Os organismos que tratam de
patrimônio cultural preconizam que para um bem ser considerado como tal é
necessário que a sua conservação seja de interesse público, ou seja, coletivo.
Pois o Paço Municipal se enquadra perfeitamente nesta definição desde 1985,
quando foi declarado como patrimônio histórico-cultural do município, condição
reiterada recentemente quando 1.478 cachoeirenses preocupados com o estado de
abandono do prédio clamaram pela sua restauração através de um abaixo-assinado.
Outros milhares certamente pensavam da mesma forma, apesar de não terem aposto
sua assinatura no documento.
Paço Municipal - foto Cristina da Gama Mór |
Vencidas
todas as difíceis etapas que precederam o restauro e mesmo as que o
acompanharam, o grupo que lidera o Movimento Pró-Restauração do Paço Municipal,
apesar dos seus esforços e da liderança que assumiu frente à comunidade e junto
ao Executivo, se depara agora com disputas em torno da ocupação do bem
restaurado. Antes, quando o prédio estava quase em ruínas, muitas das vozes que
agora desejam ocupar seus belos salões foram contrárias ao investimento na obra
de recuperação ou ignoraram o processo. Como equalizar estas questões e agregar ao espaço o valor que
ele realmente merece depois de ter vivenciado o abandono, o descaso e quase a
ruína, respeitando a condição de bem de interesse coletivo?
Parte do grupo do Movimento pró-restauro do Paço - foto Renato F. Thomsen |
Voltemos
no tempo. Entre 1861 e 1864, anos de execução da obra, sob o comando do
empreiteiro/construtor Ferminiano Pereira Soares, cujo rosto é desconhecido,
mas a obra não, os esforços para levar a cabo a edificação foram muitos. E
muitas também as colaborações espontâneas, história que ora se repete. Naquele
tempo, alguns dos vereadores, a começar pelo próprio Ferminiano, também
vereador, deram parcelas de contribuição condizentes com suas funções e posses.
Ferminiano, proprietário da casa que servia para sessões da Câmara, livrou-a do
aluguel enquanto a obra da Casa de Câmara, Júri e Cadeia corresse. Por longos
quatro anos Ferminiano não recebeu os valores a que tinha direito pela cessão
da sua casa para que os cofres da Câmara pudessem suportar as despesas da
construção que lhe eram atribuídas. Da mesma forma o médico e também vereador
Juvêncio Cardoso da Cunha deixou de cobrar da Câmara os seus serviços de
atendimento aos doentes pobres, assim como fez gratuitamente todas as “bolas”
para matar os cães vadios! Outros adquiriram materiais resultantes das
demolições de casas que ocupavam o terreno onde o Paço foi construído. Como se
vê, a gênese do Paço é um exemplo de desprendimento em prol do interesse coletivo. 150 anos depois a
história, simbolicamente, se repete: os cidadãos envolvidos com o movimento
pró-restauro emprestam seu conhecimento técnico, sua boa vontade e liderança
para verem o velho casarão recuperado em sua beleza e glória. Concluída a obra,
é justo que se sintam no direito e na razão de colaborarem e opinarem nas
discussões para sua ocupação.
Situemo-nos
geográfica e historicamente. O Paço foi construído em terreno fronteiro à
Igreja Matriz, na esquina da então rua denominada simplesmente Travessa, no
caminho que levava ao arroio Amorim, no lado direito do Teatro “velho”. O poder
eclesiástico e o poder civil frente a frente. Enquanto a Câmara não tinha a
casa para suas sessões, tampouco o júri e a cadeia, a Igreja servia, muitas
vezes, como palco e cenário para acontecimentos da vida política e
administrativa. Ainda que com suas diferenças e especificidades, a história
aproximava e unia as duas edificações. Até que no primeiro quartel do século XX
os avanços sanitários dotaram o cenário dominado pela Igreja e pela
Intendência, que era como o Paço então era chamado, de um monumento ao mesmo tempo
utilitário e de embelezamento: o Château d’Eau. Pois estes três elementos, circundados por uma praça
que se formou e aformoseou o local, tornaram-se um dos mais emblemáticos e
imponentes espaços urbanos do Rio Grande do Sul, constituindo o nosso centro
histórico.
Praça Dr. Balthazar de Bem fronteira ao Paço - foto Renato F. Thomsen |
O
Paço a um passo da ocupação: posicionemo-nos. Considerando que a Praça Dr.
Balthazar de Bem conjuga três elementos distintos (Catedral, Château d’Eau e
Paço) em seus diferentes momentos históricos e funções, todos eles fundamentais para
contarem a evolução municipal, e apresenta características arquitetônicas
únicas e ao mesmo tempo distintas, sem similares, é imperativo que o Paço seja
ocupado por uma instituição cultural que fomente o diálogo entre todos os
elementos da praça, conjugando-os em informações histórico-turísticas. Esta
instituição cultural é o Museu Municipal de Cachoeira do Sul, cuja história tem
se pautado em valorizar os feitos e acontecimentos locais e, dentre
valorizá-los, ressaltá-los e difundi-los, conectá-los com os espaços que ainda
guardam resquícios históricos.
Convençamo-nos
que a cultura local e os bens patrimoniais ainda preservados são um tesouro
pouco explorado em Cachoeira do Sul. Desperdiçar o potencial da Praça Dr.
Balthazar de Bem, ocupar o Paço com setores da administração municipal que podem seguir onde estão e
condenar o Museu Municipal ao fechamento pelas deficiências estruturais de sua
sede é cerrar as portas para a oportunidade de fruição dos bens que diferenciam
e, ao mesmo tempo, dignificam o legado histórico do quinto município mais
antigo do Rio Grande do Sul.
Cento histórico - foto Renato F. Thomsen |
Defendamos a oportunidade de tornar o nosso centro histórico um centro de referência e de atração de divisas e dividendos. Museu
no Paço já! Esta é a melhor forma de vincular ao prédio a sua prerrogativa de bem de interesse coletivo. E não esqueçamos de recuperar a linda casa que ocupa o centro do Parque Municipal da Cultura e talvez almejar para ela, num futuro bem próximo, que sedie a Secretaria Municipal de Cultura e conselhos afins.