Calma, leitor! Cachoeira não está sob o jugo de nenhum ditador ou mandatário absolutista! Trata-se apenas de uma gostosa crônica, um delírio de um escriba do Jornal do Povo lá da década de 1930, publicada na edição de 26 de maio de 1935. Assinando apenas com as iniciais O. M., quem seria este sonhador?
80 anos depois, qualquer semelhança com a realidade pode ser mera coincidência...
Uma
noite destas, não sei por que cargas d’água, sonhei que era dono de Cachoeira.
Mas não se assustem: foi um simples sonho...
Imaginem vocês, eu era senhor de
baraço e cutelo desta encantadora Noiva do Jacuí. Fazia tudo o que entendia,
mandava e desmandava ao meu gosto; um ditador, enfim. Vão tomando nota do que fiz:
Em primeiro lugar, baixei um decreto
desterrando para o Chaco, que é hoje o inferno dos vivos, essa megera que se
chama Dona Politicagem. Expulsa esta, chamei à minha presença todos os homens
de valor residentes em Cachoeira, e disse-lhes: doravante eu quero, eu exijo, a
bem do presente e do futuro desta terra, que todos se deem as mãos, que sejam
amigos e que, unidos pelo amor a Cachoeira, trabalhemos todos pelo seu
progresso, dotando o nosso município de tudo o que ele necessita.
A princípio encontrei uma certa
dificuldade, pois nem todos estavam dispostos a esquecer as antigas
rivalidades. Mas como eu era poderoso e sabia querer, consegui, por fim, o que
desejava. Removida a primeira pedra, tratei de pôr em execução o meu programa,
que foi o seguinte:
1º - A edificação imediata, em lugar
apropriado, de um prédio condigno para o Hospital de Caridade*, acabando de uma
vez com a pendenga “deve ser aqui”, “deve ser ali”, “deve ser acolá”... O Dr.
Garcia foi o meu braço forte nessa parte do programa.
Dr. Garcia - José Félix Garcia - Fototeca Museu Municipal |
2º - A construção do Teatro
Cachoeirense. Cerquei o Comassetto de todas as garantias e, num “upa”
levantou-se o novo prédio, amplo, elegante, dotado de todos os requisitos para
uma casa de gênero. O local foi aproveitado ali onde está instalado o Hotel
América, propriedade do nosso incomensurável Comassetto. Ficou um colosso! Prédio
de três andares: o primeiro, um grande e artístico salão para o cinema e
representações teatrais, o 2º e 3º, para hotel, com confortáveis apartamentos.
Cachoeira vibrou de contente!
3º - Adquiri uma “viúva alegre” para
condução de presos. Foi um sucesso! O major Cacílio ficou radiante. Não queria
outra vida!
4º - Mandei ajardinar todas as
nossas praças. Com auxílio particular, sem ser preciso gastar um vintém dos
cofres públicos, consegui que as famílias tomassem a seu cuidado a construção
dos canteiros de flores e a sua conservação. Olhem, era um encanto: cada família
porfiava em suplantar a outra, no cuidado do canteiro que lhe pertencia.
5º - Instalei uma oficina de arte e
ofício, para cuja construção aproveitei-me do madeiramento do venerando
barracão do ex-cinema “Coliseu”. Nessa oficina encerrei todos os menores
vagabundos de Cachoeira, esses que, à noite, andam quebrando globos de luz
elétrica das ruas e logradouros públicos da cidade.
Rua 7 de Setembro - barracão do Coliseu Cachoeirense, à esquerda na foto - Fototeca Museu Municipal |
6º- Acabei com a cachorrada da Rua
Saldanha Marinho**.
7º - Mandei reajardinar a outrora
belíssima Praça Borges de Medeiros, criando ali um parque de ginástica para
crianças pobres e ricas enrijecerem os seus pulmões.
8º - Aos distritos, dei o que a
estes sempre bastou: escolas, estradas, policiamento e justiça.
9º - À Justiça dei o que esta nunca
teve em nossa terra – uma casa.
10º - Acabei com aquela maldita
polvadeira da Rua Júlio de Castilhos. De acordo com os comerciantes e
particulares daquele principal setor do comércio local, fiz construir uma faixa
de cimento ali, liquidando de vez com o flagelo do pó. As despesas foram
repartidas. Ninguém estrilou.
11º - Dei uma cacetada na cabeça do
dragão – o jogo. O bicho gemeu, gemeu, mas não morreu de todo. Contudo,
diminuiu um pouco o seu poder maléfico. O Salomão, de raiva, mandou raspar as
suas respeitáveis barbas, no que muito aproveitou, pois ficou mais bonito. O
povo agradecido fez-me uma manifestação igual àquela que foi feita ao “Tio
Luiz” no dia dos seus anos.
**
*
Ah! Mas o melhor vocês não sabem! O meu lindo
sonho reformador eu o terminei dentro da “viúva alegre”, rumo ao Hospício São
Pedro, amavelmente conduzido pelo meu muito prezado amigo major Cacílio. Acabei
com todos os que se metem a reformar alguma coisa neste mundo...
O. M.
(Jornal do Povo, Cachoeira, Ano VI, Nº
95, 26 de maio de 1935, p. 1).
*Hospital de Caridade: o primeiro prédio já não atendia mais à demanda e o sonho de erguer um segundo prédio só iria ser concretizado em 1940.
** Rua Saldanha Marinho: chamada popularmente, durante muito tempo, por Rua dos Cachorros.
*Hospital de Caridade: o primeiro prédio já não atendia mais à demanda e o sonho de erguer um segundo prédio só iria ser concretizado em 1940.
** Rua Saldanha Marinho: chamada popularmente, durante muito tempo, por Rua dos Cachorros.
O coliseu, ex-cinema, novamente cinema e agora apenas a fachada de um tempo de glórias, como hoje, já naquelas priscas eras os vândalos desocupados depredavam o bem público, hoje picham o que encontram, adorei essa postagem, alegre, descontraída, é bom descer ao Playground como diz nossa amiga comum a Andréa Mostardeiro.Obrigado !
ResponderExcluirVerdade, Hugo. Mudam os tempos, só não mudam os homens...
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