Espaços urbanos

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Temporal no Centro Histórico - foto Francisco Nöller

domingo, 5 de abril de 2020

A maldita espanhola

Interessante pensar que às portas de seu bicentenário como município, Cachoeira está enfrentando novamente uma pandemia a exemplo da que viveu em 1920, ano de seu primeiro centenário. Era a pandemia da gripe espanhola. De janeiro de 1918, quando surgiram os primeiros casos, até dezembro de 1920, a gripe atingiu um quarto da população mundial, trazendo horror ao Brasil e também a Cachoeira.


Há 102 anos, gripe espanhola paralisou o Brasil - Migalhas Quentes
Enfermaria com infectados pela gripe espanhola no Rio de Janeiro - www.migalhas.com.br
Como hoje, as medidas daquela época reduziram a circulação das pessoas e fizeram sérias restrições ao comércio, aos encontros sociais e aos cultos religiosos. As pessoas circulavam com máscaras, recurso recomendado para não propagação do vírus.

Mulheres usando máscaras - www.osdivergentes.com.br

Em Cachoeira, logo que os primeiros casos começaram a ser conhecidos, o intendente Francisco Gama tomou medidas de ordem sanitária, com recomendações de que a população mantivesse limpas as casas e os quintais. 

Por determinação do estado, os colégios foram fechados e os doentes pobres deviam receber medicamentos gratuitamente. O Hospital de Caridade colocou todos os seus leitos a serviço dos doentes da gripe, o que não foi suficiente para a demanda. Os médicos se revezavam nos atendimentos domiciliares, havendo registros de grande acúmulo de pacientes para Milan Kras, Sílvio Scopel, Marajó de Barros, Augusto Priebe e Balthazar de Bem. A correria era tanta para estes profissionais que eles praticamente aboliram o uso de casacos e chapéus, pois vesti-los era perda de tempo diante do número de infectados a serem atendidos. O padre Luiz Scortegagna, vigário da Igreja Matriz, chegou a oferecer o salão do Império do Divino Espírito Santo para servir de hospital, o que não chegou a ser feito.

Médicos Augusto Priebe (em cima), Sílvio Scopel, Balthazar de Bem e Milan Kras

Dentre os que contraíram a espanhola, estavam Cyro da Cunha Carlos e sua esposa Zoé, o dentista e fotógrafo Benjamin Camozato e João Antônio Möller, da redação do jornal O Commercio. Destes, foi vítima fatal a esposa de Cyro, de 25 anos. O casal havia celebrado o casamento poucos meses antes da morte dela. 

Cyro da Cunha Carlos, um dos infectados e sobreviventes da gripe espanhola
(foi prefeito de Cachoeira entre 1939 e 1946)

Com o passar do tempo, a escassez de medicamentos foi se tornando um drama para o corpo médico local que, no final de 1918, havia atendido cerca de 700 doentes, contando 29 óbitos e 3.000 pessoas contagiadas. Na zona colonial, restava o uso de chás de sabugueiro, aipo e laranjeira, uma vez que os médicos mal conseguiam dar conta dos atendimentos na cidade.


Em relatório enviado ao Dr. Borges de Medeiros, presidente do estado, o Dr. Balthazar de Bem referiu que havia muitas pessoas circulando pelas ruas de Cachoeira com a fisionomia emagrecida, denotando um estado de fraqueza que predispunha o organismo à instalação de outras moléstias, como a tuberculose, constituindo-se em causa de séria preocupação às autoridades. 

Foi durante a pandemia da gripe espanhola que as irmãs enfermeiras, da Congregação de Santa Catarina, foram trazidas para o hospital de Cachoeira, tendo sido importantíssimas como reforço profissional ao tratamento dos infectados.



O ano de 1919 trouxe o recrudescimento da gripe espanhola em Cachoeira, como de resto em todo o país. Em 1920, os casos tinham praticamente desaparecido. Mas por um longo tempo, quando o assunto era epidemia, o horror da espanhola era relembrado, com suas vítimas e consequências funestas na economia e na vida das pessoas. 


Assim como a gripe espanhola foi uma variação do vírus influenza, agora em 2020 o velho e conhecido coronavírus se apresenta com a Covid-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019), nome atribuído à nova moléstia por ele causada. Decreto de pandemia pela Organização Mundial de Saúde, baixas significativas em vários países e medidas restritivas de toda ordem têm posto o mundo inteiro em situação de emergência e de isolamento social. Quais serão as consequências disto tudo? O tempo dirá.

A História é uma senhora de respeito, mas mantém o velho hábito de se repetir.

8 comentários:

  1. Como faco pra compartilhar em minnha pag🙏🙏🙏

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  2. Ao pé da postagem estão os ícones dos canais disponíveis para isto. É só escolher e clicar. Outra opção é copiar o link da postagem e colar na tua página.

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  3. Na forma habitual, didática e lúcida, muito obrigado !

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  4. Tenho mesmo refletido nas repetidas lições que a história nos traz como destaca a sua crônica. Excelente crónica que me emocionou em especial pois sou bisneta de Francisco Gama, neta de sua filha Silvia. Abs

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  5. Como nao achei outro lugar, gostaria de usar este espaço para parabenizar pelo excelente blog que motivou, no mínimo, 3 horas de leitura corrida, as mais fascinantes. Espero poder ler mais e mais, aguardo ansiosa. Obrigada!!

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    1. Muito obrigada! A proposta do blog é justamente esta: despertar o interesse das pessoas para a nossa rica história. Gostaria de saber o seu nome. Abraço.

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