar o ambiente em que o busto foi inserido. 


Fórum e Intendência - Grande Álbum de Cachoeira,
de Benjamin Camozato (1922)

Outra constatação: o álbum de Camozato comprovadamente só veio a público em 1923, dando a ele tempo de registrar a inauguração ocorrida em novembro de 1922. De fato, na imprensa da época, especialmente no ano do centenário da Independência, há farta divulgação do trabalho de Camozato na elaboração de seu álbum comemorativo e, a partir de abril de 1923, notícias do seu aspecto, da comercialização e da aceitação pelo público. A Intendência Municipal de Cachoeira, uma das mais interessadas em dispor da publicação para difundir o município, só foi adquirir exemplares em janeiro de 1925, quando pagou por 250 volumes a quantia de um conto de réis.


Acervo documental Arquivo Histórico

Outra preciosa colaboração de Claiton Nazar foi lembrar que numa foto da década de 1920, em que aparece a Igreja Matriz em sua feição antes da grande reforma de 1929, o jardim da Intendência não porta o busto, pois naquele que se julga ter sido o seu lugar, está a escultura do menino com o ganso, alegoria que hoje se encontra no Parque Municipal da Cultura.


Jardim da Intendência - década de 1920 - Coleção Dóris Gressler

Como se vê, muito há ainda por ser desvendado sobre a história do busto de Júlio de Castilhos e o destino que teve... Preferências políticas podem ter ocasionado seu sumiço? Dificilmente, pois entre 1915, ano em que o busto foi assentado, e 1929, e mesmo depois disso, o poder em Cachoeira ainda se mantinha nas mãos dos republicanos. A não ser que, conforme disse João Neves em seu discurso naquele 15 de novembro de 1922, a figura de Júlio de Castilhos, representada no busto, tenha sofrido ataques dos seus "falsos apóstolos"...

*Vide: 

http://arquivohistoricodecachoeiradosul.blogspot.com/2012/08/arquivos-da-historia-de-cachoeira.html