Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

sábado, 24 de junho de 2017

Ossada humana pelas ruas

Há 50 anos, quando a Igreja Matriz passava por uma de suas mais radicais reformas, com grande retirada de material do templo, a Prefeitura Municipal resolveu aproveitar parte do entulho para encascalhar algumas das ruas sem calçamento. A questão é que o entulho estava cheio de um elemento para lá de bizarro: ossos humanos!

Ao terem início os trabalhos de encascalhamento, logo os moradores das ruas em obras se deram conta dos funestos resíduos e começaram as reclamações. O Jornal do Povo estampou, na primeira página de sua edição do dia 24 de setembro de 1967, a seguinte manchete: PREFEITURA ESTÁ DISTRIBUINDO OSSADA HUMANA PELAS RUAS. 

Eis o conteúdo da notícia:

A afirmação é verdadeira e tem gerado  inúmeras reclamações. Ocorre que a Prefeitura vem aproveitando o entulho retirado da Igreja Matriz, para encascalhar algumas ruas da cidade. E, como no local de nosso tradicional templo religioso já existiu um cemitério é natural a presença de ossos humanos entre o entulho que dali vem sendo retirado pelos caminhões da Prefeitura.
O que não é natural é que a ossatura humana venha sendo espalhada pelas ruas, ferindo a sensibilidade cristã do povo cachoeirense. O fato se torna tanto mais inconcebível num país como o nosso, de arraigados sentimentos religiosos, a ponto de se opor à política da cremação de cadáveres.
Enquanto os nossos clero, governo e legisladores se opõem obstinadamente à cremação, a Prefeitura, calcando sobre os pés toda uma gama de arraigados preconceitos, se encarrega de espalhar ossos humanos pelas ruas da cidade. (Coleção do Jornal do Povo – Acervo de Imprensa do Arquivo Histórico).

Praça Dr. Balthazar de Bem - década 1960 - Fototeca Museu Municipal

A notícia segue citando o caso de um açougueiro que morava a uma quadra da Avenida Brasil que, em razão da existência de ossos humanos nas proximidades de seu açougue, vinha perdendo a freguesia, que se recusava a adquirir carne em seu estabelecimento. Também um morador da Vila De Franceschi estava revoltado com o grande número de ossos humanos depositados em frente à sua residência.

A situação vivida em 1967 não foi a primeira do gênero. Em 1890, obra feita pela comissão administrativa do município, na Praça da Conceição (atual Praça Dr. Balthazar de Bem), causou inquietação nos moradores das redondezas, de forma que os membros da dita comissão solicitaram ao delegado de polícia, Olympio Coelho Leal, que ordenasse o emprego dos presos da cadeia na remoção da ossamenta. A grande quantidade de ossos que surgiu com as obras se devia ao fato de ter sido aquela praça, em tempos passados, parte do grande cemitério que rodeava a Igreja Matriz.


Olympio Coelho Leal - delegado de polícia

Antiga Igreja Matriz - Fototeca Museu Municipal

Como se vê, nossa história também oferece páginas bizarras!

domingo, 11 de junho de 2017

A maxambomba

Um curioso mecanismo instalado no antigo porto de Cachoeira atrai até hoje o interesse das pessoas: a maxambomba. Não só pelo nome estranho – e pouco usual – mas principalmente pelas funções que tal mecanismo desempenhava, assim como quem foi o engenhoso empreendedor de tal novidade.

Antes de tudo é necessário definir a origem da palavra maxambomba, uma corruptela do termo inglês machine pump. A maxambomba é um trole que serve para carga e descarga de mercadorias em uma embarcação. No caso da maxambomba de Cachoeira, a ideia de sua utilização era o de facilitar o carregamento e descarregamento de mercadorias vencendo o terreno em declive no trecho final da Rua Sete de Setembro, que desembocava no rio Jacuí.

O idealizador e responsável pela instalação da maxambomba foi o industrialista Jacob Scheidt, no ano de 1918. O jornal O Commercio (Cachoeira, 1900-1966) assim deu a notícia em 10 de abril daquele ano:

Desde a semana finda começou a trabalhar a maxambombam (máquina a vapor) que o operoso industrialista, nosso amigo Jacob Scheidt, mandou colocar à margem esquerda do Jacuí, próximo ao extremo sul da Rua Sete de Setembro. 

Como é sabido, a praia do Jacuí fica no extremo sul da Rua Moron, sendo a última quadra de um declive fortíssimo, trecho calçado de pedra bruta e que os carroceiros práticos denominaram de “mata-burro”, tal o sacrifício com que os animais vencem a subida, com a carroça carregada. Enquanto sobe, o carroceiro precisa observar, com a máxima atenção, se os animais estão todos puxando a um tempo, sob pena de se estragar, pelo excesso de esforço, um que esteja a forcejar isolado. Assim mesmo, com toda a cautela, os burros duram, no máximo, de três a quatro anos, quando trabalham ininterruptamente naquele ponto. Esse inconveniente ficou removido com o louvável empreendimento do Sr. Jacob Scheidt, pois no lugar em que está situada a maxambomba o barranco é alto (da altura da Rua Sete, naquele ponto). 

Grande concentração de carroças na subida do porto de Cachoeira
- foto reproduzida por Robispierre Giuliani


Vista do grande declive da rampa do porto - fototeca Museu Municipal

As cargas são puxadas do barranco do rio em carros que comportam de 30 a 40 sacos sobre dois trilhos e enquanto um carro sobe, cheio, vai descendo o outro, vazio, para carregar de novo. 

Além da casa para a máquina, o Sr. Scheidt mandou construir vastos armazéns para depósito de cargas, o que muito favorecerá o comércio e as indústrias locais. A montagem dos maquinismos e seus acessórios, bem como a construção dos armazéns já estavam construídos há meses, não tendo sido os trabalhos inaugurados antes, porque a falta de água não permitia a navegação no Jacuí. A inauguração desse serviço causou uma impressão muito agradável, e é de esperar que ao Sr. Scheidt não falte o apoio que bem merece a sua ideia progressista. (Extraído de O Commercio, 10/4/1918, acervo de imprensa do Arquivo Histórico).

A maxambomba foi administrada por Jacob Scheidt até novembro de 1919, quando a Companhia Jacob Becker, de navegação, com sede em Porto Alegre, adquiriu-a por 140 contos de réis. Além da maxambomba propriamente dita, entraram no negócio o terreno em que ela estava assentada e o armazém de madeira. Com a aquisição, a Companhia pretendia ampliar o armazém e fazer melhoramentos no plano inclinado, cujos suportes de madeira seriam substituídos por pilares ou arcos de alvenaria, com cobertura em todo o percurso do trilho, de modo que o trabalho não necessitasse ser interrompido com o mau tempo.

Há um filme retratando Cachoeira na década de 1930 que mostra a maxambomba em funcionamento. Confira no link a seguir.