Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Entrada do gado zebu na Cachoeira

Um ofício da Câmara Municipal da cidade da Cachoeira*, emitido em 16 de fevereiro de 1877, devolvia à presidência da Província as respostas de um questionário sobre a criação de gado no município. Os números apresentados pelos vereadores deram como montante para o gado bovino a quantia de cerca de 130 mil cabeças e 20 mil para os ovinos. Números respeitáveis. No entanto, não detalhou quais raças bovinas predominavam.

Em 1916 há notícias de que exemplares de gado zebu entravam em Cachoeira via mascates vindos de Minas Gerais. Raça mal vista por estas plagas, precisou de propaganda para quebrar a resistência dos criadores locais.

www.novomilenio.inf.br

O jornal O Commercio, edição de 19 de janeiro de 1916, a respeito do assunto dizia o seguinte:

A despeito da propaganda que reconhecidas autoridades em zootecnia desenvolvem contra o gado zebu, de origem indiana, apontando a sua introdução como um erro de graves consequências futuras, de vez em quando tropeiros de Minas Gerais aparecem no interior de nosso estado, trazendo o zebu a nossos campos. O Sr. Manoel Pereira de Almeida trouxe de Uberaba, Minas Gerais, uma tropa de 200 reses dessa raça que vieram embarcadas pelas estradas ferroviárias das companhias Mogyana e Sorocabana até Tupanciretã. No percurso feito entre aquela localidade e o Passo de São Lourenço, 3.º distrito da Cachoeira, o Sr. Almeida vendeu ao nosso amigo Henrique Gonçalves Borges, fazendeiro no 2.º distrito, 12 touros de três anos a 600$000 cada um, e três terneiras de sobreano** cada uma a 400$000.

Na edição do dia 9 de fevereiro de 1916, O Commercio tornou a falar do gado zebu em Cachoeira:

O abaixo-assinado declara que vendeu neste município 88 touros, terneiros e terneiras da raça zebu para reprodutores, variando seus preços desde 350$ até 600$000 cada um. Declara mais que em outubro p. vindouro aqui estará com um lote maior e previne aos senhores fazendeiros para que possam esperar. As vendas acima foram aos seguintes senhores, onde poderão ser vistos pelos que desejam adquirir bons reprodutores:
Bernardino Marques
Manoel José Moraes
Manoel Leal
Eliseu Gomes
Pedro Rosa
Marcellino G. Fonseca
Antonio Manoel Lima
Claudio Cavalheiro
Ramão Cavalheiro
Manoel J. da Silveira
Octacilio de Lima
Manoel C. Prates
Sergio Pereira da Silva
Laudelino Pereira da Silva
José Pereira da Silva
Bento Pereira Alves
Sebastião P. Rodrigues
Manoel Nunes de Souza
Eduardo Bicca
Claudiano Correia
Antonio Souza
Francisco Rodrigues
Zeferino P. da Silveira
João Augusto Leitão
Henrique Borges
Feliciano A. da Silva
Cachoeira, 8 de fevereiro de 1916.
(ass.) Manoel Pereira de Almeida

A despeito da novidade e algumas “torcidas de nariz”, o gado zebu entrou em Cachoeira pelo poder de convencimento de Manoel Pereira de Almeida, conquistando um significativo número de interessados...

www,deolhonocampo.com.br


*Acervo documental do Arquivo Histórico do Município de Cachoeira do Sul.

** Sobreano: cria de rês com mais de ano.

domingo, 3 de julho de 2016

A incrível aventura do Danilo

No dia 30 de junho de 1916 nascia em Cachoeira o intrépido, corajoso e pouco difundido Danilo Marques Moura. Contar a participação dos pilotos brasileiros da FAB na II Guerra Mundial sem referir a aventura vivida por Danilo Moura na Itália é suprimir uma experiência inimaginável e que de tão incrível parece ficção cinematográfica!

O piloto Danilo Marques Moura
- tarauacanoticias.blogspot.com

Filho caçula do casal Gilberto da Silva Moura e Maria Emília Marques Moura, Danilo veio fazer companhia aos irmãos Osmar, Nero, Alzira e Odete. Osmar e Nero seguiram a carreira militar, um no Exército e outro na Aeronáutica. Nero Moura entrou para a história como um dos mais completos pilotos da Força Aérea Brasileira, criada por ele e outros em 1941, e por comandar o 1º Grupo de Aviação de Caça na II Guerra. Em razão disto, foi escolhido o patrono da aviação de caça brasileira.

