Em algum momento da história de Cachoeira do Sul o senso de coletividade foi perdido. Pautas importantes para a cidade não têm hoje a importância que teriam para gerações passadas. Certamente vários fatores contribuíram para o arrefecimento da união, com claro prejuízo ao desenvolvimento municipal. Tal constatação se torna mais realista quando vemos desaparecer um cidadão que talvez tenha sido uma das últimas lideranças imbuídas do espírito da coletividade, do bem comum e não apenas das vantagens individuais: Dr. Julio Cezar Mandangaran Caspani.
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Dr. Julio Cezar Mandagaran Caspani - Acervo familiar |
Nossa história tem vários exemplos de união em torno de interesses que se tornariam importantes para o conjunto de cidadãos. Um dos mais expressivos é certamente o de criação e instalação do Hospital de Caridade, ideia que foi lançada pelo advogado Ernesto Barros, em 1903, e que conquistou e segue conquistando toda a cidade. É o HCB a maior prova da capacidade coletiva do povo cachoeirense.
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Hospital de Caridade e Beneficência - foto Renato Thomsen |
Outro exemplo foi a iniciativa tomada em 1912 por industriais, comerciantes e poder público no intuito da construção de uma ponte que permitisse a travessia do rio Jacuí, uma vez que a ponte construída no passo geral do mesmo rio não existia mais desde o final do século XIX. A obra sonhada em 1912, que só aconteceria a partir da década de 1950 e resultaria na Ponte do Fandango, beneficiou e segue beneficiando, indistintamente, tanto o empresário, o produtor, quanto os cidadãos comuns que necessitam dela para seus deslocamentos.
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Ponte do Fandango - foto Jorge Ritter |
Entidades foram, por muito tempo, carreadoras de ideias que beneficiavam a comunidade, mas parece que até elas se fecharam em torno dos interesses de sua representação, de forma que vivemos em um mundo corporativista e, portanto, excludente ao invés de ser inclusivo e coletivo.
Em 1935, problemas na viação férrea, responsável pelo principal meio de transporte da época, juntamente com o fluvial, provocou reação da Associação Comercial de Cachoeira, antecessora da CACISC - Câmara de Agronegócio, Comércio, Indústrias e Serviços. Por conta da falta de transporte para o arroz, então o principal produto da economia cachoeirense, o presidente da Associação Comercial, Júlio Castagnino, enviou telegrama à Federação da Associação Comercial, em Porto Alegre. O presidente, representando seus pares, solicitava intervenção junto ao diretor de tráfego da Viação Férrea para o fornecimento imediato de nove carros previamente solicitados à estação local para carregamento de arroz destinado ao Paraná. A demora no transporte, segundo justificava Júlio Castagnino, prejudicava o comércio do arroz cachoeirense que sofria concorrência dos produtores paulistas, além da ameaça dos destinatários de anularem as compras.
Por outro lado, também em função do mesmo problema com a viação férrea, uma comissão da Associação dos Varejistas, de olho na possibilidade da criação da estrada de ferro Pelotas - Cachoeira, que faria da nossa cidade ponto terminal da linha férrea que ligaria o porto de Rio Grande ao centro do estado, dirigiu-se ao comandante da guarnição local, autoridade no assunto. Ernesto Pertille Filho, presidente da Associação dos Varejistas, acompanhado de Orlando da Cunha Carlos, Patrício de Albuquerque, Pedro Bopp e Jacy Bidone saíram com a resposta de que o comandante estava à disposição para colaborar nos estudos do assunto.
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Largo da Estação Ferroviária - MMEL |
A história mostra que as demandas de 1935 não se concretizaram a pleno. Os problemas com o transporte ferroviário persistiram, ainda que por este meio muita riqueza tenha sido levada e trazida, culminando com a sua paulatina substituição pelo transporte rodoviário. Quanto à linha Cachoeira - Pelotas, também ficou apenas no campo das ideias. Se tivesse se concretizado certamente o panorama teria sido outro e, quem sabe, até sustentasse por mais tempo as linhas de trens que atravessavam e uniam o país.
Outras causas ganharam grupos diversos, algumas vencedoras, como o estabelecimento da UERGS, da UFSM e a união de cidadãos em torno da preservação de bens culturais, como a Ponte de Pedra e o Paço Municipal, para citar movimentos mais recentes.
UERGS Cachoeira do Sul - foto Renato Thomsen |
UFSM - Campus Cachoeira do Sul - foto Renato Thomsen |
E agora, pelo transcurso da 25.ª FENARROZ, maior evento que o município organiza e que só acontece porque há união de cidadãos a seu favor, somos convidados, como comunidade, a unir esforços para torná-la grande e reconhecida novamente. Se quisermos o seu fortalecimento e retomada de protagonismo na área orizícola, se buscamos o desenvolvimento e o fortalecimento de nossa economia, cultura e sociedade teremos que pensar como conjunto, pois só assim realizaremos o que almejamos. Inspiremo-nos no exemplo do Dr. Caspani, sempre otimista e disposto a abraçar causas que visavam o bem comum.