Dela ninguém foge, ninguém traz notícia e nem de longe alguém a quer! Triste sina esta que temos de conviver com sua sombra...
Quem nos leva a refletir sobre a morte, em texto que será sempre atual, é o jornalista pelotense Antônio Ferreira Vianna (1855-1903), que foi conselheiro, ministro da Justiça do Império e abolicionista.
A publicação foi feita num antigo e raro jornal da nossa velha Cachoeira, o 15 de Novembro, fundado entre o final de 1889 e 1890, cujo diretor de redação foi nada mais nada menos que Borges de Medeiros, antes de se tornar o mais longevo administrador do Rio Grande. A edição é de 22 de março de 1890, quando o número de circulação chegou ao 24 no seu primeiro ano de existência. Esta preciosidade faz parte do Acervo de Imprensa do Arquivo Histórico do Município de Cachoeira do Sul "Carlos Salzano Vieira da Cunha", coleção de avulsos raros de jornais cachoeirenses.
À primeira página do 15 de Novembro, sob o título Excerto de um discurso, assim escreveu A. Ferreira Vianna:
A onda misteriosa da morte arrebatou das praias desta vida mais um dos valentes lidadores, espírito de fé e alma preparada para o combate. Eu o vi imóvel, vinculado e vencido pela morte; vi inanimado aquele que foi uma luz, que foi uma grande energia e um coração cheio de esperança.
A morte é sempre uma lição, lição sublime: é o soldo que pagamos neste mundo do pecado. A morte faz pensar e tremer: é o nosso maior inimigo, não tanto pelo seu poder como principalmente pelo seu mistério.
Não me parece tão grandioso tirar o homem do nada como restituí-lo, depois da morte, ao amor e à luz.
A morte é como o desprendimento do vínculo entre o passado e o futuro. Profundo enigma entre o que nós fomos e o que esperamos ser!
Senhores, é preciso meditar na morte; e eu vos convido a fazê-lo, reservando o dia de hoje para estes silêncios e solidões em que a alma quase fulminada pelo terror só se levanta pela fé e pela esperança.
Não tenho tanto medo da morte como terror da vida. A morte é uma aposentadoria, a vida é um combate.
Não compreendo que o criador do universo, expressão absoluta e substancial da verdade e da justiça, animasse uma poeira, desse-lhe o sopro da vida por alguns dias e a lançasse como um joguete ao furor das tempestades e aos caprichos do mundo. Aqui, o nada absurdo, ali, a morte eterna.
Não compreendo o criador regozijando-se nessa obra de um momento, nessa vida comprada com o sacrifício enorme e doloroso de lágrimas e de angústias!
E se assim pudesse ser; se a catástrofe fosse real; se aquém e além nada houvesse senão esta vida de combate, ó Deus, onde a tua justiça?!!!
Pensemos na morte. Há pouco vi uma ilustre vítima que caiu na estrada da vida. Eu a vi, vô-lo digo, inanimada; a morte apagara-lhe o sorriso nos lábios, desbotara-lhe o colorido nas faces: era uma verdadeira transformação. Parece que o ser reduziu-se ao não ser; que um ente inteligente, livre e de nobres qualidades ia entrar apenas como combustível na fornalha do grande processo da química do universo.
Mas aquele coração que não palpitava, aquela língua que estava colada, aqueles olhos fechados para sempre, aquele gelo da morte, enfim, parecia reanimar-se e voltar à vida, porque diante dele estava a imagem de Jesus Cristo, fonte da vida, resumo da nossa fé, síntese das nossas esperanças.
A. Ferreira Vianna
Com este excerto (fragmento) de discurso, cabe-nos interessante reflexão nestes tempos de Páscoa, quando a morte anuncia também a ressurreição...
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