Influenciado pela carreira de Nero, Danilo quis ser piloto, no que foi incentivado e patrocinado pelo irmão. Da formação inicial no Aeroclube do Rio Grande do Sul até os cursos de aperfeiçoamento como piloto civil fora do Brasil decorreram poucos anos até a entrada brasileira no conflito mundial.

Os irmãos Nero e Danilo Marques Moura
 - hangardeplastico.net


Em 1940, com o brevê na mão, Danilo foi admitido no Ministério da Agricultura como piloto de aerofotogrametria. No ano seguinte foi para os Estados Unidos, onde ingressou na Southwest Airways Inc., para curso de pilotagem civil, concluindo-o em 1942.  No Texas, em 1943, fez curso para instrutor estrangeiro de pilotos. Naquele mesmo ano, com mais dois diplomas de formação de instrutor e piloto, voltou para o Brasil como adido do Gabinete do Ministério da Aeronáutica. Em 1944, foi convocado para integrar o recém-formado 1º Grupo de Aviação de Caça, sob o comando do irmão Nero Moura, com destino ao front da II Guerra Mundial.

Os pilotos brasileiros receberam treinamento da força aérea americana e embarcaram em missão para a Itália em setembro de 1944. Danilo realizou sua primeira missão nos céus italianos no dia 19 de novembro de 1944.

Em 4 de fevereiro de 1945, um domingo, o piloto Danilo partiu para a sua 11ª missão. No comando do avião número 2, decolou para mais um voo ofensivo. Não imaginava que aquela missão seria frustrada, porém gravaria seu nome como protagonista de uma inusitada aventura e que tinha todos os elementos para ser desastrosa...

A sudoeste da cidade de Treviso, seu avião foi abatido pelos alemães. A pouca altura do solo, abriu o paraquedas e ao cair cortou a língua. Este detalhe foi fundamental para protegê-lo na inacreditável fuga que empreendeu, durante quase um mês, a pé ou de bicicleta, atravessando mais de 300 quilômetros em território dominado pelos alemães. Nas vezes que foi interceptado, vestido com roupas civis que italianos lhe deram, mostrava a língua ferida, fingindo não conseguir falar.

Enquanto isto, na sede do comando do 1º Grupo de Aviação de Caça, o irmão Nero temia pelo pior e pensava na mãe, Maria Emília, em Cachoeira, sem notícias dos três filhos que tinha na guerra... Como contar-lhe o suposto abatimento do caçula nos céus da Itália?

Danilo, Nero e Osmar Marques Moura - FEB
Mas o caçula, destemido, com astúcia e contando com a ajuda de camponeses, gente simples com quem sabia lidar bem graças aos tempos em que vivera na fazenda dos pais em Cachoeira, seguia seu caminho entre os alemães. Cerca de 30 dias depois, 21 quilos mais magro, chegou a uma base aliada. Um longo interrogatório de dois dias arrancou do intrépido Danilo, com a maior naturalidade, todas as ações empreendidas na travessia do longo caminho que fez. Nenhum oficial, apesar da admiração da aventura do piloto brasileiro, recomendou que a sua história entrasse para os anais porque contrariava, integralmente, todos os ensinamentos e as regras de conduta de pilotos em guerra...

Quando o irmão Nero Moura o avistou, assim como os seus colegas de missões nos céus da Itália, quase não acreditaram. Naquela noite beberam todo o whisky que tinham disponível e se inspiraram para compor a Ópera do Danilo, peça encenada nos meios aeronáuticos. Acesse https://www.youtube.com/watch?v=LXGBy7IGHz0

No ano seguinte ao término da guerra, Danilo abandonou a FAB e em outubro casou-se, em Cachoeira, com Maria Isolina Krieger, com quem teve cinco filhos. Fez carreira na Panair como piloto e após a aposentadoria estabeleceu-se com fazenda de café no Paraná. Faleceu em 14 de maio de 1990, no Rio de Janeiro.

Danilo Marques Moura, quase um anônimo para a história. Um gigante em sua vontade. Um excepcional personagem para o cinema. Meras projeções dos poucos que conhecem e admiram sua corajosa e patriótica aventura.

Esta postagem homenageia postumamente o conterrâneo Sílvio Barreto Vianna,  admirador e difusor da memória de Danilo Marques Moura.