Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A Matriz de uma torre só

Em seus 220 anos de existência, completados em 30 de setembro de 2019, a Igreja Matriz foi, inicialmente, sendo construída em partes e modificada numerosas vezes. Certamente se nos fosse dada a possibilidade de voltar no tempo, com os olhos de hoje não reconheceríamos a sua estampa!

No ano da graça de 1854, a Igreja ostentava uma torre só. Apesar de ser considerada então uma das maiores e mais bem construídas igrejas da província, faltava-lhe uma torre, existindo só a que ficava do lado Norte. O padre e os fiéis ansiavam pelas duas torres e viviam em campanhas para arrecadar os recursos necessários. Muitas vezes também apelaram às autoridades, no sentido de obterem algum suporte para levar adiante a ideia de tão necessária obra.

Em 9 de agosto de 1854, um ofício remetido à Câmara pelo engenheiro civil da província, Frederico Heydtmann*, informava quais as etapas e os orçamentos para construção da torre Sul da Igreja Matriz. Tal documento, que integra o acervo do Arquivo Histórico, diz o seguinte:

CM/OM/Orçamentos - Caixa 11 - 9/8/1854
- Acervo documental do Arquivo Histórico

De posse do Offiçio de V.V. S.S.ª datado de 11 de Janeiro do corrente anno, no qual me pedem envie a Commissão dos melhoramentos da Igreja Matriz desta Villa, o Orçamento para levantar huma Torre na mesma Igreja. Tenho de participar-lhes que junto acharão o Orçamento da dita Obra e igualmente a planta da Torre que lhes restituo cujo Orçamento. Julguei assertado fazel-o em trez secções, pela rasão de que, quando a Ill.mª. Commissão achar mais conveniente não edificar a obra acima dita em huma só vez Mandal-a fazer  por partes como está designado no mesmo Orçamento
Deus Guarda a V.V.S.S.ª
Villa da Cachoeira 9 de Agosto de 1854
Illm.ºs Senres. Presidente  e mais Veriadores
da Camara Municipal da Villa da Cachoeira
Frederico Heydtmann
Engenheiro Civil da Prov.ª

(CM/OM/Orçamentos-Caixa 11)

Primeira parte do orçamento de Frederico Heydtmann
- CM/OM/Orçamentos - Caixa 11

Na primeira parte do orçamento, constam as despesas e os materiais necessários para a obra que devia principiar pela abóbada que havia por cima da pia do batismo. Percebe-se com clareza que parte era esta em razão de que até hoje a Catedral preserva o espaço do batistério, localizado abaixo da torre Sul. O engenheiro recomendava que fosse construído um telhado provisório de maneira que esgotasse as aguas das chuvas pelas janelinhas da torre. 

Para desmanchar o telhado existente à época, levantar andaimes e construir o telhado provisório seria necessária a contratação  de quatro carpinteiros, dois pedreiros e quatro serventes. A obra também exigiria colocar traves de ferro nas paredes existentes para a sua segurança e a construção de uma cúpula, cujo trabalho era de maior exigência. No cimo da torre, o projeto previa a colocação de huma cruz com bandeira e uma bola de folha de cobre com pintura e dorado.

Igreja Matriz com as duas torres - Fototeca Museu Municipal

Um detalhe que chama a atenção no orçamento do engenheiro era o cuidado com a confecção dos andaimes, com indicação do material adequado para impedir muitas desgraças, que podem acontecer caindo o andaime. Um destes cuidados era o emprego da verdadeira piasaba para amarrar os andaimes.

Torres da Igreja Matriz - Fototeca Museu Municipal

O orçamento total da obra importou em 10 contos novecentos e vinte e seis mil e duzentos e sessenta réis.

Última parte do orçamento - CM/OM/Orçamentos - Caixa 11
- Acervo documental do Arquivo Histórico

Sobre a planta que acompanhava a documentação do engenheiro não há notícia. Em algum momento do percurso temporal ela desapareceu. Também ainda não foi descoberto o ano em que a torre Sul foi construída. 

É importante ressaltar que a Igreja Matriz, hoje Catedral, apesar do tanto de interferências que sofreu, ainda consegue revelar em suas paredes mais do que bicentenárias alguns traços da sua originalidade. Quanto às histórias de fé que resguarda, são tantas quanto o número de fiéis que contou desde 30 de setembro de 1799.

* Friedrich Heydtmann: natural de Hamburgo (1802), Alemanha, ele deve ter vindo para o Brasil na companhia do irmão Karl Phillip e, na condição de colono, pois possuía lote de terras na estrada para Cima da Serra, região em que hoje está o município de Santa Cruz do Sul. Sua chegada em Porto Alegre deve ter se dado por volta de 1840. Dez anos depois participou de concorrência aberta pelo governo da província para modelos de projetos de cadeias, sendo contratado como engenheiro provincial. Dentre suas obras, em Cachoeira, constam as do porto da cidade e a construção da ponte sobre o arroio Santa Bárbara. (Günter Weimer, em Arquitetos e Construtores Rio-Grandenses na Colônia e no Império - Editora da UFSM, 2006). 

sábado, 7 de setembro de 2019

Uma casinha para nunca mais


A perda de um ícone da paisagem urbana é dolorosa. Mais dolorida é a constatação de que a insensibilidade do que tem valor intangível é ainda inatingível para muitos...

Casinha Scarparo - Foto Jornal do Povo

Apesar de não terem nenhuma proteção formal como patrimônio histórico, as Cinco Esquinas fazem parte da identidade visual da cidade e desenham um fluxo singular de construções e trânsito. E a marcar este quadrante estava a casinha em quinas ali plantada há, no mínimo, um século... Sua configuração arquitetônica, acompanhando os ângulos das esquinas, representava um traço cultural único e insubstituível.

Casinha em quinas - foto Renato F. Thomsen

Os tempos de hoje são urgentes. Os bólidos são mais importantes que as pessoas e suas tolas afetividades. E como eles, os bólidos, estamos sujeitos aos humores dos velozes e efêmeros tempos que vivemos. Nestes tempos não há espaço para saudosismos e memórias. Mas felizmente nem todos se quedam a estes tempos e lutam pelo que é permanente e imprescindível: a identidade cultural.

Demolição da casinha - 7/9/2019 - Facebook

Cinco esquinas 
encontraram-se hoje:
impotência, descalabro,
destruição, fatalidade
e a memória vilipendiada.

Poema do amigo Robson Alves Soares