Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 16 de dezembro de 2018

A planta de Buff

Quando o Museu Municipal de Cachoeira do Sul chega aos 40 anos de criação e deixa na esteira desta história um já inegável e inestimável serviço à preservação da memória da cidade, traz com a comemoração um presente: a reincorporação ao seu acervo da primeira planta da cidade, confeccionada por Johann Martin Buff em 1850.

Degradada em sua estrutura pelo desgaste natural do tempo e pela sua própria história de sobrevivência em meio ao conjunto documental produzido pelas sucessivas administrações municipais – até do fogo foi salva – a planta de Buff, que é o primeiro registro cartográfico do recinto urbano de Cachoeira, ficou por longos 10 anos em processo de restauro. Neste número de anos, várias foram as tentativas de custear o trabalho da especialista que nele se debruçou. De frustração em frustração, a área cultural do município alimentava a esperança de um dia ver a planta de volta à sua casa. E eis que o dia chegou, por louvável iniciativa da administração, através do Núcleo Municipal da Cultura.

A planta de Buff antes do restauro - Acervo do Museu Municipal

A planta restaurada sob o olhar do prefeito Sergio Ghignatti
- Foto Patrícia Miranda

Mas que planta é esta?

A primeira referência histórica sobre o ordenamento urbano de Cachoeira está no ano de 1800. As guerras de demarcação de fronteiras trouxeram para a então Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira novos moradores e com eles a necessidade de construção de casas residenciais e comerciais. José de Saldanha, geógrafo e cartógrafo português que servia como engenheiro na demarcação dos limites do Rio Grande do Sul, elaborou o nosso traçado urbano usando como referência a Praça da Igreja, hoje Praça Balthazar de Bem. Pelo traçado, as ruas largas e amplas se distribuíam entre quadras quadradas, conforme o modelo das cidades portuguesas.
           
Desde 1830 a ordem, tranquilidade, segurança, saúde, comodidade e organização da Vila e arredores eram reguladas pelas Posturas Municipais, conjunto de leis elaboradas pela Câmara que também determinavam os limites geográficos, as regras para a elegância e regularidade externa dos edifícios e ruas e o asseio público. Até 1853 esses limites eram os terrenos entre o córrego Lava-pés e o rio Jacuí, na direção Norte Sul,  e, na direção Leste Oeste, os terrenos entre o arroio Amorim e o córrego denominado Sanga da Aldeia.  

Segundo as posturas, os proprietários de terrenos só podiam edificar dentro dos limites da Vila mediante licença da Câmara. Havia regras para o alinhamento e largura das ruas e calçadas, para o nivelamento das soleiras das portas, para a altura das casas e restrições à construção de degraus e escadas que desembocassem diretamente nas ruas. Também era vedado aos proprietários o depósito de materiais de construção em praças e vias públicas sem o consentimento da Câmara.

Apesar da delimitação do recinto da Vila, da existência de um traçado que deveria ser seguido e da demarcação de pontos referenciais como as Praças da Igreja e do Pelourinho, não havia uma planta que retratasse as ruas e terrenos existentes, o que dificultava os trabalhos do arruador e do fiscal da Câmara.
Em 17 de setembro de 1829, por sugestão do vereador Manoel Álvares dos Santos Pessoa, foi remetido ofício ao Presidente da Província solicitando a confecção de uma planta por engenheiro competente.

As atas das sessões ordinárias da Câmara de 12 de janeiro, 10 e 13 de abril de 1850 registram que os vereadores ainda estavam aguardando a planta encomendada ao engenheiro da Comarca, João Martinho Buff, para dar solução a inúmeros requerimentos de pessoas solicitando licença para construir em seus terrenos.

A ata de 4 de maio de 1850 registra, finalmente, o recebimento da primeira planta e o correspondente livro de cadastro dos proprietários de terrenos da Vila Nova de São João da Cachoeira, elaborados pelo engenheiro João Martinho Buff. A planta e o cadastro registram 422 terrenos, sendo 173 edificados e 249 desocupados:


“Foi presente a esta Câmara a Planta e Cadastro desta Vila, remetida pelo Engenheiro da Comarca João Martinho Buff, e exige a quantia de 4$500 réis, importância da despesa feita com os utensílios para a mesma Planta. A Câmara ficou inteirada e resolveu que dita Planta fosse arquivada assim como o
Cadastro dela e que se ordenasse ao procurador da Câmara que pague ditas despesas e que se leve ao conhecimento de S. Excia. o Presidente da Província o recebimento da dita Planta e Cadastro...”

Para a distribuição correta dos terrenos, Buff traçou os limites da Vila, destacando os terrenos da Praça do Pelourinho (atual José Bonifácio), delimitado desde 1830, o da Praça da Igreja (atual Balthazar de Bem) e o da Praça de São João, onde mais de meio século depois seria erguido o Hospital de Caridade. O engenheiro registrou cada propriedade a partir da apresentação dos títulos pelos proprietários, lançando-os simultaneamente em um livro cadastro. No livro, além do nome do proprietário, foi registrada a data da concessão ou aquisição do terreno, a autoridade que concedeu os títulos, a sua localização, medidas e a observação de edificado ou não.

As Posturas Municipais do ano de 1862 determinavam que o alinhamento, largura e nivelamento das ruas seguissem o arruamento marcado na planta de Buff. Sua confecção permitiu ainda determinar os terrenos devolutos destinados para a construção de edifícios públicos, impedindo sua concessão a particulares.
           
Mas quem foi João Martinho Buff?

Johann Martin Buff - Defender

João Martinho Buff, nome aportuguesado de Johann Martin Buff, nasceu em Rödelbhein, próximo a Frankfurt, na Alemanha, em 8 de maio de 1800. Era filho de Josef Ludwig Buff. Contratado pelo Império do Brasil para integrar o 28.º Batalhão de Caçadores Alemães, denominados por D. Pedro II como os “Diabos Brancos”, participou do combate à Confederação do Equador, em Recife. Quando deu baixa no batalhão, Buff fixou-se em Rio Pardo, onde casou com Josefina de Melo Albuquerque, em 12 de julho de 1830, dedicando-se à engenharia e agrimensura. O casal teve três filhas.
           
Em 1851, foi nomeado diretor da Colônia de Santa Cruz, ocupando-se da medição de terras e da instalação de vários colonos.

De seu conjunto de obras constam: plantas de Rio Pardo e Cachoeira, projetos de construção da ponte do Couto, do Jacuí e do Botucaraí (Ponte de Pedra) e da antiga Escola Militar de Rio Pardo, hoje Centro Cultural Regional de Rio Pardo.

João Martinho Buff faleceu, aos 80 anos, em Rio Pardo.

Esta postagem é uma homenagem ao quadro de servidores do Museu Municipal de Cachoeira do Sul - Patrono Edyr Lima - de ontem e de hoje. O valioso trabalho iniciado por Lya Wilhelm frutificou!