Quase no limite do muro do Cemitério das Irmandades e esquecido na área em que outrora se instalava a primeira hidráulica de Cachoeira, um lindo chafariz tenta trazer à lembrança de quem passa por ali a finalidade que há muito perdeu!
Antigo chafariz da 1.ª hidráulica - COMPAHC |
A primeira hidráulica foi uma das mais importantes obras de saneamento da nossa história. Depois de sua inauguração, ocorrida no dia 20 de setembro de 1921, o abastecimento de água, antes feito em pipas e por recolhimento em sangas e fontes, atingiu residências e estabelecimentos entre a Travessa da Luiza (atual Rua Tuiuti) até a Rua 7 de Abril (hoje Dr. Milan Kras), passando pelas Ruas Sete de Setembro, Moron, 15 de Novembro e Travessa Ferminiano (Rua Gabriel Leon).
As obras da hidráulica trazem as assinaturas dos construtores José Mariné e Justo Martinez, dirigidos pelo Dr. João Protásio Pereira da Costa, engenheiro da Seção de Obras Públicas do município. Os trabalhos de embelezamento e jardins foram entregues ao engenheiro holandês Chrétien Hoogenstraaten, estabelecido com escritório de engenharia em Cachoeira.
O chafariz da hidráulica foi encomendado às oficinas de J. Vicente Friedrichs, em Porto Alegre, as mesmas que confeccionaram o conjunto de estátuas do Château d'Eau, composto por Netuno e as ninfas. Não é possível precisar se o desenho do chafariz foi de autoria do engenheiro, ou se a escolha recaiu sobre um dos modelos que a J. Vicente Friedrichs oferecia em seus catálogos. Habilidades artísticas não faltavam ao holandês, pois era considerado um refinado desenhista, tendo lecionado Belas Artes na Universidade de São Paulo.
A presença do engenheiro holandês em Cachoeira é uma das tantas e interessantes histórias que ensejam a compreensão do quão grandiosas foram as possibilidades oferecidas pelo município a uma plêiade de profissionais de renome que aqui se instalaram para trabalhar. E sua história é bastante curiosa.
Chrétien Hoogenstraaten chegou em Cachoeira por volta de 1916, quando aparecem anúncios de seu estabelecimento com escritório técnico na Rua Sete de Setembro, em sociedade com o engenheiro cachoeirense Jorge Hölzel, filho de um relojoeiro local. Na propaganda de seus serviços anunciavam: "Aceita-se construção qualquer, adotando sistema e estilo moderno. Projetos, orçamentos e cálculos de arquitetura, agrimensura, cimento armado, exploração de minas, hidráulica." (O Comércio, 30/8/1916, p. 3). O item "exploração de minas" chama a atenção.
Hoogenstraaten teria vindo para o Brasil a mando da companhia holandesa Konuckliche Nederlandesche Petroleum Comp. com o propósito de fazer sondagens no sul em busca de poços de petróleo. Daí talvez sua oferta de "exploração de minas". Trazia na sua bagagem de experiências o trabalho em poços de petróleo nas Índias Inglesas (O Comércio, 26/2/1919, p. 1).
Pelo correr de sua carreira, talvez tenha desistido do petróleo, pois em 1917 instalou, em sociedade com Arlindo Leal, em campo na Várzea de Nossa Senhora, uma olaria para o fabrico de telhas e tijolos. Em 1918, projetou o depósito de arroz do sócio Arlindo Leal, na Rua Saldanha Marinho, prédio até hoje existente.
Outra das obras que executou em Cachoeira foi a do Templo Metodista, cuja construção original foi totalmente descaracterizada em uma reforma posterior.
Antigo depósito de arroz de Arlindo Leal - COMPAHC |
Outra das obras que executou em Cachoeira foi a do Templo Metodista, cuja construção original foi totalmente descaracterizada em uma reforma posterior.
Igreja Metodista projetada por Hoogenstraaten - Fototeca Museu Municipal |
Não há notícia da sua partida de Cachoeira, mas entre 1925 e 1928 estava residindo em Porto Alegre, onde construiu o Instituto Parobé e foi professor da Escola de Engenharia. Segundo Günter Weimer, o holandês publicou nesse período 24 trabalhos sobre projetos arquitetônicos e construções rurais na revista da Escola de Engenharia. É provável que tenha voltado à Europa antes da década de 1930.
O chafariz abandonado da antiga hidráulica, além da peça artística que é, tem a capacidade de evocar a figura do holandês que um dia soube emprestar a sua arte para embelezar a nossa velha Cachoeira. E, se acaso pudesse retomar o seu propósito, o chafariz traria vida à outrora elegante Praça Itororó.
O chafariz abandonado da antiga hidráulica, além da peça artística que é, tem a capacidade de evocar a figura do holandês que um dia soube emprestar a sua arte para embelezar a nossa velha Cachoeira. E, se acaso pudesse retomar o seu propósito, o chafariz traria vida à outrora elegante Praça Itororó.