"A PESTE
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Ligeiros comentários
Por um verdadeiro prodígio de equilíbrio mantém-se ainda de pé, à Rua 7 de Setembro, esquina da Travessa Ramiro Barcellos, desta cidade, uma das mais antigas casas de Cachoeira, propriedade hoje do distinto médico, nosso ilustre conterrâneo, Dr. Pereira da Silva.
A propósito dos últimos e recentes casos de peste ocorridos entre nós, resolveu com muito acerto a autoridade sanitária, de comum acordo com a administração municipal, proceder à queima de algumas casas velhas e, para o sacrifício, foi apontada dentre elas a do Dr. Pereira.
Em se tratando de um prédio antiquíssimo há tempos desabitado e em ruínas quase, lembrou-se alguém de cognominá-lo, aliás com muita precisão, de pardieiro suspeito.
A zombeteira classificação, inserta em um telegrama do Correio do Povo não satisfez ao Dr. Pereira que em carta dirigida ao mesmo jornal mostrou-se agastado com o ridículo lançado à sua rica casinha, relíquia de um passado distante que ele não consentiu que fosse reduzida a cinzas pelo fogo. Coisa de tanta valia não feita para ser queimada.
A casa do Dr. Pereira, além do custo dos materiais antigos, de puro cerne de que foi construída, tem ainda o seu valor histórico que não pode e não deve ser esquecido. Ela serviu para hospedar em tempos idos pessoas de grande destaque no meio monárquico brasileiro. Foi habitada e era frequentada, em princípios do século passado, por gente da elite cachoeirense daquele tempo. Quando da guerra do Brasil contra o Paraguai por aqui passou parte do exército imperial para os campos de batalha, alguns oficiais generais ali foram recebidos e alojados.
Depois de tudo isso e não tendo até hoje a casinha histórica do Dr. Pereira feito mal a ninguém, vem agora a higiene científica moderna dizer, por seus órgãos autorizados, que ela precisa ser destruída pelo fogo para garantir a gente contra a peste!
Muito embora o Dr. Pereira, como médico competente, adote os princípios de ciência no que respeita os processos da profilaxia social, agressiva e defensiva, todavia, debaixo de outro aspecto, isto é, como proprietário ele acha que aqueles princípios não devem ser aceitos em absoluto; devem sofrer as suas restrições em virtude de não poderem ser, em medicina, preteridos certos e determinados diagramas. E argumentando assim em sua carta, ele chega muito lógica e naturalmente à conclusão de que a sua casa não deve ser incendiada, o que consulta bem aos seus interesses.
A casinha merece antes, diz ele em sua missiva, que se a conserve melhorando, enquanto de pé ela se for mantendo pelo mágico poder do equilíbrio até que um belo dia venha a desabar sobre alguém, à falta de alicerces que já lhe vão escasseando, o que aliás não terá importância.
Não se deve concluir do exposto que o Dr. Pereira seja um inimigo radical do fogo. Ele não o adota apenas sob o ponto de vista da higiene profilática contra o micróbio da peste. Nos últimos tempos tem o provecto clínico vivido às voltas com as chamas. Vem de inventar o Brasol, combustível de primeiríssima, a cujo poder ignescente deslizarão nas estradas automóveis de todas as marcas, serão acionados motores de todos os fabricantes e navegarão gasolinas e barcos de todas as espécies e calados.
E se o Dr. Pereira houvesse consentido na queima da sua casa já teríamos então apreciado também a força das chamas do Brasol, o qual aplicado para início do fogo superaria, com certeza, a eficácia do velho querosene, tão comumente usado nos incêndios.
Não nos foi dado assistir esse espetáculo, porque relegando em parte as noções adquiridas sobre a ação do fogo contra a vida do micróbio, o Dr. Pereira defende assim a sua propriedade.
E o distinto médico conterrâneo tem toda a razão: sem fogo mesmo as pestes passam e... a casa fica."
DIF
Teria o artigo sobre a peste revelado mais um casarão histórico da vetusta Cachoeira? Que personagens do Império teriam passado por ele? Que parentesco unia o médico José Afonso Pereira, da casa que hospedou D. Pedro II na Rua de Santo Antônio (Saldanha Marinho), com a casa do Dr. Pereira da Silva localizada na Rua 7 de Setembro, esquina Rua Ramiro Barcelos?
Seria a casa da direita na foto a que pertenceu ao Dr. Pereira da Silva? Quem seriam os ilustres que nela se hospedaram? - Fototeca Museu Municipal |
Rua 7 de Setembro entre Andrade Neves e Ramiro Barcelos - Coleção Claiton Nazar |
Cada tempo tem suas pestes, mas a que verdadeiramente assola e gera as demais é a da ignorância. Contra ela só há dois antídotos eficazes: a educação e a cultura.
Achei muito interessante o texto e o assunto ! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Inár!
ExcluirCom a passagem da minha mãe semanas atrás, encerramos 60 anos morando quase de fronte ao casarão da esquina da Saldanha, durante todo esse tempo e até pelo nome da rua, sempre tive como se este imóvel tivesse sido construido pelo General Portinho, inclusive alguns descendentes moravam por ali. Até a cadeia pública houve por um tempo, segundo meu pai que contava que a primeira carteira de motorista que tirou foi ali, em uma delegacia. Não sabia desse médico que foi proprietário. Muito bom!
ResponderExcluirMico Vargas, podes consultar aqui mesmo no blog a história desta casa, importante patrimônio perdido e que teve por hóspede ilustre o segundo imperador do Brasil. Anos mais tarde, pertenceu a descendentes do General Portinho, por isto tuas memórias. Abraço.
ResponderExcluirObrigado!
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