Dos poetas espera-se lirismo, encantamento, palavras escolhidas para tocar o coração. Tristeza, alegria, amor, desencanto e todo tipo de sentimento pode servir de inspiração para estes seres que têm o dom de despertar em nós divagação e até estranhamento.
Alguns poetas (e aqui o termo é generalista) deixam um legado de amplo espectro. João do Adro é um deles. Mas quem é João do Adro? Era um jovem poeta que na igreja enamorou-se de uma moça. Um belo dia, encorajado pelo coração, escreveu-lhe um bilhete, assinando-o com o pseudônimo João do Adro. Deduz-se pelo apelido que o moço ficava em frente à igreja esperando por sua amada.
Nilo Fernandes Barbosa, o terceiro sentado à mesa - MMEL |
João do Adro era Nilo Fernandes Barbosa e a moça se chamava Marina.
Mas o interessante do pseudônimo João do Adro é que Fernandes Barbosa o utilizava quando escrevia sobre assuntos graves e sérios, tratando-os com linguagem mais severa e combativa. Os amores, galanteios, assuntos cotidianos e regionalistas eram assinados pelo Fernandes Barbosa.
Sobre ele mesmo e o seu pseudônimo, escreveu em 1968:
O Fernandes girondino
E João do Adro jacobino
Moram juntos, num galpão...
Basta um ser ofendido,
Para que os dois, sem partido,
Ergam a luva do chão!
Nilo Fernandes Barbosa nasceu em Rosário do Sul no dia 5 de fevereiro de 1912. Seus pais eram Antônio Fernandes Barbosa e Ana Rita Jacques Fernandes Barbosa. Veio para Cachoeira na infância, tendo aqui cursado o primário com professores de renome, como Alzira Carlos e Antonieta Gouvêa. Em 1929, foi um dos primeiros alunos a ser matriculado no Colégio dos Maristas, naquele ano instalado. Tinha 17 anos e era o mais velho dos alunos a ingressar no novo estabelecimento de ensino.
Depois do Colégio Marista seguiu para Porto Alegre, onde entrou no Colégio Militar. Sem vocação para a vida nas armas, iniciou-se por lá na literatura, escrevendo para uma revista do colégio. Foi o primeiro passo para rumar ao jornalismo, empregando-se como revisor do jornal Diário de Notícias.
De volta a Cachoeira, passou a trabalhar com Virgílio de Abreu e Mário Godoy Ilha, fundadores do Jornal do Povo, colaborando também com O Commercio, O Cachoeirense e o Correio do Povo, de Porto Alegre.
Para falar sobre a obra de Fernandes Barbosa é preciso, em primeiro lugar, falar sobre a fluência e a extrema habilidade com o uso das palavras. A qualidade de seus trabalhos e a pluralidade de temas redundaram em várias obras publicadas, quase todas às suas expensas, algumas delas premiadas em concursos literários promovidos pela revista Alterosa, de Minas Gerais, e do Globo, de Porto Alegre.
A vida do "Poeta", como ficou conhecido na cidade, ou João do Adro, como assinava vez ou outra, não era só de poesia. Aventurou-se na orizicultura e foi funcionário público municipal, tendo desempenhado o importante cargo de Diretor da Instrução Pública Municipal, correspondente hoje à Secretário de Educação, e dirigiu a Biblioteca Pública Municipal "Dr. João Minssen" por vários anos.
Quem o conheceu, certamente lembra de vê-lo postado à porta do Jornal do Povo, órgão da imprensa cachoeirense em que certamente mais publicou seus poemas. Dizem que o nível de exigência com a correção de seus escritos era tão grande, que muitas vezes ele se postava na redação, próximo ao linotipista, para conferir se não haveria troca nas letras ou qualquer erro em suas produções, o que não admitia e cobrava veementemente. Para entendimento dos que não viveram o tempo da composição manual das páginas, a figura do linotipista era a do funcionário do jornal que montava uma a uma as palavras até que a página estivesse completa. Uma trabalheira só!
Frutinha proibida foi a sua primeira obra (1938) e reúne poemas produzidos na juventude, especialmente no Colégio Militar. Depois veio Minhas flores de jacarandá (1944), revelando um poeta mais maduro, Os gatos e o remédio (1949), mais tarde Súplica ao Negrinho do Pastoreio (1959) e outras, como Sepé - o morubixaba rebelde, todas dignas de análise apurada pelo valor literário e estilístico.
Fernandes Barbosa casou com a moça que paquerava no adro da Igreja Matriz e com ela teve quatro filhos: Danton, Barnave, Ana Rita e Ana Maria. Faleceu em 10 de outubro de 1988, legando à cidade onde viveu uma obra riquíssima, especialmente a dispersa nos exemplares dos jornais e que merece ser resgatada, permitindo constatar o talento e a versatilidade do "Poeta" que andava sempre de terno, gravata, chapéu e óculos escuros, mantendo a fleuma e o porte daqueles que enxergam o mundo com a ótica da razão sem desprezar o que lhes vai no coração.
Nilo Fernandes Barbosa (1988) - Jornal do Povo |
Agradecimentos à Simone Fernandes Barbosa, neta, pela revelação do emprego do pseudônimo João do Adro.
Informações literárias em: O público e o privado na obra de Fernandes Barbosa, de Ellen dos Santos Oliveira. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras
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