Quando o Museu Municipal de
Cachoeira do Sul chega aos 40 anos de criação e deixa na esteira desta história
um já inegável e inestimável serviço à preservação da memória da cidade, traz
com a comemoração um presente: a reincorporação ao seu acervo da primeira
planta da cidade, confeccionada por Johann Martin Buff em 1850.
Degradada em sua estrutura pelo
desgaste natural do tempo e pela sua própria história de sobrevivência em meio
ao conjunto documental produzido pelas sucessivas administrações municipais – até
do fogo foi salva – a planta de Buff, que é o primeiro registro cartográfico do
recinto urbano de Cachoeira, ficou por longos 10 anos em processo de restauro.
Neste número de anos, várias foram as tentativas de custear o trabalho da
especialista que nele se debruçou. De frustração em frustração, a área cultural
do município alimentava a esperança de um dia ver a planta de volta à sua casa.
E eis que o dia chegou, por louvável iniciativa da administração, através do
Núcleo Municipal da Cultura.
A planta de Buff antes do restauro - Acervo do Museu Municipal |
A planta restaurada sob o olhar do prefeito Sergio Ghignatti - Foto Patrícia Miranda |
Mas que planta é esta?
A primeira referência histórica
sobre o ordenamento urbano de Cachoeira está no ano de 1800. As guerras de
demarcação de fronteiras trouxeram para a então Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição da Cachoeira novos moradores e com eles a necessidade de construção
de casas residenciais e comerciais. José de Saldanha, geógrafo e cartógrafo
português que servia como engenheiro na demarcação dos limites do Rio Grande do
Sul, elaborou o nosso traçado urbano usando como referência a Praça da Igreja,
hoje Praça Balthazar de Bem. Pelo traçado, as ruas largas e amplas se distribuíam
entre quadras quadradas, conforme o modelo das cidades portuguesas.
Desde 1830 a ordem, tranquilidade,
segurança, saúde, comodidade e organização da Vila e arredores eram reguladas
pelas Posturas Municipais, conjunto de leis elaboradas pela Câmara que também determinavam
os limites geográficos, as regras para a elegância e regularidade externa dos
edifícios e ruas e o asseio público. Até 1853 esses limites eram os terrenos
entre o córrego Lava-pés e o rio Jacuí, na direção Norte Sul, e, na direção Leste Oeste, os terrenos entre o
arroio Amorim e o córrego denominado Sanga da Aldeia.
Segundo as posturas, os
proprietários de terrenos só podiam edificar dentro dos limites da Vila
mediante licença da Câmara. Havia regras para o alinhamento e largura das ruas
e calçadas, para o nivelamento das soleiras das portas, para a altura das casas
e restrições à construção de degraus e escadas que desembocassem diretamente
nas ruas. Também era vedado aos proprietários o depósito de materiais de
construção em praças e vias públicas sem o consentimento da Câmara.
Apesar da delimitação do recinto
da Vila, da existência de um traçado que deveria ser seguido e da demarcação de
pontos referenciais como as Praças da Igreja e do Pelourinho, não havia uma
planta que retratasse as ruas e terrenos existentes, o que dificultava os
trabalhos do arruador e do fiscal da Câmara.
Em 17 de setembro de 1829, por
sugestão do vereador Manoel Álvares dos Santos Pessoa, foi remetido ofício ao
Presidente da Província solicitando a confecção de uma planta por engenheiro
competente.
As atas das sessões ordinárias da
Câmara de 12 de janeiro, 10 e 13 de abril de 1850 registram que os vereadores
ainda estavam aguardando a planta encomendada ao engenheiro da Comarca, João
Martinho Buff, para dar solução a inúmeros requerimentos de pessoas solicitando
licença para construir em seus terrenos.
A ata de 4 de maio de 1850
registra, finalmente, o recebimento da primeira planta e o correspondente livro
de cadastro dos proprietários de terrenos da Vila Nova de São João da
Cachoeira, elaborados pelo engenheiro João Martinho Buff. A planta e o cadastro
registram 422 terrenos, sendo 173 edificados e 249 desocupados:
“Foi presente a esta Câmara a Planta e
Cadastro desta Vila, remetida pelo Engenheiro da Comarca João Martinho Buff, e
exige a quantia de 4$500 réis, importância da despesa feita com os utensílios
para a mesma Planta. A Câmara ficou inteirada e resolveu que dita Planta fosse
arquivada assim como o
Cadastro dela e que se ordenasse ao procurador da Câmara que pague ditas despesas e que se leve ao conhecimento de S. Excia. o Presidente da Província o recebimento da dita Planta e Cadastro...”
Cadastro dela e que se ordenasse ao procurador da Câmara que pague ditas despesas e que se leve ao conhecimento de S. Excia. o Presidente da Província o recebimento da dita Planta e Cadastro...”
Para
a distribuição correta dos terrenos, Buff traçou os limites da Vila, destacando
os terrenos da Praça do Pelourinho (atual José Bonifácio), delimitado desde
1830, o da Praça da Igreja (atual Balthazar de Bem) e
o da Praça de São João, onde mais de meio século depois seria erguido o
Hospital de Caridade. O engenheiro registrou cada propriedade a partir da
apresentação dos títulos pelos proprietários, lançando-os simultaneamente em um
livro cadastro. No livro, além do nome do proprietário, foi registrada a data
da concessão ou aquisição do terreno, a autoridade que concedeu os títulos, a
sua localização, medidas e a observação de edificado ou não.
As Posturas Municipais do ano de
1862 determinavam que o alinhamento, largura e nivelamento das ruas seguissem o
arruamento marcado na planta de Buff. Sua confecção permitiu ainda determinar
os terrenos devolutos destinados para a construção de edifícios públicos,
impedindo sua concessão a particulares.
Mas quem foi João Martinho Buff?
Johann Martin Buff - Defender |
João Martinho Buff, nome
aportuguesado de Johann Martin Buff, nasceu em Rödelbhein, próximo a Frankfurt,
na Alemanha, em 8 de maio de 1800. Era filho de Josef Ludwig Buff. Contratado
pelo Império do Brasil para integrar o 28.º Batalhão de Caçadores Alemães,
denominados por D. Pedro II como os “Diabos Brancos”, participou do combate à
Confederação do Equador, em
Recife. Quando deu baixa no batalhão, Buff fixou-se em Rio Pardo , onde casou
com Josefina de Melo Albuquerque, em 12 de julho de 1830, dedicando-se à
engenharia e agrimensura. O casal teve três filhas.
Em 1851, foi nomeado diretor da
Colônia de Santa Cruz, ocupando-se da medição de terras e da instalação de
vários colonos.
De seu conjunto de obras constam:
plantas de Rio Pardo e Cachoeira, projetos de construção da ponte do Couto, do
Jacuí e do Botucaraí (Ponte de Pedra) e da antiga Escola Militar de Rio Pardo,
hoje Centro Cultural Regional de Rio Pardo.
João Martinho Buff faleceu, aos
80 anos, em Rio Pardo.
Esta postagem é uma homenagem ao quadro de servidores do Museu Municipal de Cachoeira do Sul - Patrono Edyr Lima - de ontem e de hoje. O valioso trabalho iniciado por Lya Wilhelm frutificou!