Espaços urbanos

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Ponte do Fandango - foto Robispierre Giuliani

domingo, 27 de setembro de 2015

Um ditador em Cachoeira

Calma, leitor! Cachoeira não está sob o jugo de nenhum ditador ou mandatário absolutista! Trata-se apenas de uma gostosa crônica, um delírio de um escriba do Jornal do Povo lá da década de 1930, publicada na edição de 26 de maio de 1935. Assinando apenas com as iniciais O. M., quem seria este sonhador? 

80 anos depois, qualquer semelhança com a realidade pode ser mera coincidência...

Uma noite destas, não sei por que cargas d’água, sonhei que era dono de Cachoeira. Mas não se assustem: foi um simples sonho...

Imaginem vocês, eu era senhor de baraço e cutelo desta encantadora Noiva do Jacuí. Fazia tudo o que entendia, mandava e desmandava ao meu gosto; um ditador, enfim. Vão tomando nota do que fiz:

Em primeiro lugar, baixei um decreto desterrando para o Chaco, que é hoje o inferno dos vivos, essa megera que se chama Dona Politicagem. Expulsa esta, chamei à minha presença todos os homens de valor residentes em Cachoeira, e disse-lhes: doravante eu quero, eu exijo, a bem do presente e do futuro desta terra, que todos se deem as mãos, que sejam amigos e que, unidos pelo amor a Cachoeira, trabalhemos todos pelo seu progresso, dotando o nosso município de tudo o que ele necessita.

A princípio encontrei uma certa dificuldade, pois nem todos estavam dispostos a esquecer as antigas rivalidades. Mas como eu era poderoso e sabia querer, consegui, por fim, o que desejava. Removida a primeira pedra, tratei de pôr em execução o meu programa, que foi o seguinte:
1º - A edificação imediata, em lugar apropriado, de um prédio condigno para o Hospital de Caridade*, acabando de uma vez com a pendenga “deve ser aqui”, “deve ser ali”, “deve ser acolá”... O Dr. Garcia foi o meu braço forte nessa parte do programa.

Dr. Garcia - José Félix Garcia
- Fototeca Museu Municipal

2º - A construção do Teatro Cachoeirense. Cerquei o Comassetto de todas as garantias e, num “upa” levantou-se o novo prédio, amplo, elegante, dotado de todos os requisitos para uma casa de gênero. O local foi aproveitado ali onde está instalado o Hotel América, propriedade do nosso incomensurável Comassetto. Ficou um colosso! Prédio de três andares: o primeiro, um grande e artístico salão para o cinema e representações teatrais, o 2º e 3º, para hotel, com confortáveis apartamentos. Cachoeira vibrou de contente!
3º - Adquiri uma “viúva alegre” para condução de presos. Foi um sucesso! O major Cacílio ficou radiante. Não queria outra vida!
4º - Mandei ajardinar todas as nossas praças. Com auxílio particular, sem ser preciso gastar um vintém dos cofres públicos, consegui que as famílias tomassem a seu cuidado a construção dos canteiros de flores e a sua conservação. Olhem, era um encanto: cada família porfiava em suplantar a outra, no cuidado do canteiro que lhe pertencia.
5º - Instalei uma oficina de arte e ofício, para cuja construção aproveitei-me do madeiramento do venerando barracão do ex-cinema “Coliseu”. Nessa oficina encerrei todos os menores vagabundos de Cachoeira, esses que, à noite, andam quebrando globos de luz elétrica das ruas e logradouros públicos da cidade.

Rua 7 de Setembro - barracão do Coliseu Cachoeirense, à esquerda na foto
- Fototeca Museu Municipal
6º- Acabei com a cachorrada da Rua Saldanha Marinho**. 
7º - Mandei reajardinar a outrora belíssima Praça Borges de Medeiros, criando ali um parque de ginástica para crianças pobres e ricas enrijecerem os seus pulmões.
8º - Aos distritos, dei o que a estes sempre bastou: escolas, estradas, policiamento e justiça.
9º - À Justiça dei o que esta nunca teve em nossa terra – uma casa.
10º - Acabei com aquela maldita polvadeira da Rua Júlio de Castilhos. De acordo com os comerciantes e particulares daquele principal setor do comércio local, fiz construir uma faixa de cimento ali, liquidando de vez com o flagelo do pó. As despesas foram repartidas. Ninguém estrilou.
11º - Dei uma cacetada na cabeça do dragão – o jogo. O bicho gemeu, gemeu, mas não morreu de todo. Contudo, diminuiu um pouco o seu poder maléfico. O Salomão, de raiva, mandou raspar as suas respeitáveis barbas, no que muito aproveitou, pois ficou mais bonito. O povo agradecido fez-me uma manifestação igual àquela que foi feita ao “Tio Luiz” no dia dos seus anos.
**
*
Ah! Mas o melhor vocês não sabem! O meu lindo sonho reformador eu o terminei dentro da “viúva alegre”, rumo ao Hospício São Pedro, amavelmente conduzido pelo meu muito prezado amigo major Cacílio. Acabei com todos os que se metem a reformar alguma coisa neste mundo...
O. M.
(Jornal do Povo, Cachoeira, Ano VI, Nº 95, 26 de maio de 1935, p. 1). 

*Hospital de Caridade: o primeiro prédio já não atendia mais à demanda e o sonho de erguer um segundo prédio só iria ser concretizado em 1940.

** Rua Saldanha Marinho: chamada popularmente, durante muito tempo, por Rua dos Cachorros.

2 comentários:

  1. O coliseu, ex-cinema, novamente cinema e agora apenas a fachada de um tempo de glórias, como hoje, já naquelas priscas eras os vândalos desocupados depredavam o bem público, hoje picham o que encontram, adorei essa postagem, alegre, descontraída, é bom descer ao Playground como diz nossa amiga comum a Andréa Mostardeiro.Obrigado !

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    1. Verdade, Hugo. Mudam os tempos, só não mudam os homens...

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