Lá se vão
190 anos que o povo de Cachoeira, vanguardista e ousado, instalou um barracão
junto à Praça da Igreja para nele funcionar um teatro, o primeiro do interior da
então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Com o passar do tempo, certamente
o barracão foi recebendo melhorias, chegando sua imagem até nossos dias por uma
antiga fotografia que há no Museu Municipal.
Teatro Cachoeirense ao lado da Intendência Municipal (atual Museu) - Museu Municipal |
A
iniciativa do erguimento do teatro coube à classe caixeiral da Vila, ou dos
comerciantes e empregados do comércio, atestando que este segmento foi muito
forte e decisivo não somente para a arte e outras generalidades, mas para
garantir status econômico e político a Cachoeira. A força dos caixeiros era
notável, pois foram capazes de construir um teatro com capacidade para 500
espectadores, duas ordens de camarotes, cenário e teto elegantemente
pintados.
Frente do Teatro Cachoeirense - Museu Municipal |
Na noite
marcada para a inauguração, estando já cheio o teatro, um incômodo de
saúde em um dos atores mudou o programa, sendo apresentado apenas um entremez,
espécie de peça cômica e alegre. Ficou então marcada a noite de 25 de abril de
1830 para a inauguração oficial.
Chegado o
grande momento, e estando o teatro lotado em sua capacidade, ocupavam os
camarotes apenas as senhoras “ornadas de grande riqueza”. Na plateia, as autoridades
e o “povo nobre”. Subiu então o pano do cenário, exibindo uma sala imperial
atapetada, tendo ao fundo o retrato de Sua Majestade Imperial, D. Pedro I, “debaixo
do precioso dossel e sobre um iluminado e rico trono”. Faziam guarda ao retrato
os tenentes José Gomes Porto e Tristão da Cunha e Souza, além do alferes
Antônio Xavier da Silva, com o estandarte da Câmara, posicionando-se os atores
nos flancos da sala. Descortinado este cenário, o juiz de paz João Nunes da
Silva, postado na plateia, deu vivas à Sua Majestade, à Imperatriz Leopoldina, à Constituição e à
Assembleia dos brasileiros, ao que os atores, acompanhados de orquestra,
entoaram um hino dedicado ao casal imperial e sua prole, findando essa
introdução com vibrantes ovações.
Logo após,
teve lugar a encenação da tragédia romana Virgínia e o entremez A filha
teimosa com os livros, ficando registrada na ata que a Câmara Municipal lavrou
sobre a inauguração que “enquanto o pano estava descido todas as famílias
ocupavam-se em alegres conversações sobre Vossa Majestade Imperial e sobre a
Constituição”. Ao encerramento da noite, todos saíram muito satisfeitos com a
novidade.
A Câmara deixou evidente a alegria quando registrou na referida ata
de 27 de abril: “E posto que todos os moradores mereçam um extremo elogio por
terem todos concorrido já com suas pessoas, já com quantias pecuniárias, não se
pode, contudo, tirar a palma a Joaquim Corrêa de Oliveira e José Joaquim da
Graça, principais diretores deste entusiasmo”.
Pela
descrição da noite de 25 de abril, é notória a grande importância econômica e
política da iniciativa do teatro, tendo em vista a maciça presença das famílias
nobres e abastadas da Vila e das autoridades constituídas, com participação de
personalidades históricas importantes na cena inaugural. Além do mais, o
registro feito em ata dá a dimensão de acontecimento político-administrativo
àquela memorável noite.
A história
do prédio do Teatro Cachoeirense pode ser comprovada quando da construção do sobrado
de Casa de Câmara, Júri e Cadeia (1861 a 1864), atual Museu Municipal, pois o
terreno julgado próprio para a obra foi o que ficava “na Praça da Igreja Matriz
no lado direito do Teatro, na esquina da Rua Travessa que segue em direção ao
Passo do Amorim”, conforme registrado em documento da Câmara Municipal (CM/OF/A-005,
fls. 324v e 325), do arranjo documental do Arquivo Histórico.
O primeiro
teatro existiu provavelmente por mais de 60 anos. Poucas notícias há sobre ele,
muito em razão de ter sido inaugurado anteriormente ao aparecimento de nosso
primeiro jornal (O Cachoeirense, de 1879) e mesmo pela ausência de exemplares
de outros jornais surgidos depois. No acervo de imprensa do Arquivo Histórico, há um raro exemplar do jornal Clarim, de 22 de maio de 1887, que traz o
seguinte anúncio:
“Na próxima
quinta-feira realiza-se, em nosso teatro, um espetáculo particular, constando
do magnífico drama de Dumas Filho, O
suplício de uma mulher, da comédia As
coincidências e de uma poesia A vida
do ator, recitada pelo ator Machado”.
Anúncio no O Clarim, de 22/5/1887 - Arquivo Histórico |
Já o jornal
Federalista, edição de 23 de janeiro de 1892, registra: “Em vista de terem sido
tomadas assinaturas de todos os camarotes do nosso teatro, deve chegar de Santa
Maria o nosso amigo e distinto ator Manoel da Nóbrega, acompanhado do simpático
grupo de amadores santa-marienses que levarão à cena hoje e amanhã os dois
esplêndidos dramas O anjo da meia-noite e
Gonzaga ou a Revolução de Minas.
O trabalho do Sr. Nóbrega e de seus auxiliares não carece de reclame, porque já
é bem conhecido pela nossa plateia. Boa estada entre nós é o que desejamos a
tão distintos hóspedes que nos vêm proporcionar algumas horas de recreio”.
Jornal Federalista - 23/1/1892 - Arquivo Histórico |
No final do
século XIX, o prédio foi demolido, sem muita clareza a respeito do que aconteceu.
Até que, um contrato celebrado entre a Intendência Municipal e o construtor
Francisco Miotti, em 7 de maio de 1906, jogou luz sobre a situação,
esclarecendo qual havia sido seu fim. Para promover melhorias no prédio da
Intendência, realocando secretarias no térreo, o intendente Isidoro Neves assinou
contrato com Miotti para construção de um muro na “parede do lado Sul do teatro
velho que foi incendiado”, aproveitando os mesmos tijolos nela empregados
(IM/GI/AB/C-001).
Quais
teriam sido as causas do incêndio? Quando teria se dado o sinistro? Tais
perguntas por enquanto não têm resposta, mas também ajudam a explicar porque,
poucos anos depois, novamente a cidade empenharia esforços, sob a liderança de
David Soares de Barcellos, para erguer seu segundo teatro.
Mas esta já é outra
das tantas histórias da bicentenária Cachoeira do Sul.
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